As perversões democráticas


A vitória de Trump não é uma surpresa. É a consagração do que é a realidade americana. 


Em janeiro deste ano publiquei um artigo, intitulado “Trump Power”, alertando para a possibilidade de Trump vencer as primárias republicanas e falando das ilações que retirava (mais ou menos teóricas e ideológicas) pela consequente nomeação para candidato à Casa Branca.

A vitória de Trump não é uma surpresa. É a consagração do que é a realidade americana. Trump vence pela expressão do voto de uma população agastada pela crise e pela degradação das condições de vida que o segundo mandato de Obama não conseguiu erradicar (apesar das melhorias significativas registadas), pela incapacidade da social-democracia, que continua a olhar para o seu umbigo e a justificar com o populismo e a direita radical os desaires eleitorais que tem vindo a registar nos últimos anos. Por fim, a vitória de Trump não é uma surpresa em virtude do sistema eleitoral americano.

Especula-se sobre os perigos da eleição de Trump. O perigo não reside na pessoa, mas sim no que ela representa: um antípoda do perfil político, a personificação do corporativismo económico e financeiro, e (ao contrário do que tem sido dito) não cria mas sim derruba um muro que sempre se tentou manter estável e robusto – o muro que separa o poder económico do poder político. As relações (mais ou menos promíscuas) entre política e setor privado sempre foram assumidas nos EUA, mas sempre foram reguladas na forma como se desenvolviam. Com a eleição de Trump, onde traçamos a linha de separação? Esta é a primeira perversão!

A segunda perversão reside no sistema eleitoral americano. Não é novidade e já deu que falar no passado. O colégio eleitoral permite este tipo de fenómenos. Assim foi com Al Gore e George Bush, e repete-se agora com Trump e Hillary. 
Chega-se à conclusão que o número de votos populares do candidato derrotado supera os do candidato vencedor. É efetivamente uma eleição que respeita a vontade popular?

A terceira e última perversão (e a mais perturbadora) é a obtusidade da social-democracia no mundo e, em concreto, na Europa e nos EUA. Parece definhar escondida atrás do embuste das desculpas injustificadas e no queixume sobre a radicalização da direita e da esquerda populista. Mostra-se incapaz de fazer uma autocrítica séria e vai camuflando as suas incapacidades e fragilidades com os Trumps desta vida. Esta é, para mim, a mais grave de todas e a que pode (a curto prazo) levar-nos para um beco sem saída fácil.

A elite social-democrata de esquerda não alcança nem aceita a vitória de Trump e nem se esforça para a perceber. Não aceita, ponto! Para ela não é simplesmente possível (mesmo em democracia) que gente inculta e vulgar tenha capacidade de ascensão! É um nonsense!

Os responsáveis políticos vão criando cortinas de fumo e justificações elaboradas que assentam em tudo menos nas verdadeiras causas dos desaires: a incapacidade de dar resposta aos problemas sociais e à crise que vai arrastando cada vez mais pessoas para a miséria.

Por cá, na Europa, em negação e totalmente cegos pela arrogância e uma autoproclamada superioridade moral e cultural, vão-se afastando cada vez mais da realidade, dando espaço a fenómenos como o de Le Pen e movimentos híbridos de esquerda radical como o Podemos. 

Preocupantes as perversões democráticas que parecem, cada vez mais, dominar a nossa agenda política. E, como diz sabiamente o povo, o pior cego é aquele que não quer ver.

Escreve à quinta-feira

As perversões democráticas


A vitória de Trump não é uma surpresa. É a consagração do que é a realidade americana. 


Em janeiro deste ano publiquei um artigo, intitulado “Trump Power”, alertando para a possibilidade de Trump vencer as primárias republicanas e falando das ilações que retirava (mais ou menos teóricas e ideológicas) pela consequente nomeação para candidato à Casa Branca.

A vitória de Trump não é uma surpresa. É a consagração do que é a realidade americana. Trump vence pela expressão do voto de uma população agastada pela crise e pela degradação das condições de vida que o segundo mandato de Obama não conseguiu erradicar (apesar das melhorias significativas registadas), pela incapacidade da social-democracia, que continua a olhar para o seu umbigo e a justificar com o populismo e a direita radical os desaires eleitorais que tem vindo a registar nos últimos anos. Por fim, a vitória de Trump não é uma surpresa em virtude do sistema eleitoral americano.

Especula-se sobre os perigos da eleição de Trump. O perigo não reside na pessoa, mas sim no que ela representa: um antípoda do perfil político, a personificação do corporativismo económico e financeiro, e (ao contrário do que tem sido dito) não cria mas sim derruba um muro que sempre se tentou manter estável e robusto – o muro que separa o poder económico do poder político. As relações (mais ou menos promíscuas) entre política e setor privado sempre foram assumidas nos EUA, mas sempre foram reguladas na forma como se desenvolviam. Com a eleição de Trump, onde traçamos a linha de separação? Esta é a primeira perversão!

A segunda perversão reside no sistema eleitoral americano. Não é novidade e já deu que falar no passado. O colégio eleitoral permite este tipo de fenómenos. Assim foi com Al Gore e George Bush, e repete-se agora com Trump e Hillary. 
Chega-se à conclusão que o número de votos populares do candidato derrotado supera os do candidato vencedor. É efetivamente uma eleição que respeita a vontade popular?

A terceira e última perversão (e a mais perturbadora) é a obtusidade da social-democracia no mundo e, em concreto, na Europa e nos EUA. Parece definhar escondida atrás do embuste das desculpas injustificadas e no queixume sobre a radicalização da direita e da esquerda populista. Mostra-se incapaz de fazer uma autocrítica séria e vai camuflando as suas incapacidades e fragilidades com os Trumps desta vida. Esta é, para mim, a mais grave de todas e a que pode (a curto prazo) levar-nos para um beco sem saída fácil.

A elite social-democrata de esquerda não alcança nem aceita a vitória de Trump e nem se esforça para a perceber. Não aceita, ponto! Para ela não é simplesmente possível (mesmo em democracia) que gente inculta e vulgar tenha capacidade de ascensão! É um nonsense!

Os responsáveis políticos vão criando cortinas de fumo e justificações elaboradas que assentam em tudo menos nas verdadeiras causas dos desaires: a incapacidade de dar resposta aos problemas sociais e à crise que vai arrastando cada vez mais pessoas para a miséria.

Por cá, na Europa, em negação e totalmente cegos pela arrogância e uma autoproclamada superioridade moral e cultural, vão-se afastando cada vez mais da realidade, dando espaço a fenómenos como o de Le Pen e movimentos híbridos de esquerda radical como o Podemos. 

Preocupantes as perversões democráticas que parecem, cada vez mais, dominar a nossa agenda política. E, como diz sabiamente o povo, o pior cego é aquele que não quer ver.

Escreve à quinta-feira