As suspeitas de corrupção no Parlamento Europeu


Se a corrupção atinge as instituições europeias a este nível, há que perguntar até onde poderá ir e se as instituições na Europa estão de facto a funcionar ao serviço dos povos europeus.


Foi notícia esta semana a detenção da Vice-Presidente do Parlamento Europeu, Eva Kaili, e de três outras pessoas por suspeitas de corrupção, branqueamento de capitais e organização criminosa. Segundo noticiou a imprensa belga, estas pessoas teriam recebido avultadas quantias em dinheiro (fala-se em €600.000) com origem no Catar, para influenciar decisões tomadas pelo Parlamento Europeu. Aquando da sua detenção pela polícia belga, a Vice-Presidente do Parlamento Europeu estava na posse de sacos de dinheiro, pelo que a sua situação foi considerada de flagrante delito, não beneficiando por isso da imunidade parlamentar. Em consequência a Presidente do Parlamento Europeu Roberta Metsola suspendeu com efeitos imediatos todas as competências e tarefas que tinha delegado em Eva Kaili como Vice-Presidente do Parlamento, aguardando-se agora uma decisão de suspensão do seu mandato por parte do próprio Parlamento Europeu.

No passado dia 21 de Novembro, no quadro de um debate sobre a situação dos direitos humanos no Catar, Eva Kaili tinha feito um discurso no Parlamento Europeu com uma defesa intransigente do Catar, tendo afirmado que o mundial de futebol era a prova de como a diplomacia desportiva poderia realizar a transformação histórica de um país, com reformas que inspiraram o mundo árabe. Segundo a mesma, o Catar estava na vanguarda  da protecção dos direitos dos trabalhadores, tendo já abolido a kafala (o sistema de monitorização dos trabalhadores migrantes, que exige que os mesmos tenham um responsável pelo seu visto e estada no país, normalmente o empregador) e introduzido o salário mínimo. Não obstante reconhecer a desconfiança com que até as empresas europeias estavam a encarar essas leis, Eva Kaili considerava que o país se tinha comprometido voluntariamente com uma visão de abertura ao mundo. Segundo ela, haveria alguns deputados no Parlamento Europeu que apelavam à discriminação contra os governantes do Catar, que os maltratavam e acusavam de corrupção todos as pessoas que falavam ou se relacionavam com eles. No entanto, como os europeus recebiam o gás do Catar, e como as suas empresas ganhavam milhares de milhões nesse país, Eva Kaili defendia que não tínhamos qualquer direito moral de fazer discursos para ganhar a atenção de meios de comunicação social de baixo nível e não podíamos impor-lhes o nosso ponto de vista, tendo antes que os respeitar.

Pelos vistos este discurso tão comovente e compreensivo para com o Catar teria sido inspirado pelos sacos de dinheiro que teriam chegado à Vice-Presidente do Parlamento Europeu. O que é verdadeiramente chocante é que esta situação possa ocorrer no quadro das instituições da União Europeia, que até é conhecida por pagar regiamente aos deputados europeus e tem um controlo apertado sobre as situações de incompatibilidade. Se a corrupção atinge as instituições europeias a este nível, há que perguntar até onde poderá ir e se as instituições na Europa estão de facto a funcionar ao serviço dos povos europeus.

Em qualquer caso, o que esta situação demonstra é que a operação de lavagem desportiva (sportswashing) da imagem do Catar consistente na atribuição do Mundial 2022 era de facto de extrema importância para esse país. A situação dos direitos dos trabalhadores no Catar é considerada de extrema gravidade por entidades independentes, ou não tivesse havido o número de mortos que ocorreu aquando da construção dos estádios. Por isso nunca o Mundial de Futebol deveria ter sido atribuído a um país com este registo em matéria de direitos humanos e, após essa atribuição, todos os políticos europeus deveriam ter guardado um distanciamento prudente do evento. Uma coisa é um mundial de futebol, outra coisa é uma gigantesca operação de branqueamento de um país. E o que se passou com o Mundial 2022 constituiu uma vergonha sem nome que não se pode mais repetir. 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990

As suspeitas de corrupção no Parlamento Europeu


Se a corrupção atinge as instituições europeias a este nível, há que perguntar até onde poderá ir e se as instituições na Europa estão de facto a funcionar ao serviço dos povos europeus.


Foi notícia esta semana a detenção da Vice-Presidente do Parlamento Europeu, Eva Kaili, e de três outras pessoas por suspeitas de corrupção, branqueamento de capitais e organização criminosa. Segundo noticiou a imprensa belga, estas pessoas teriam recebido avultadas quantias em dinheiro (fala-se em €600.000) com origem no Catar, para influenciar decisões tomadas pelo Parlamento Europeu. Aquando da sua detenção pela polícia belga, a Vice-Presidente do Parlamento Europeu estava na posse de sacos de dinheiro, pelo que a sua situação foi considerada de flagrante delito, não beneficiando por isso da imunidade parlamentar. Em consequência a Presidente do Parlamento Europeu Roberta Metsola suspendeu com efeitos imediatos todas as competências e tarefas que tinha delegado em Eva Kaili como Vice-Presidente do Parlamento, aguardando-se agora uma decisão de suspensão do seu mandato por parte do próprio Parlamento Europeu.

No passado dia 21 de Novembro, no quadro de um debate sobre a situação dos direitos humanos no Catar, Eva Kaili tinha feito um discurso no Parlamento Europeu com uma defesa intransigente do Catar, tendo afirmado que o mundial de futebol era a prova de como a diplomacia desportiva poderia realizar a transformação histórica de um país, com reformas que inspiraram o mundo árabe. Segundo a mesma, o Catar estava na vanguarda  da protecção dos direitos dos trabalhadores, tendo já abolido a kafala (o sistema de monitorização dos trabalhadores migrantes, que exige que os mesmos tenham um responsável pelo seu visto e estada no país, normalmente o empregador) e introduzido o salário mínimo. Não obstante reconhecer a desconfiança com que até as empresas europeias estavam a encarar essas leis, Eva Kaili considerava que o país se tinha comprometido voluntariamente com uma visão de abertura ao mundo. Segundo ela, haveria alguns deputados no Parlamento Europeu que apelavam à discriminação contra os governantes do Catar, que os maltratavam e acusavam de corrupção todos as pessoas que falavam ou se relacionavam com eles. No entanto, como os europeus recebiam o gás do Catar, e como as suas empresas ganhavam milhares de milhões nesse país, Eva Kaili defendia que não tínhamos qualquer direito moral de fazer discursos para ganhar a atenção de meios de comunicação social de baixo nível e não podíamos impor-lhes o nosso ponto de vista, tendo antes que os respeitar.

Pelos vistos este discurso tão comovente e compreensivo para com o Catar teria sido inspirado pelos sacos de dinheiro que teriam chegado à Vice-Presidente do Parlamento Europeu. O que é verdadeiramente chocante é que esta situação possa ocorrer no quadro das instituições da União Europeia, que até é conhecida por pagar regiamente aos deputados europeus e tem um controlo apertado sobre as situações de incompatibilidade. Se a corrupção atinge as instituições europeias a este nível, há que perguntar até onde poderá ir e se as instituições na Europa estão de facto a funcionar ao serviço dos povos europeus.

Em qualquer caso, o que esta situação demonstra é que a operação de lavagem desportiva (sportswashing) da imagem do Catar consistente na atribuição do Mundial 2022 era de facto de extrema importância para esse país. A situação dos direitos dos trabalhadores no Catar é considerada de extrema gravidade por entidades independentes, ou não tivesse havido o número de mortos que ocorreu aquando da construção dos estádios. Por isso nunca o Mundial de Futebol deveria ter sido atribuído a um país com este registo em matéria de direitos humanos e, após essa atribuição, todos os políticos europeus deveriam ter guardado um distanciamento prudente do evento. Uma coisa é um mundial de futebol, outra coisa é uma gigantesca operação de branqueamento de um país. E o que se passou com o Mundial 2022 constituiu uma vergonha sem nome que não se pode mais repetir. 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990