Carta dos Direitos Digitais. Parlamento vai hoje discutir “artigo aberrante”

Carta dos Direitos Digitais. Parlamento vai hoje discutir “artigo aberrante”


Pelo menos PCP, CDS-PP e IL unem-se contra o Artigo 6º. PAN e PS querem mantê-lo, mas esclarecê-lo.


O Parlamento debate esta terça-feira a revogação do Artigo 6º da Carta de Direitos Fundamentais na Era Digital, que ficou conhecida por poder fomentar uma eventual “censura” no espaço online. O debate foi agendado pela Iniciativa Liberal, que – tal como o CDS – apresentou uma proposta para a revogação do artigo na íntegra. O PS, por sua vez, levará à discussão um diploma que “desenvolve” e solidifica teoricamente os termos do mesmo artigo. Por fim, o PAN submeteu uma ‘proposta relâmpago’ que pretende “clarificar as questões geradas” pelo artigo, alinhando-se com o PS na sua continuidade.

Só com o apoio do PSD – que não respondeu ao contacto do i – a lei poderá ser revogada. A favor da revogação estão a IL, o CDS e o PCP – que, ao i, garantiu votar a favor dos diplomas da direita e contra o dos socialistas. Já o PEV, também ao i, admitiu votar pelo menos contra a proposta do CDS. O PS e o PAN, por sua vez, estão contra as duas. Resta saber o sentido de voto do Chega, Bloco de Esquerda e deputadas não inscritas. Recorde-se que a lei foi aprovada no Parlamento a 8 de abril, sem votos contra e com as abstenções do CHEGA, IL, PCP e PEV.

No documento que vai a debate, a Iniciativa Liberal – não obstante saudar “a vontade de alargar os direitos e liberdades das pessoas aos meios digitais” – considera o artigo 6º uma “disposição aberrante que promove ativamente mecanismos censórios”.

Segundo os liberais, o Plano de Ação contra a Desinformação da União Europeia, apesar de importante, é “um tema de segurança nacional, da resiliência das instituições democráticas, civis e sociais do país” e, por isso, um documento que legisle sobre o assunto não deve nunca “debruçar-se sobre direitos individuais”.

Nas enumerações do “Problema”, consideram ainda que o artigo “define desinformação de forma laxa”, “abre o caminho para a censura sistematizada de conteúdos políticos legítimos, agride princípios básicos da democracia liberal, e destrata direitos, liberdades e garantias reconhecidos pela nossa Constituição a todos os indivíduos”. Consideram ainda que “o poder de definir o que é ‘verdade’ em política; de colar carimbos de ‘falso’ ou ‘errado’ a opinião política inconveniente, ou que não possa ser comprovadamente verdadeira; e de agir para suprimir discurso político não conforme, ou mesmo de calar pessoas” constitui “uma linha vermelha inaceitável”.

Por o “Estado não poder ter o poder de censura” através de “um mecanismo de filtragem do que se publica online” e por a “censura digital não pertencer a uma Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital”, o projeto liberal “retira do documentos os mecanismos de censura política”, ou seja, o artigo 6º na sua totalidade. Terminam explicando que este artigo se afigura como o primeiro passo para a criação de um “Ministério da Verdade”, e que tal “não pode passar”, pois o “poder político” não pode “tolher a liberdade de expressão (…) essencial para a saúde do sistema democrático”.

Na barricada contrária, Nelson Silva considera que toda esta argumentação não passa de uma procura “em fazer títulos de jornais”. Contactado pelo i, o deputado do PAN – partido que propôs a lei ao lado o PS – explica que “se o IL estivesse realmente preocupado com a questão da suposta censura, teria apresentado propostas próprias no processo de discussão na especialidade e não o fez”. O deputado diz não compreender “que se fale em censura” e que tal crítica lhe “dá a sensação de que estamos numa lógica de mundo ao contrário”. Depois, argumenta: “como se pode falar em censura num diploma que, pela primeira vez, afirma que em ambiente digital os cidadãos têm o direito à livre criação intelectual, artística, científica e técnica, direito de reunião, manifestação, associação e participação, direito a utilizar os meios digitais para a organização e divulgação de ações cívicas?”. Nelson Sousa garante ainda não compreender que se fale em censura “quando a própria carta fala expressamente no direito de os cidadãos exprimirem e divulgarem o seu pensamento, opiniões e informações sem qualquer tipo ou forma de censura”, sublinhando que qualquer aplicação da lei que se traduza em censura “será violadora desta [carta] e poderá ser sancionada por via judicial”. Admitindo que estará “atento a que as garantias de liberdade de expressão e de proteção contra a censura não sejam postas em causa”, ressalva que, a seu ver, “estas já estão expressamente asseguradas na carta”.

Ainda assim, o PAN declara que a proposta que hoje apresenta reforça as garantias dos cidadãos e faz uma clarificação que, “pelas questões geradas”, o partido como “absolutamente necessária”.