O que têm em comum a falta de médicos, o drama da habitação, a degradação da escola pública, a incerteza energética, a ausência de incentivos à natalidade e os atrasos crónicos na transição digital da administração pública? Tudo. Têm em comum o mesmo problema: Portugal continua a não ter concertação política e acaba por gerir à semana, sem plano, sem coragem e sem visão de longo prazo. Prova cabal disso é que quando aparenta haver um rumo, os quadrantes políticos adversários do governo optam por preferir quebrar o ciclo do que se sentarem à mesa e chegarem a acordos para possíveis reformas reais.
Vivemos num país em que cada medida parece pensada para aliviar a polémica do dia e não para estruturar a década. A política transformou-se numa resposta constante ao imediato. E esta ausência de bússola estratégica tem consequências: empurra-nos para a estagnação, esgota os recursos públicos em medidas paliativas e agrava a perceção — justificada — de que o Estado já não sabe para onde vai. Há governantes, decisores públicos e até simples agentes políticos que sabem, claro. Mas no geral, não tem sido possível haver esse caminho.
A política, quando não se assume como espaço de planeamento, torna-se refém do ciclo mediático. E quando o decisor vive encurralado entre o que vai dizer o próximo inquérito de opinião (ou “sondagem” que é já uma tradição portuguesa semanal) ou o que o algoritmo do dia vai amplificar, estamos conversados sobre a qualidade da decisão. É por isso que os portugueses vão perdendo confiança na política: porque, apesar de todos os relatórios, debates e boas intenções, sentem que muito pouco muda.
Veja-se a questão da natalidade. Há décadas que se conhece o problema, há estudos sólidos, há exemplos internacionais de políticas eficazes. Mas o que se faz em Portugal? Criam-se subsídios esporádicos, discutem-se creches gratuitas (sem garantir profissionais para as operar) e lança-se um cheque-bebé simbólico para surfar a espuma dos dias. Um país que perde população ativa todos os anos não pode continuar a adiar a sua resposta estratégica a um problema que compromete a sua sustentabilidade económica e social.
Ou a questão da inovação. Temos talento, temos centros de investigação de excelência, temos acesso a fundos europeus — e mesmo assim, a transferência de conhecimento para a economia é frágil. Porque falta uma rede nacional coerente, falta incentivo fiscal continuado e acima de tudo falta visão. Criam-se iniciativas avulsas para “estimular o ecossistema”, mas depois os empreendedores tropeçam na burocracia e desistem. E o país perde, mais uma vez.
Em matéria de habitação, a mesma história. O mercado responde mal às necessidades, o Estado intervém tarde e sem escala. Os programas lançados parecem mais slogans do que soluções com impacto. Entretanto, milhares de famílias esperam, jovens adiam projetos de vida e o investimento público empanca em processos administrativos infindáveis. Em suma, todos concordamos: Comprar casa é quase impossível para a “maioria absoluta” dos portugueses e mesmo arrendar tornou-se uma “moção de censura” a qualquer jovem ou menos jovem.
O mais preocupante é que já não basta reconhecer o problema: é preciso assumir a responsabilidade de o resolver com políticas consistentes, de longo prazo, com objetivos claros e mensuráveis. Governar não é apagar fogos mediáticos, é prevenir incêndios estruturais.
É tempo de olharmos para o país com outra maturidade política. E isso exige mudar o chip. Exige que se crie uma verdadeira cultura de planeamento no Estado, com metas de médio e longo prazo, com estruturas de acompanhamento independentes, com escrutínio público eficaz. Porque não, com taxas de implementação das medidas que sejam públicas (e digitais, já agora) para termos um país mais moderno e transparente. Exige que se premiem os bons resultados e não apenas as boas intenções. E exige, acima de tudo, que se resgate a coragem de decidir com base em evidência — mesmo que isso não dê votos imediatos.
Portugal não pode continuar a gerir à semana. O custo dessa ausência de visão está à vista: salários baixos, serviços públicos sob pressão, fuga de cérebros brilhantes para outros países, frustração social e desconfiança na política. A médio prazo, será insustentável.
O tempo da política de manutenção acabou.
Precisamos de líderes com pensamento estratégico, com sentido de missão e com coragem de decidir. O futuro constrói-se com visão, e a visão exige tempo, planeamento e compromisso com as próximas gerações — não apenas com o próximo ciclo eleitoral.