É hora de levantar a cabeça, e partilhar


Pegando num chavão futebolístico bem conhecido, por trás destas distinções está seguramente um maior número de domingos em que acabei a dizer ‘agora é hora de levantar a cabeça e pensar na próxima semana’ do que jornadas com vitórias categóricas.


Por Leonardo Azevedo, Professor do Instituto Superior Técnico

Nos últimos meses, e quase em simultâneo, tive a felicidade de ser duplamente distinguido pelo trabalho de investigação desenvolvido no Centro de Recursos Naturais e Ambiente (1) (CERENA) do Instituto Superior Técnico durante os últimos sete anos. Estas distinções, atribuídas pelas principais organizações de profissionais em geociências e geofísica de exploração, a EAGE (2) (European Association of Geoscientists and Engineering) e a pela SEG (3) (Society of Exploration Geophysicists), destacam os avanços científicos alcançados neste centro em tópicos relacionados com a criação de modelos computacionais do subsolo através da integração de diferentes disciplinas como a geofísica, a ciência de dados espaciais e a física das rochas. Modelos estes que são críticos na produção e gestão sustentável dos recursos minerais e energéticos do nosso planeta. 

Apesar de atribuídas em nome individual, estas distinções correspondem ao trabalho de investigação desenvolvido em conjunto com estudantes de Mestrado e Doutoramento e com outros investigadores nacionais e internacionais com quem tenho tido a sorte de trabalhar. O caminho que culminou neste reconhecimento é, no entanto, bastante mais sinuoso do que à partida este tipo de prémios pode revelar. Foi neste ponto que, após a excitação do reconhecimento passar, fiquei a refletir durante as últimas semanas.

Se é certo que ninguém celebrará fracassos, na academia o fracasso é frequentemente escondido. Mesmo entre colegas com quem passamos meses, e eventualmente anos, evitamos falar da rejeição, que é transversal e inerente à natureza da nossa profissão. Não mencionamos as propostas de financiamento que não foram aprovadas, mesmo sabendo que as taxas de sucesso dos principais concursos nacionais e europeus estão frequentemente entre os 10% e os 15%.

Não referimos os manuscritos rejeitados e não recomendados para publicação em revistas internacionais, nem as ideias de investigação que foram abandonadas após semanas, meses ou anos de trabalho. Resultados que raramente chegam a ver uma linha escrita sobre eles. Os currículos de docentes e investigadores, incluindo o meu, são um desfile de sucessos onde só há lugar para projetos de investigação com financiamento aprovado ou artigos científicos que acabam publicados e a ver a luz do dia. Se por um lado é esta a norma, a realidade não é monocromática e está cheia de caminhos que terminam a meio. Como tirar partido dos fracassos e no desenvolvimento dos estudantes que orientamos é um desafio.

Normalizar a discussão e a reflexão sobre propostas de projetos, artigos científicos e dos relatórios que suportam a sua rejeição com colegas próximos e com o grupo de investigação com o quem trabalhamos, permitirá aumentar as chances de sucesso de um novo desafio, diminuindo o impacto emocional que a rejeição possa provocar (4). 

Orientar um estudante de Doutoramento é mais que garantir a publicação de artigos científicos e a entrega de uma tese num período razoável de tempo. É também fornecer as ferramentas necessárias para que estes consigam ultrapassar com sucesso os obstáculos e as dificuldades que irão encontrar na sua vida profissional.

Por experiência pessoal, a partilha do processo de escrita e do feedback recebido, tende não só a aumentar a qualidade do trabalho dos estudantes, como também diminui o sentimento de frustração destes quando na presença de dificuldades, ajudando ainda a quebrar barreiras entre orientando e orientador, o que se tem mostrado essencial para ultrapassar os momentos de maior tensão durante o desenvolvimento da tese.

Voltando ao início, e pegando num chavão futebolístico bem conhecido, por trás destas distinções está seguramente um maior número de domingos em que acabei a dizer ‘agora é hora de levantar a cabeça e pensar na próxima semana’ do que jornadas com vitórias categóricas.

1  http://www.cerena.pt/
2 https://eage.org/ 
3 https://seg.org/
4 Boman and Yeo (2020) Exploring and learning from failure in facilitation. International Journal for Academic Development, 25, 19-30.

É hora de levantar a cabeça, e partilhar


Pegando num chavão futebolístico bem conhecido, por trás destas distinções está seguramente um maior número de domingos em que acabei a dizer ‘agora é hora de levantar a cabeça e pensar na próxima semana’ do que jornadas com vitórias categóricas.


Por Leonardo Azevedo, Professor do Instituto Superior Técnico

Nos últimos meses, e quase em simultâneo, tive a felicidade de ser duplamente distinguido pelo trabalho de investigação desenvolvido no Centro de Recursos Naturais e Ambiente (1) (CERENA) do Instituto Superior Técnico durante os últimos sete anos. Estas distinções, atribuídas pelas principais organizações de profissionais em geociências e geofísica de exploração, a EAGE (2) (European Association of Geoscientists and Engineering) e a pela SEG (3) (Society of Exploration Geophysicists), destacam os avanços científicos alcançados neste centro em tópicos relacionados com a criação de modelos computacionais do subsolo através da integração de diferentes disciplinas como a geofísica, a ciência de dados espaciais e a física das rochas. Modelos estes que são críticos na produção e gestão sustentável dos recursos minerais e energéticos do nosso planeta. 

Apesar de atribuídas em nome individual, estas distinções correspondem ao trabalho de investigação desenvolvido em conjunto com estudantes de Mestrado e Doutoramento e com outros investigadores nacionais e internacionais com quem tenho tido a sorte de trabalhar. O caminho que culminou neste reconhecimento é, no entanto, bastante mais sinuoso do que à partida este tipo de prémios pode revelar. Foi neste ponto que, após a excitação do reconhecimento passar, fiquei a refletir durante as últimas semanas.

Se é certo que ninguém celebrará fracassos, na academia o fracasso é frequentemente escondido. Mesmo entre colegas com quem passamos meses, e eventualmente anos, evitamos falar da rejeição, que é transversal e inerente à natureza da nossa profissão. Não mencionamos as propostas de financiamento que não foram aprovadas, mesmo sabendo que as taxas de sucesso dos principais concursos nacionais e europeus estão frequentemente entre os 10% e os 15%.

Não referimos os manuscritos rejeitados e não recomendados para publicação em revistas internacionais, nem as ideias de investigação que foram abandonadas após semanas, meses ou anos de trabalho. Resultados que raramente chegam a ver uma linha escrita sobre eles. Os currículos de docentes e investigadores, incluindo o meu, são um desfile de sucessos onde só há lugar para projetos de investigação com financiamento aprovado ou artigos científicos que acabam publicados e a ver a luz do dia. Se por um lado é esta a norma, a realidade não é monocromática e está cheia de caminhos que terminam a meio. Como tirar partido dos fracassos e no desenvolvimento dos estudantes que orientamos é um desafio.

Normalizar a discussão e a reflexão sobre propostas de projetos, artigos científicos e dos relatórios que suportam a sua rejeição com colegas próximos e com o grupo de investigação com o quem trabalhamos, permitirá aumentar as chances de sucesso de um novo desafio, diminuindo o impacto emocional que a rejeição possa provocar (4). 

Orientar um estudante de Doutoramento é mais que garantir a publicação de artigos científicos e a entrega de uma tese num período razoável de tempo. É também fornecer as ferramentas necessárias para que estes consigam ultrapassar com sucesso os obstáculos e as dificuldades que irão encontrar na sua vida profissional.

Por experiência pessoal, a partilha do processo de escrita e do feedback recebido, tende não só a aumentar a qualidade do trabalho dos estudantes, como também diminui o sentimento de frustração destes quando na presença de dificuldades, ajudando ainda a quebrar barreiras entre orientando e orientador, o que se tem mostrado essencial para ultrapassar os momentos de maior tensão durante o desenvolvimento da tese.

Voltando ao início, e pegando num chavão futebolístico bem conhecido, por trás destas distinções está seguramente um maior número de domingos em que acabei a dizer ‘agora é hora de levantar a cabeça e pensar na próxima semana’ do que jornadas com vitórias categóricas.

1  http://www.cerena.pt/
2 https://eage.org/ 
3 https://seg.org/
4 Boman and Yeo (2020) Exploring and learning from failure in facilitation. International Journal for Academic Development, 25, 19-30.