Os eleitores alemães acordaram esta segunda-feira com muito ainda por decantar sobre as legislativas de domingo. A imprensa, também. E os partidos, talvez mais do que todos, tentaram durante a manhã fazer sentido do estrondo nacionalista que se deu por todo o país quando, ao final da tarde, os primeiros resultados mostraram que não só um partido abertamente racista e xenófobo estava de regresso ao Bundestag pela primeira vez desde o fim da II Guerra, como, para além do mais, se transformava da noite para o dia na terceira força política da Alemanha.
De não conseguir qualquer deputado nas eleições de há quatro anos, a Alternativa para a Alemanha (AfD) passou no domingo para 94 assentos. E fê-lo, além disso, muito à custa do eleitorado tradicional alemão. Se é verdade que a formação nacionalista ganhou bastantes eleitores vindos de pequenos partidos sem representação, também o é que não houve nenhum nome habitual na política alemã que não tivesse perdido pessoas.
E nenhum partido perdeu mais do que os democratas-cristãos da própria chanceler. “Começámos a analisar os eleitores que perdemos, especialmente os que partiram para votar na AfD”, assegurou est segunda-feira Angela Merkel, sobre quem recai agora a responsabilidade de conseguir uma aliança improvável e, muitos temem, impraticável. “Queremos trazê-los de volta para a boa política e responder a alguns dos seus problemas”, disse aos jornalistas.
A chanceler perdeu vencendo e o caminho em frente é incerto. Merkel assegurou esta segunda que não tem pressa em formar uma coligação, deixou a entender que as negociações podem demorar até meses e indicou que, tendo em conta exemplos como a Holanda, em que ainda não há governo passado meio ano das eleições de março, a Alemanha não é o caso mais urgente na Europa.
“Asseguro aos meus parceiros que a Alemanha vai agir responsavelmente nesta fase de transição”, disse a chanceler no tom resignado que usara no domingo e que esta segunda-feira se parecia estender, em tons mais ou menos sérios, a todos os outros líderes políticos alemães. O líder da CSU, o partido irmão de Merkel e uma das formações que perdeu mais para a AfD, no leste do país, tentava esta segunda-feira segurar-se ao cargo de chefe. O líder dos Verdes, por outro lado, um dos dois partidos que pode compor a nova aliança de governo, dizia de manhã que o caminho das negociações será “complicado”. E o dirigente dos Liberais, a terceira roldana da possível coligação Jamaica, avisava que não defenderia a estabilidade “a qualquer preço”.
Schulz era esta segunda um surpreendente caso de otimismo. O seu partido social-democrata teve o pior resultado de sempre e degenerou até para além daquele que fora já o desastroso valor de 2009, caindo no domingo para os 20,6% dos votos. O resultado é considerado um descalabro e, em condições normais, seria o suficiente para exigir a demissão do líder do partido. No entanto, Schulz parece ainda estável na frente da formação de centro-esquerda e se esta segunda-feira ainda mantinha um semblante enegrecido, também demonstrava, como os seus militantes, algum alívio por ter enfim cortado com a CDU de Merkel e decidido regressar às raízes na esquerda. “É evidente que os alemães não queriam que prosseguíssemos a grande coligação”, disse. “O nosso lugar é na oposição.”
Crise nacionalista
Schulz ainda goza de algum benefício da dúvida na liderança social-democrata, como escrevia esta segunda-feira o “Financial Times”. Os dirigentes não se esqueceram que o antigo presidente do Parlamento Europeu esteve no topo das sondagens na primavera e que só assumiu o cargo de líder em março. Esta segunda, aliás, o partido parecia mais ocupado a apontar a nova liderança do seu bloco parlamentar – Schulz escolheu Andrea Nahles, que em breve deixará de ser a ministra do Trabalho – do que propriamente a afiar facas atrás das costas.
Para além do mais, o líder social-democrata só no domingo estreou a sua nova pele de combatente de rua, atirando-se pela primeira vez com seriedade contra Merkel na televisão, dizendo-lhe até, para alguma chacota, que era ela, e não ele, “a verdadeira perdedora”. “Ele deve absolutamente continuar na liderança do partido”, afirmava Michael Czogalla, responsável social-democrata, ao “Financial Times”. E Josef Hansen, amigo de Schulz, assegurava que só há por onde melhorar. “Costumava jogar futebol com o Martin e posso assegurar que ele nunca foi o melhor nos gestos técnicos, mas sempre foi um lutador e um tipo que trabalha no duro.”
A crise, de facto, não estalava esta segunda-feira na sede do SPD, mas, para surpresa de muitos, no edifício daquele que foi o consensual vencedor das eleições de domingo: a AfD.
Na conferência matinal em que se esperava que o partido nacionalistas se regozijasse e divulgasse um plano de combate a um governo instável de Angela Merkel, os nacionalistas entraram em desfalecimento em frente às câmaras. A presidente, Frauke Petry, que na campanha começou a perder para as novas caras do partido, anunciou de surpresa – e ao som de muitas exclamações – que não vai entrar na bancada parlamentar da AfD e que será uma deputada independente no Bundestag.
O gesto foi uma afronta aberta a Alexander Gauland e Alice Weidel, os candidatos mais radicais que emergiram nos últimos meses do desconhecimento e em pouco tempo já parecem comandar a política do partido. “Um partido anárquico pode obter sucesso na oposição, mas não conseguirá convencer os eleitores de que tem uma oferta credível de governo”, disse Petry, uma das vozes mais moderadas da AfD, antes de se levantar da mesa da conferência de imprensa e ignorar o burburinho em que deixou os outros dirigentes.
Com ela partiam esta segunda-feira alguns deputados nacionalistas, mas o partido, que deve apesar de tudo ter dificuldades em construir um bloco coeso com dezenas de deputados, ainda não parece sangrar profusamente. Momentos mais tarde, Weidel acusou Petry de “irresponsabilidade” e exigiu uma demissão que “impeça mais estragos”.