Fake news e redes sociais. É cada vez mais difícil distinguir a verdade da mentira

Fake news e redes sociais. É cada vez mais difícil distinguir a verdade da mentira


Fake news são uma forma de desinformação cada vez mais viral e a sua utilização causa consequências. As redes sociais vieram acelerar este fenómeno e parece cada vez mais difícil perceber o que é realidade ou não. Portugueses estão preocupados e a solução para combater este ‘vírus’ é difícil.


“Uma mentira contada mil vezes torna-se uma verdade”, diz-se. Ainda que não devesse ser assim, vivemos tempos em que o é. As fake news são uma realidade. Ainda que não recente, cada vez mais usual. E é inegável que as redes sociais as tenham tornado cada vez mais virais, cada vez mais presentes e cada vez mais como certas.

Os dados são alarmantes: um em cada três portugueses vê informações falsas/erradas quase todos os dias. E cerca de 81% diz estar preocupado com a sua capacidade para distinguir conteúdo verdadeiro e falso na internet, revela a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) no relatório ‘Vamos falar sobre Desinformação’. Já entre os temas onde encontram mais desinformação destacam-se a política (28%), economia e custo de vida (19%), guerras (37%) e imigração (17%).

Ainda que se falem muito em desinformação e fake news, é importante distingui-las. “As fake news referem-se especificamente a notícias falsas que são apresentadas como se fossem verdadeiras, frequentemente com o objetivo de influenciar opiniões, gerar clicks ou receitas publicitárias. As fake news são uma forma de desinformação, mas nem toda a desinformação se apresenta sob a forma de fake news”, alerta a Ordem dos Psicólogos.

O avanço das redes sociais

Numa era cada vez mais tecnológica, as redes sociais contribuem muito para impulsionar este ‘vírus’. E os dados não são animadores: nas redes sociais uma notícia falsa espalha-se seis vezes mais rápido do que uma notícia verdadeira, refere a OPP. E a forma de encontrarmos uma é muito fácil: “Todos os dias, enquanto utilizadores/as, podemos percorrer distraidamente cerca de 90 metros de feed nas redes sociais – aproximadamente a altura da Estátua da Liberdade”, diz a OPP.

Ao i, João Canavilhas, professor catedrático na Universidade da Beira Interior e investigador do LabCom, diz não ter dúvidas: as redes sociais “são o canal onde as fake news mais circulam por uma razão simples: nas redes sociais há poucas regras e algumas redes sociais, na sequência da eleição do novo Presidente norte-americano terem retirado alguns serviços que tinham fact checking que entretanto tinham comprado a empresas externas, agora o controlo vai ser rigorosamente zero”.

A partir deste momento, o professor catedrático diz que, “aquele é o canal, por excelência, para funcionar tudo o que tem a ver com informação falsa porque, do outro lado, está justamente o jornalismo que é onde isso não acontece porque há sistemas de controlo”.

Questionado sobre o principal objetivo da divulgação destas fake news, João Canavilhas diz que existem diversas tipologias, defendendo que a informação, analisando a forma como aparece, “tem sempre um objetivo: reforçar uma determinada posição ou prejudicar a outra posição”. Isto pode ser feito “através de humor, que as pessoas muitas vezes nem notam que há ali uma determinada mensagem que está implícita ou pode ser através da alteração de determinados dados”. Aliás, acrescenta, “Este género de manipulação funciona quer no emissor, quer na mensagem, quer na forma como ela é transmitida”, alerta.

É mais difícil distinguir o verdadeiro do falso?

Perante esta questão, João Canavilhas é perentório: “Tendencialmente vai acontecer isso”. Até porque, na sua opinião, “a partir do momento em que as próprias redes sociais deixam de controlar a informação falsa, vai ser cada vez pior porque as pessoas estão a fechar-se em bolhas informativas”. “Verificamos que cada vez menos se consome jornalismo. A exceção é, por exemplo, em alturas de crise. Quando há momentos de crise, geralmente as pessoas voltam ao jornalismo. Mas o que temos visto ultimamente é pessoas a consumirem informação que não é informação jornalística dentro das redes sociais, fecham-se em determinadas bolhas, e a partir do momento em que deixam de olhar para aquilo que são os media tradicionais, torna-se mais difícil conseguirem comparar aquilo que lhes está a ser atribuído com aquilo que é a verdade e esse é que é o problema”.

E os partidos?

O professor catedrático chama ainda a atenção para os partidos políticos, uma análise que pode ser feita em várias vertentes. “Podem ser partidos mas podem ser também simpatizantes, pessoas que têm algum interesse especial em fazer passar uma mensagem falsa. Agora o que vemos é que os próprios partidos, por vezes, estão a atuar dessa forma”, lembrando um estudo que foi feito pelo LabCom nas últimas eleições europeias. “Detetámos uma tendência, por exemplo, que era a utilização de sondagens de empresas que não estão credenciadas para fazê-lo. Logo aí percebemos que se quer transmitir uma mensagem de que, por exemplo, um partido particular está em grande crescimento quando aquilo na verdade depois não é sondagem nenhuma. É um estudo feito com a amostra conveniente para chegarem à conclusão que querem”, diz, acrescentando que também se verificou uma forma de alterar notícias, utilizando “mensagens em que, por exemplo, o cabeçalho daquela informação que aparentava ser de um jornal, era muito parecido com o cabeçalho de alguns jornais que existem em Portugal. É essa tal tentativa de credibilizar. Vamos credibilizar isto usando alguém que tem credibilidade, que é a imprensa. Portanto, fazem essa aproximação, usando o mesmo tipo de letra, o mesmo tipo de paginação, um lettering muito parecido, um logo… E tudo isso é ir buscar aquilo que é a credibilidade do jornalismo e tentar colocar ali como informação falsa”. E alerta: “Estas estratégias vão ficando cada vez mais afinadas e por isso é que é preciso alguém estar vigilante”.

O professor diz que depois existe é o problema das redes sociais abertas – como o Facebook, Instagram ou X – e as fechadas, como é o caso do Whatsapp. “Em Portugal não se usava muito o Whatsapp para este tipo de informações, ao contrário do que acontecia noutros países, mas cada vez mais existem grupos fechados e aí é impossível entrar para fazer qualquer controlo. Tendencialmente a situação irá piorar”, avisou.

E a inteligência artificial?

Numa altura em que o uso da inteligência artificial tem crescido, é preciso também ter em conta que pode ser cada vez mais usada para as fake news. João Canavilhas diz que o uso desta tecnologia é “como tudo na vida”. “Todas as tecnologias podem ter uma boa utilização ou uma má utilização. Pode ser utilizada para detetar informação falsa, quer seja através de imagem quer seja através de texto – e já há ferramentas para isso – mas pode também ser utilizada para a produção de informação falsa”, como é o caso das deep fake “em que provavelmente a utilização em favor da desinformação vai ser muito complicada”. O professor recorda que, aos dias de hoje, existem diversas ferramentas que permitem colocar uma pessoa a dizer coisas que ela verdadeiramente nunca disse. “É a tal tipificação de desinformação que se tornou mais fácil fazer. E isso vai piorar ainda mais a situação. Até porque, à medida que estes algoritmos se vão aperfeiçoando e que estas ferramentas se vão aperfeiçoando, vai ser cada vez mais difícil distinguirmos se aquilo é verdadeiro ou falso porque a tecnologia vai evoluindo”.

A verdadeira solução

Para João Canavilhas, por mais que se desenvolvam sistemas para combater as fake news – e lembrando que estão a ser desenvolvidas ferramentas informáticas para isso pela sua equipa – só há uma solução de combater esta tendência de notícias falsas: o jornalismo. “A única forma de percebermos o fenómeno, é através do contexto. Se olharmos para um determinado fenómeno e olharmos à volta do que existe naquele fenómeno, conseguimos pelo menos perceber como é que aquilo está a acontecer. Quem faz isso é o jornalismo”. E acrescenta: “O jornalismo é que contextualiza os fenómenos, é que tem a preocupação de contrastar as fontes. E, a partir daí, chegamos a alguma conclusão. Além de, teoricamente, não existir informação falsa no jornalismo, para além disso, há um conjunto de técnicas que fazem com que tenhamos confiança na informação jornalística”.

Na sua opinião, a tecnologia não é suficiente. “Terá de ser através de pessoas. Até porque a inteligência artificial tem alguma dificuldade em interpretar, por exemplo, a ironia ou o humor. Pode haver ali uma mensagem, podemos ter uma máquina ou um algoritmo que até poderia detetar, mas depois faltou-lhe esta parte humana de interpretação. E quem faz isso são os jornalistas, o jornalismo”.

Mas não é um jornalismo qualquer. “Tem que ser um jornalismo forte e, para isso, tem que haver financiamento. Tem que haver dinheiro no jornalismo porque o bom jornalismo é caro. É como em todas as atividades. E não é por causa da tecnologia porque essa já é muito barata. É por causa dos recursos humanos”, alerta João Canavilhas.