Um longo e assumido caso de amor com o microfone. António Lobo Xavier falou e encantou antes e depois de um jantar no Grémio Literário, a convite do Clube de Imprensa e do Centro Nacional de Cultura. Do ciclo corrente foi a sessão mais concorrida. A sala estava cheiíssima, com mesas até no corredor. O humor não desvirtuou o realismo. A autoridade não impediu alguma nostalgia.
O apogeu foi, ainda que o discurso inicial não tenha desiludido, nas respostas às questões dos presentes. A uma, muito específica e coincidente com a advocacia que exerce, sobre as vantagens do capital estrangeiro face às do capital nacional, foi prático.
«Se calhar vou desiludi-los. Sobre a nacionalidade do capital? Em geral, sou apátrida nessa matéria. Capital sem experiência, que seja apenas uma expressão momentânea de acumulação, é pouco interessante, mesmo que necessário quando o setor público está debilitado».
Para Lobo Xavier, «Portugal não se pode dar ao luxo de olhar a bandeiras» no que ao capital diz respeito. «Isto falando de dinheiro limpo», evidentemente. «Não temos outro remédio». E porquê? «Porque não temos. Foi varrido». A crise de 2008 a 2014 «reduziu a pó praticamente todas as acumulações dos setores empresariais portugueses de algum sucesso e aforro». «Basta ver o protagonismo do nosso ministro da Economia», quando comparado com outros, como «o da Segurança Social».
«É um aspeto negativo da globalização», admite, «que os ricos podem ir para onde entenderem», mas «é um facto». Como há competitividade fiscal, se não viessem «para cá», iriam certamente para outro sítio. «Um país com críticas necessidades de capital» deve ter essa noção. «Não temos outro remédio. Temos de tratar bem o capital estrangeiro porque precisamos dele», afirmou Lobo Xavier.
Deixou, para surpresa de alguns, elogios à personalidade e ao trabalho do atual chefe de Governo, António Costa. Alguns convidados, talvez mais à direita do que essa cordialidade, focaram-se nessa altura nos alertas telefónicos que traziam os penáltis entre Porto e Sporting. A Taça de Portugal, ao que parece, tem mais adeptos do que o centrão.
«Temos um primeiro-ministro inteligente, prático, sério e respeitador da palavra. A quem me trata bem eu respondo com bom trato», sorriu, recordando o tempo em que foram colegas de painel no programa A Quadratura do Círculo, da SIC Notícias. «Convivi com ele muitos anos, na Quadratura do Círculo. Trouxe-o muitas vezes a casa». E essa casa, continuou em jeito de memória, deixou de ser a casa de António Costa quando foi para a liderança do Executivo nacional. «Somos um país esquisito, em que o comentador ganha quatro vezes o salário do presidente de Câmara. Depois queixam-se que não há políticos. Ou, como alguns dizem, políticos sérios.»
Mas o louvor ao primeiro-ministro não impediu umas palavras mais frias sobre a situação vivida na área da Saúde. O termo «chantagem» foi duplamente utilizado.
«Os privados que estão nas Parcerias Público-Privadas têm muita dificuldade em ter rentabilidade. Estão sujeitos a regras draconianas», diagnosticou, atribuindo-as a «uma mentalidade muito de esquerda e estatizante».
«Não compreendem a importância da rentabilidade. Acreditam que é possível o investidor querer perder dinheiro só porque é bom para o bem público. Isso é impossível. Uma parceria público-privada tem de ter uma margem razoável de lucro, que é algo que não existe neste momento.» E Lobo Xavier não ficou por aí. «O Estado atrasou-se na preparação das renovações dos contratos das PPP. Está praticamente a chantagear», acusou. Os privados, relata, «temem continuar a perder dinheiro porque os contratos não foram renegociados a tempo».
«Esta forma de tratar a saúde é profundamente negativa», considerou, justificando que «algumas dessas PPP têm resultados absolutamente fantásticos». «Acabar com isso é uma desgraça para os locais e para os utentes desses hospitais. Se o Estado fizer isso, vai gastar muito mais», assegurou, em conclusão, na parte mais severa da intervenção.
Acerca do novo líder da Oposição a Costa, entregou-se menos ao entusiasmo. «Eu gosto do estilo jovem da presidente do CDS», começou em contrapeso, referindo-se a Assunção Cristas. «O novo presidente do PSD [Rui Rio] representa um pouco o oposto disso. É uma pessoa bem formada, com ideias fixas e um pouco antiquadas. Dou-lhe o benefício da dúvida. Mas ainda não vi nada ali que me desse esperança.»
Se essas características – ou essa ausência de esperança – poderão ser uma vantagem para o CDS, o orador levantou reservas e demarcou-se dos centristas que «vivem sempre à espera da fraqueza do PSD».
«Depois da ‘geringonça’, o PSD e o CDS ou se entendem ou não governam nunca mais», vaticinou. Nesse sentido, «um PSD debilitado não é bom para o CDS», pois «não credibiliza uma solução à direita». Sendo de igual modo «impossível» uma transferência total do eleitorado social-democrata para um eleitorado a votar CDS-PP.
«Gosto que o CDS cresça com a Assunção Cristas, mas não vivo à espera que o PSD desapareça. Seria péssimo para Portugal», referiu o advogado.
No fim, também em resposta a uma pergunta de uma das mesas, falou sobre a Europa. Em relação à eventual falta de soberania que Bruxelas impõe a Portugal, foi cortante, dispensando o argumentário: «A soberania começa no bolso». Dito de outro modo: soberanos, mas pobres, não será um cenário muito bonito ou que queira assinar por baixo.
«Em Portugal reagimos quase sempre na base de um cataclismo ou de uma imposição estrangeira. Toda a nossa relação com a Europa, desde o 25 de Abril, é assim: impõem-nos soluções para o nosso próprio bem. E sem essas soluções não avançamos», considera Lobo Xavier. Para que as suas palavras não soassem demasiado fatalistas, disse mesmo não sê-lo. Aliás, «nem fatalista, nem otimista». Um cético, portanto.