“Vende-se” o interior


Não são só as aldeias, são as vilas que emudecem, com tabuletas “vende-se” por todo o lado, que nos fazem pensar que era mesmo uma casinha assim que dava jeito aqui e que não custasse mais de meio milhão. Não sei como mudar o chip e a constatação de que os incentivos têm servido de…


Numa piscina pública de uma freguesia no Pinhal Interior, ouve-se alemão e francês de emigrantes de férias. Estão quase em maioria no grupo que usufrui do investimento. Enquanto aproveito o pequeno paraíso de entrada gratuita na Arega, quando aqui por Lisboa tudo se paga e bem e um fim de semana na piscina da Praia Grande ou Praia das Maçãs custa umas boas dezenas de euros para uma família, não deixo de pensar na discussão sobre o interior. Sabe bem no descanso, muitos regressam já na reforma por temporadas maiores, mas que vai ser de tantas aldeias e lugares cada vez mais vazios no seu quotidiano?

Achei graça ao comentário de alguém que dizia que nem ali os miúdos querem saber dos animais e da terra, que não conhecem os ciclos das colheitas. Poderão tornar-se um dia nómadas digitais. Duvido. É dura a vida e o trabalho no campo, de uma dureza diferente da do lufa-lufa nas cidades, e estamos cada vez mais desligados dele mesmo quando sabe bem metermo-nos horta dentro e vir de lá com batatas, tomates, pepinos, abóboras, etc. – e perceber o quanto pode dar um pequeno bocado de terra, haja quem cuide. Limpezas de terrenos custam centenas de euros e passado pouco tempo voltam a custar. Vem o fogo e desfaz. Que jovem tem centenas de euros para plantar sobreiros ou castanheiros, imagine-se, esperar que cresçam, limpar terrenos, por aí fora? Como se quebra o ciclo? No centro de Alvaiázere, fustigada pelo fogo há pouco tempo, não se via quase ninguém no fim de semana. Não são só as aldeias, são as vilas que emudecem, com tabuletas “vende-se” por todo o lado, que nos fazem pensar que era mesmo uma casinha assim que dava jeito aqui e que não custasse mais de meio milhão. Não sei como mudar o chip e a constatação de que os incentivos têm servido de pouco chega a ser um pouco hipócrita – se fosse assim tão fácil estava o interior cheio de gente – mas interrogo-me sobre o que vai ser do país quando perdermos as últimas gerações ligadas à terra, que sabem como se faz – olhei para uma caixa sem adivinhar que os estranhos pés eram sementes de cebola – os emigrantes que vêm ver os pais. Não temos muito tempo para reinventarmos a nossa relação com o território e não acredito que todas as aldeias fantasma possam ser um dia convertidas em turismos rurais ou comunidades alternativas, muitas ficarão simplesmente vazias. Lá fora, o mundo segue a trote para os oito milhares de milhões. E o que envelhece fica condenado à extinção.

“Vende-se” o interior


Não são só as aldeias, são as vilas que emudecem, com tabuletas “vende-se” por todo o lado, que nos fazem pensar que era mesmo uma casinha assim que dava jeito aqui e que não custasse mais de meio milhão. Não sei como mudar o chip e a constatação de que os incentivos têm servido de…


Numa piscina pública de uma freguesia no Pinhal Interior, ouve-se alemão e francês de emigrantes de férias. Estão quase em maioria no grupo que usufrui do investimento. Enquanto aproveito o pequeno paraíso de entrada gratuita na Arega, quando aqui por Lisboa tudo se paga e bem e um fim de semana na piscina da Praia Grande ou Praia das Maçãs custa umas boas dezenas de euros para uma família, não deixo de pensar na discussão sobre o interior. Sabe bem no descanso, muitos regressam já na reforma por temporadas maiores, mas que vai ser de tantas aldeias e lugares cada vez mais vazios no seu quotidiano?

Achei graça ao comentário de alguém que dizia que nem ali os miúdos querem saber dos animais e da terra, que não conhecem os ciclos das colheitas. Poderão tornar-se um dia nómadas digitais. Duvido. É dura a vida e o trabalho no campo, de uma dureza diferente da do lufa-lufa nas cidades, e estamos cada vez mais desligados dele mesmo quando sabe bem metermo-nos horta dentro e vir de lá com batatas, tomates, pepinos, abóboras, etc. – e perceber o quanto pode dar um pequeno bocado de terra, haja quem cuide. Limpezas de terrenos custam centenas de euros e passado pouco tempo voltam a custar. Vem o fogo e desfaz. Que jovem tem centenas de euros para plantar sobreiros ou castanheiros, imagine-se, esperar que cresçam, limpar terrenos, por aí fora? Como se quebra o ciclo? No centro de Alvaiázere, fustigada pelo fogo há pouco tempo, não se via quase ninguém no fim de semana. Não são só as aldeias, são as vilas que emudecem, com tabuletas “vende-se” por todo o lado, que nos fazem pensar que era mesmo uma casinha assim que dava jeito aqui e que não custasse mais de meio milhão. Não sei como mudar o chip e a constatação de que os incentivos têm servido de pouco chega a ser um pouco hipócrita – se fosse assim tão fácil estava o interior cheio de gente – mas interrogo-me sobre o que vai ser do país quando perdermos as últimas gerações ligadas à terra, que sabem como se faz – olhei para uma caixa sem adivinhar que os estranhos pés eram sementes de cebola – os emigrantes que vêm ver os pais. Não temos muito tempo para reinventarmos a nossa relação com o território e não acredito que todas as aldeias fantasma possam ser um dia convertidas em turismos rurais ou comunidades alternativas, muitas ficarão simplesmente vazias. Lá fora, o mundo segue a trote para os oito milhares de milhões. E o que envelhece fica condenado à extinção.