Não é hora de abanões


Discutiu-se a app StayAway Covid e a proposta ligeira com que se pretende introduzir a sua obrigatoriedade – oferecer-se-ia a vantagem no rastreio a quem tem smartphones evoluídos?


Tenho uma enorme consideração por todas as pessoas com responsabilidades nacionais no momento que o país atravessa, mas os últimos dias foram constrangedores. O primeiro-ministro declarou na quarta-feira que a pandemia está com uma evolução grave. Fê-lo com atraso, mas o aviso soou. O que se passou desde então? Foi um abanão, disse António Costa, desvalorizando o alerta. Discutiu-se a app StayAway Covid e a proposta ligeira com que se pretende introduzir a sua obrigatoriedade – oferecer-se-ia a vantagem no rastreio a quem tem smartphones evoluídos? Discussões éticas à parte, nesta altura do campeonato, a app pouco efeito terá na contenção da pandemia no imediato: o alerta do telefone é só o início da sua utilidade; tem de haver um contacto, um conselho, uma avaliação de risco, uma justificação para a pessoa não ir ao trabalho. Tem havido dificuldades e demoras na saúde pública e médicos de família, insuficientes, mesmo sem milhares de portugueses a ter códigos. Como se responderia ao uso maciço? 

O desafio que se pode colocar nos próximos tempos, pelo menos em algumas zonas do país, é as pessoas, perante os seus sintomas e contactos de risco, não tendo uma avaliação imediata, 100 euros para fazer um teste nem uma requisição, saberem quem contactar, o que fazer, ficarem em casa mesmo se não estiverem declaradamente em isolamento profilático. E terem justificação para tal.

O pedido já foi feito este fim de semana em três concelhos do Norte, num alerta “urgente” à população. Nada foi dito por nenhum responsável do ministério e, no mesmo dia em que a população destes concelhos se confrontou com este aviso, o Presidente da República deixou transparecer otimismo por os números de sábado não serem tão altos e por se apontaram reuniões para as próximas semanas, como se o problema estivesse longe.

Na Alemanha, país rico que pode dar-se ao luxo de transmitir expetativas reais à população, Angela Merkel pediu às pessoas para ficarem em casa sempre que possível (indo trabalhar, fazendo a sua vida, etc.). Lá, talvez se possa chamar abanão: ontem estava com uma incidência de casos a 14 dias de 75,6 por 100 mil habitantes. Portugal chegou aos 192,7. A Alemanha tem seis vezes capacidade para internar doentes com cuidados intensivos (os covid e os outros). 

Há outros países agora duas a três vezes pior em termos de incidência, o que não nos diz que estamos bem, mas para onde podemos caminhar. Isto com a população cada vez mais dividida, inundada de teorias de que são tudo falsos positivos. Deixo só um dado para uma discussão que se tornou surda: o ano passado, de outubro a janeiro, as unidades de cuidados intensivos do país reportaram 23 casos de doentes internados com gripe. Ontem, só no São João, estavam internados com covid-19 mais de 20 doentes, o dobro face a há uma semana. Por mais testes que se façam, não aumentam os doentes em UCI com falsos positivos, mas porque o vírus se espalha e chega a mais pessoas a quem causa doença grave e que vão precisar de cuidados de saúde diferenciados, que não são infinitos em nenhum país e que temos de garantir que chegam para serem distribuídos ao máximo. Num terreno tão escorregadio, não são precisos abanões, mas firmeza. 

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