A SIC disse que acabava com os programas de comentário desportivo porque a pandemia não deu juízo aos comentadores desportivos. Como encara isto?
Encaro bem, numa perspetiva de utilidade, de higienização do ambiente de debate futebolístico, e entendo que era necessário as televisões darem um sinal de que não estão capturadas pelo poder do futebol. O poder do futebol é algo que talvez as pessoas não entendam na sua dimensão real. É um poder dilacerante, um poder que condiciona o pensamento e nos faz pensar muito sobre o nosso papel. As sociedades têm de ser livres, as pessoas têm de ser livres e o futebol tem de ser livre. Simplesmente, o futebol habituou-se a fazer o que lhe apetece, o que quer, condicionando, pressionando, coagindo… E isso é uma batalha que nós temos de vencer. Nós, cidadãos livres, aqueles que são livres. Entendi sempre o futebol como uma força extraordinária e uma força que pode ser aproveitada para melhorar as coisas. As pessoas identificam-se com o futebol, gostam do futebol, e se o futebol conseguir projetar e, ao nível da influência, alterar algumas coisas que têm a ver com as nossas vidas, tanto melhor. Acreditei sempre nisso, na força social do futebol como motor de transformação até das mentalidades.
Era um ilustre representante de um dos programas que acabou, o Playoff…
É verdade. Foram quase sete anos de programa. O Playoff foi um programa que apareceu porque, nas minhas conversas internas com a SIC, a certa altura achámos que talvez fosse interessante abrir um espaço de debate ao domingo. Eu tinha o Tempo Extra nesse segmento de horário e, a certa altura, entendemos que podia ser interessante abrir um programa de debate com gente do futebol e das nossas conversas resultou a ideia de que era possível conciliar a experiência, o saber, de pessoas que estiveram no terreno como jogadores e como treinadores com alguém que tem alguns anos disto, que tinha ocupado esse espaço em termos de análise e que estava disponível para passar por uma experiência nova que era, em vez de estar a analisar sozinho questões relacionadas com o fenómeno futebolístico, entrar numa dinâmica de debate. Até achei isso interessante do ponto de vista da minha própria carreira. Estava há muitos anos a solo e achei que podia ser interessante para o público e para mim entrar nessa dinâmica de debate. E tenho de dizer que o Playoff foi um programa de grande sucesso.
Mas foi perdendo audiência.
O Playoff foi um programa que teve sempre muito boas audiências, liderou quase sempre uma percentagem altíssima das audiências ao domingo. O que aconteceu foi que o futebol, com a pandemia, perdeu valor, e o futebol precisa de recuperar o valor que perdeu com a pandemia. É bom que se perceba que o futebol estava em queda por falta de transparência e, em Portugal, por causa de outros fatores como, por exemplo, a tóxica comunicação. Antes da pandemia, as reformas eram urgentes. Agora, mais urgentes se tornam. A falta de público tem um impacto brutal. Com a pandemia, o futebol não perdeu apenas milhões. Perdeu vida. Vejo que os gestores desportivos não sabem muito bem o que fazer. O Benfica é um caso particular, porque está mais agarrado à reeleição de Vieira do que propriamente às medidas que deveriam ser ajustadas à eclosão da covid. Perder o título de campeão nacional e não ganhar a Taça de Portugal está a levar o Benfica a gastar mais do que efetivamente pode e, sobretudo, a não ponderar os efeitos da pandemia. Veja-se que o FC Porto, mais acossado financeiramente, responde com Carraça à contratação de Cebolinha e à investida sobre Cavani – veremos com que consequências para o Benfica. Este era o momento certo para reduzir o número de equipas, orçamentos, e esperar pelo regresso do público….
No Playoff foi-se perdendo alguma transparência.
No Playoff, o que aconteceu é que, enquanto foi possível manter as pessoas ligadas aos seus próprios raciocínios e apenas aos seus próprios raciocínios, o programa foi, de facto, um sucesso.
Mas, a certa altura, isso deixou de acontecer.
É verdade.
O Manuel Fernandes, por exemplo, era um crítico de Bruno de Carvalho e, quando foi contratado, passou a ser o porta-voz. Como se sentiu nesse momento?
Acho que, durante um tempo largo da história do Playoff, nós tivemos ali os ex-praticantes ou ex-treinadores a pensar pela sua cabeça. A partir do momento em que entraram ali fatores que condicionaram e capturaram o pensamento dessas pessoas, o sucesso do Playoff passou a estar comprometido. No caso do Manuel Fernandes tivemos alguém que em momentos diferentes trabalhou com o Sporting e foi pago pelo Sporting. Isso, na verdade, condiciona. O Manuel Fernandes foi um caso evidente de um certo condicionamento pelo facto de ter uma ligação profissional e paga por uma entidade, neste caso, chamada Sporting. Quando uma pessoa – no caso, o Manuel Fernandes – se sente obrigada a transmitir algo que tem a ver com um interesse específico da sua entidade patronal, a entidade que lhe paga, isso não é bom. Mas também temos de perceber que, no caso do Manuel Fernandes e noutros casos, as pessoas são fiéis a princípios que têm a ver com a sua lealdade e com a sua história. E às vezes não é fácil separar uma coisa da outra, isto é, aquilo que é o pensamento próprio daquilo que é a tentativa de mostrar essa lealdade.
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