Chiça, PNEC!


Num tempo de expletivos, acrónimos, escrita sms e emojis, dêmos um contributo à descoberta marçalina do país abandonado que julga ter posto fim à orfandade política


Cansados, mais uma vez, de uma maioria absoluta, os portugueses, de caneta em punho, decidiram a favor de várias minorias absolutas. Haverá Governo e seremos quase todos contra. Os belgas recordam com saudade uma época feliz, nos anos de 2019 e 2020, em que viveram quase dois anos sem Governo. Os holandeses estão sem Governo desde as eleições 22 de Novembro e tal não impede o Primeiro Ministro demissionário de batalhar por um novo emprego (sounds familiar?) correndo o risco de ser eleito Secretário Geral da NATO enquanto ainda exerce as funções de PM e, generoso, estaria disponível para manter a acumulação. Noutros Estados existe uma burocracia diligente que supre a ausência de Governo (ou a cornucópia de Governos, como em Itália).

Em Portugal contamos com “Bruxelas” para nos governar, com ou sem Governo nacional. E “Bruxelas” faz o melhor que pode, muitas vezes pela mão desse abismo de competência técnica e de legitimidade política que é a Comissão Europeia. Na semana passada desaguou no Jornal Oficial da União Europeia a “recomendação (UE) 2024/597 da Comissão, de 18 de Dezembro de 2023, relativa ao projecto de actualização do plano nacional integrado em matéria de energia e de clima apresentado por Portugal para o período 2021-2030 e à compatibilidade das medidas estabelecidas por Portugal com o objetivo de neutralidade climática da União e com a garantia de progressos em matéria de adaptação” (se conseguir ler em voz alta este “sumário”, sem interrupção para inspirar, está apto para se candidatar à participação nos jogos olímpicos de Paris).

As almas gentis da Comissão terão lido com deleite a Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas 2020 (ENAAC), aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros 56/2015, de 30 de Julho, prorrogada até 31 de Dezembro de 2025 pela RCM 53/2020, de 10 de Julho, que também aprovou o Plano Nacional Energia e Clima 2030 (PNEC 2030) que tenta concretizar até àquele intervalo temporal o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC 2050), aprovado pela RCM 107/2019, de 1 de Julho. No mesmo ano foi aprovado pela RCM 130/2019, de 2 de Agosto, o Programa de Ação para a Adaptação às Alterações Climáticas (P-3AC). A este labor “estratégico-programático” do Governo juntou-se a Assembleia da República que aprovou a Lei 98/2001, de 31 de Dezembro, Lei de Bases do Clima, uma genuína lei-cartaz totalmente dependente de actos legislativos e regulamentares que ainda não viram a luz do dia.

Os programas eleitorais com que os diversos partidos e coligações conseguiram eleger Deputados são uma continuação desta elipse decisória. Nenhum (disclaimer: à semelhança dos 100 051 votantes no ADN, não li o respectivo programa) dá uma resposta a duas questões fundamentais: quanto custa a descarbonização da economia e quem a paga? Não basta referir que a transição deve ser justa sem quantificar os custos e propor uma chave de repartição dos mesmos. A pobreza energética está a aumentar e vai afectar significativamente a concretização das metas (a electrificação automóvel é um luxo a que a maioria dos portugueses, bem mais do que o recém-descoberto milhão de descontentes, não consegue chegar). Algumas das tecnologias associadas às energias renováveis ainda têm custos significativos que implicam apoios públicos, pelo menos temporários (garantias de preço, subsidiação, benefícios fiscais,…), que terão uma expressão em despesa fiscal, custo da electricidade ou em défice tarifário do Sistema Eléctrico Nacional. No mundo ocidental prevê-se, até 2050, uma duplicação dos consumos de electricidade pelo que é preciso planear hoje o abastecimento de amanhã. Com ciclos políticos cada vez mais curtos o planeamento não pode continuar a basear-se em PowerPoints vertidos para RCM’s.

Até 30 de Junho de 2024 a Comissão Europeia pretende que Portugal responda a 23 recomendações para actualização do PNEC. Poupando, copio 4:

               §4 “Prestar especial atenção à gestão das águas, dadas as mudanças nas condições climáticas, devido aos riscos de interrupção do fornecimento de eletricidade, dados os impactos das inundações, temperaturas altas e secas na produção de energia.”

               §6 “Apresentar as trajectórias previstas e um plano a longo prazo para a implantação das tecnologias no domínio das energias renováveis nos próximos 10 anos, com as perspectivas para 2040.”

               §17 “Especificar as reformas e medidas adoptadas para mobilizar os investimentos privados necessários para alcançar as metas em matéria de energia e de clima. Melhorar e alargar a análise das necessidades de investimento de modo a incluir uma panorâmica abrangente e coerente das necessidades de investimento público e privado por setor.”

               §20 “Fornecer informações mais pormenorizadas sobre as consequências sociais, no emprego e nas qualificações, ou sobre quaisquer outros impactos distributivos, da transição climática e energética, bem como sobre os objetivos, políticas e medidas previstos para apoiar uma transição justa.”

Chiça, PNEC!


Num tempo de expletivos, acrónimos, escrita sms e emojis, dêmos um contributo à descoberta marçalina do país abandonado que julga ter posto fim à orfandade política


Cansados, mais uma vez, de uma maioria absoluta, os portugueses, de caneta em punho, decidiram a favor de várias minorias absolutas. Haverá Governo e seremos quase todos contra. Os belgas recordam com saudade uma época feliz, nos anos de 2019 e 2020, em que viveram quase dois anos sem Governo. Os holandeses estão sem Governo desde as eleições 22 de Novembro e tal não impede o Primeiro Ministro demissionário de batalhar por um novo emprego (sounds familiar?) correndo o risco de ser eleito Secretário Geral da NATO enquanto ainda exerce as funções de PM e, generoso, estaria disponível para manter a acumulação. Noutros Estados existe uma burocracia diligente que supre a ausência de Governo (ou a cornucópia de Governos, como em Itália).

Em Portugal contamos com “Bruxelas” para nos governar, com ou sem Governo nacional. E “Bruxelas” faz o melhor que pode, muitas vezes pela mão desse abismo de competência técnica e de legitimidade política que é a Comissão Europeia. Na semana passada desaguou no Jornal Oficial da União Europeia a “recomendação (UE) 2024/597 da Comissão, de 18 de Dezembro de 2023, relativa ao projecto de actualização do plano nacional integrado em matéria de energia e de clima apresentado por Portugal para o período 2021-2030 e à compatibilidade das medidas estabelecidas por Portugal com o objetivo de neutralidade climática da União e com a garantia de progressos em matéria de adaptação” (se conseguir ler em voz alta este “sumário”, sem interrupção para inspirar, está apto para se candidatar à participação nos jogos olímpicos de Paris).

As almas gentis da Comissão terão lido com deleite a Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas 2020 (ENAAC), aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros 56/2015, de 30 de Julho, prorrogada até 31 de Dezembro de 2025 pela RCM 53/2020, de 10 de Julho, que também aprovou o Plano Nacional Energia e Clima 2030 (PNEC 2030) que tenta concretizar até àquele intervalo temporal o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC 2050), aprovado pela RCM 107/2019, de 1 de Julho. No mesmo ano foi aprovado pela RCM 130/2019, de 2 de Agosto, o Programa de Ação para a Adaptação às Alterações Climáticas (P-3AC). A este labor “estratégico-programático” do Governo juntou-se a Assembleia da República que aprovou a Lei 98/2001, de 31 de Dezembro, Lei de Bases do Clima, uma genuína lei-cartaz totalmente dependente de actos legislativos e regulamentares que ainda não viram a luz do dia.

Os programas eleitorais com que os diversos partidos e coligações conseguiram eleger Deputados são uma continuação desta elipse decisória. Nenhum (disclaimer: à semelhança dos 100 051 votantes no ADN, não li o respectivo programa) dá uma resposta a duas questões fundamentais: quanto custa a descarbonização da economia e quem a paga? Não basta referir que a transição deve ser justa sem quantificar os custos e propor uma chave de repartição dos mesmos. A pobreza energética está a aumentar e vai afectar significativamente a concretização das metas (a electrificação automóvel é um luxo a que a maioria dos portugueses, bem mais do que o recém-descoberto milhão de descontentes, não consegue chegar). Algumas das tecnologias associadas às energias renováveis ainda têm custos significativos que implicam apoios públicos, pelo menos temporários (garantias de preço, subsidiação, benefícios fiscais,…), que terão uma expressão em despesa fiscal, custo da electricidade ou em défice tarifário do Sistema Eléctrico Nacional. No mundo ocidental prevê-se, até 2050, uma duplicação dos consumos de electricidade pelo que é preciso planear hoje o abastecimento de amanhã. Com ciclos políticos cada vez mais curtos o planeamento não pode continuar a basear-se em PowerPoints vertidos para RCM’s.

Até 30 de Junho de 2024 a Comissão Europeia pretende que Portugal responda a 23 recomendações para actualização do PNEC. Poupando, copio 4:

               §4 “Prestar especial atenção à gestão das águas, dadas as mudanças nas condições climáticas, devido aos riscos de interrupção do fornecimento de eletricidade, dados os impactos das inundações, temperaturas altas e secas na produção de energia.”

               §6 “Apresentar as trajectórias previstas e um plano a longo prazo para a implantação das tecnologias no domínio das energias renováveis nos próximos 10 anos, com as perspectivas para 2040.”

               §17 “Especificar as reformas e medidas adoptadas para mobilizar os investimentos privados necessários para alcançar as metas em matéria de energia e de clima. Melhorar e alargar a análise das necessidades de investimento de modo a incluir uma panorâmica abrangente e coerente das necessidades de investimento público e privado por setor.”

               §20 “Fornecer informações mais pormenorizadas sobre as consequências sociais, no emprego e nas qualificações, ou sobre quaisquer outros impactos distributivos, da transição climática e energética, bem como sobre os objetivos, políticas e medidas previstos para apoiar uma transição justa.”