A violação de dados pessoais de imigrantes


Não é aceitável que os refugiados ucranianos, que se dirigem ao nosso país em busca de acolhimento e protecção contra a brutal guerra de agressão de que são vítimas, não tenham em Portugal a adequada segurança relativa à protecção dos seus dados pessoais, correndo o risco de que os mesmos sejam entregues ao exército inimigo. 


Desde 25 de Maio de 2018 que vigora em Portugal o Regulamento europeu 2016/679, de 27 de Abril, habitualmente designado por Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD). Esse regulamento estabelece condições especialmente exigentes para que os dados pessoais possam ser objecto de tratamento, determinando o seu art. 5º que: a) os dados devem ser objecto de um tratamento lícito, leal e transparente; b) devem ser recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas e não podendo ser tratados posteriormente de uma forma incompatível com essas finalidades; c) devem ser adequados, pertinentes e limitados ao necessário relativamente às finalidades para os quais são tratados. O art. 83º, nº4, do RGPD estabelece que a violação dessas regras é punida com coima até 10 milhões de euros ou em 2% do volume de negócios da empresa, consoante o que for mais elevado.

Há cerca de um ano soube-se que a Câmara Municipal de Lisboa enviava dados pessoais dos organizadores de manifestações às diversas embaixadas em frente das quais eram realizadas essas manifestações, tendo-o feito por 27 vezes em relação à Embaixada da Rússia. Essa prática constituiu uma flagrante violação do RGPD, tendo colocado naturalmente em perigo os activistas russos que participaram nessas manifestações. Por esse motivo, o Município de Lisboa foi sancionado com uma coima de 1,25 milhões de euros.

Perante a guerra que neste momento decorre na Ucrânia, com o seu território invadido por um exército ocupante, em relação ao qual já se colocam graves suspeitas de crimes de guerra, esperar-se-ia a existência de um especial cuidado no tratamento dos dados pessoais dos refugiados ucranianos em Portugal. É preciso não esquecer que se trata de pessoas que fugiram de um conflito armado, os quais muitas vezes deixaram familiares na Ucrânia a combater o exército invasor e que por isso necessitam de protecção especial em Portugal, a qual passa naturalmente pelo sigilo absoluto dos seus dados pessoais. Seria especialmente grave se esses dados pessoais ficassem na posse do Estado invasor, que naturalmente poderia exercer represálias sobre os seus familiares.

É por isso com perplexidade que se soube, através de uma denúncia da Senhora Embaixadora da Ucrânia, que havia associações pró-russas instaladas em Portugal, as quais poderiam estar a receber dados sobre os familiares dos imigrantes que se encontram a combater no exército ucraniano. Na passada sexta-feira, essa denúncia foi confirmada pelo jornal Expresso, que referiu que no gabinete de apoio aos refugiados da Câmara de Setúbal as refugiadas ucranianas são recebidas por russos, que lhes falam em russo, e que lhes perguntam pelos maridos, e o que ficaram a fazer na Ucrânia. Mas, para além disso, ainda lhes são fotocopiados documentos, como os passaportes e as certidões das crianças.

Essa situação, a ter efectivamente ocorrido, possui uma gravidade extrema. Não é aceitável que os refugiados ucranianos, que se dirigem ao nosso país em busca de acolhimento e protecção contra a brutal guerra de agressão de que são vítimas, não tenham em Portugal a adequada segurança relativa à protecção dos seus dados pessoais, correndo o risco de que os mesmos sejam entregues ao exército inimigo. E muito menos é aceitável que haja autarquias a recorrer a entidades externas suspeitas de ligações à Rússia para apoiar os migrantes que se encontram no seu município.

Em qualquer caso, o silêncio do Governo sobre este assunto é absolutamente ensurdecedor. Está em causa a responsabilidade internacional do Estado Português pela forma como acolhe no seu território os refugiados de um conflito armado, no quadro das obrigações que decorrem da Convenção das Nações Unidas de 1951, relativa ao Estatuto dos Refugiados. Esperar-se-ia por isso que fossem prestadas as adequadas explicações sobre este assunto, não apenas ao Estado Ucraniano e aos seus cidadãos, mas também a todos os Portugueses que fazem questão de que Portugal permaneça um lugar seguro de acolhimento para todos os imigrantes que estamos presentemente a receber.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção 
das regras do acordo ortográfico de 1990

A violação de dados pessoais de imigrantes


Não é aceitável que os refugiados ucranianos, que se dirigem ao nosso país em busca de acolhimento e protecção contra a brutal guerra de agressão de que são vítimas, não tenham em Portugal a adequada segurança relativa à protecção dos seus dados pessoais, correndo o risco de que os mesmos sejam entregues ao exército inimigo. 


Desde 25 de Maio de 2018 que vigora em Portugal o Regulamento europeu 2016/679, de 27 de Abril, habitualmente designado por Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD). Esse regulamento estabelece condições especialmente exigentes para que os dados pessoais possam ser objecto de tratamento, determinando o seu art. 5º que: a) os dados devem ser objecto de um tratamento lícito, leal e transparente; b) devem ser recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas e não podendo ser tratados posteriormente de uma forma incompatível com essas finalidades; c) devem ser adequados, pertinentes e limitados ao necessário relativamente às finalidades para os quais são tratados. O art. 83º, nº4, do RGPD estabelece que a violação dessas regras é punida com coima até 10 milhões de euros ou em 2% do volume de negócios da empresa, consoante o que for mais elevado.

Há cerca de um ano soube-se que a Câmara Municipal de Lisboa enviava dados pessoais dos organizadores de manifestações às diversas embaixadas em frente das quais eram realizadas essas manifestações, tendo-o feito por 27 vezes em relação à Embaixada da Rússia. Essa prática constituiu uma flagrante violação do RGPD, tendo colocado naturalmente em perigo os activistas russos que participaram nessas manifestações. Por esse motivo, o Município de Lisboa foi sancionado com uma coima de 1,25 milhões de euros.

Perante a guerra que neste momento decorre na Ucrânia, com o seu território invadido por um exército ocupante, em relação ao qual já se colocam graves suspeitas de crimes de guerra, esperar-se-ia a existência de um especial cuidado no tratamento dos dados pessoais dos refugiados ucranianos em Portugal. É preciso não esquecer que se trata de pessoas que fugiram de um conflito armado, os quais muitas vezes deixaram familiares na Ucrânia a combater o exército invasor e que por isso necessitam de protecção especial em Portugal, a qual passa naturalmente pelo sigilo absoluto dos seus dados pessoais. Seria especialmente grave se esses dados pessoais ficassem na posse do Estado invasor, que naturalmente poderia exercer represálias sobre os seus familiares.

É por isso com perplexidade que se soube, através de uma denúncia da Senhora Embaixadora da Ucrânia, que havia associações pró-russas instaladas em Portugal, as quais poderiam estar a receber dados sobre os familiares dos imigrantes que se encontram a combater no exército ucraniano. Na passada sexta-feira, essa denúncia foi confirmada pelo jornal Expresso, que referiu que no gabinete de apoio aos refugiados da Câmara de Setúbal as refugiadas ucranianas são recebidas por russos, que lhes falam em russo, e que lhes perguntam pelos maridos, e o que ficaram a fazer na Ucrânia. Mas, para além disso, ainda lhes são fotocopiados documentos, como os passaportes e as certidões das crianças.

Essa situação, a ter efectivamente ocorrido, possui uma gravidade extrema. Não é aceitável que os refugiados ucranianos, que se dirigem ao nosso país em busca de acolhimento e protecção contra a brutal guerra de agressão de que são vítimas, não tenham em Portugal a adequada segurança relativa à protecção dos seus dados pessoais, correndo o risco de que os mesmos sejam entregues ao exército inimigo. E muito menos é aceitável que haja autarquias a recorrer a entidades externas suspeitas de ligações à Rússia para apoiar os migrantes que se encontram no seu município.

Em qualquer caso, o silêncio do Governo sobre este assunto é absolutamente ensurdecedor. Está em causa a responsabilidade internacional do Estado Português pela forma como acolhe no seu território os refugiados de um conflito armado, no quadro das obrigações que decorrem da Convenção das Nações Unidas de 1951, relativa ao Estatuto dos Refugiados. Esperar-se-ia por isso que fossem prestadas as adequadas explicações sobre este assunto, não apenas ao Estado Ucraniano e aos seus cidadãos, mas também a todos os Portugueses que fazem questão de que Portugal permaneça um lugar seguro de acolhimento para todos os imigrantes que estamos presentemente a receber.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção 
das regras do acordo ortográfico de 1990