Pré-escolar. Um regresso cheio de ‘abraços apertadinhos’

Pré-escolar. Um regresso cheio de ‘abraços apertadinhos’


As regras da DGS cumprem-se à risca, mas os afetos não podem ser afastados. A felicidade de um abraço marcou o regresso à escola das crianças entre os três e os seis anos. Ainda assim, nem todos fizeram os testes de despiste, ao contrário do que aconteceu no regresso às creches.


Há gestos que não mudam e afetos que não desapareceram em pouco mais de dois meses de confinamento. A pandemia pede afastamento, mas as crianças querem abraços. E ontem foram mesmo os mais novos a ganhar a luta do distanciamento – o regresso do ensino pré-escolar ficou marcado pelo abraço à educadora, à auxiliar e ao amigo que não viam desde março. “Isso foi inevitável, claro que deram logo um abraço a cada uma”, confessou Sofia Pires, educadora de infância na Casa Sarah Beirão, no concelho de Oliveira do Hospital.

O cenário multiplicou-se pelo resto do país e ninguém negou colo ou abraço às crianças. “Nós percebemos e respeitamos todas as orientações da DGS, mas temos de respeitar também as crianças, não podemos dizer que não pode abraçar o colega, não podemos limitar a criança”, reforçou Carla Pinto Silva, da creche Sempre em Flor, em Mem Martins. Nem todos regressaram à escola, alguns ainda ficaram em casa com os pais e a maioria dos estabelecimentos de ensino pré-escolar tiveram uma taxa de ocupação que não foi além dos 50%. Na Casa do Cuco, no Porto, o “abraço apertadinho” também marcou o regresso das atividades letivas. “Aconteceu e tem de acontecer”, admitiu ao i Sandra Guimarães, diretora pedagógica do colégio.

E desengane-se quem pensa que os mais novos não percebem que é preciso seguir regras e que a saúde está em risco se essas mesmas regras não forem cumpridas. “A Leonor estava a contar há pouco que tinha de ralhar com a mãe, porque a mãe tocou numa campainha que não era para tocar”, disse Sofia Pires, acrescentando que as crianças do pré-escolar “adaptam-se muito bem e aceitam as novas regras com normalidade”.

Enquanto a educadora contava a história, Sara, antes de arrumar um puzzle com o qual tinha brincado, pediu que fosse desinfetado para o poder colocar no armário. É só o primeiro dia, mas aquela não era a primeira vez que Sara pedia para alguém desinfetar um objeto que tivesse utilizado. E, durante a manhã, não foi preciso repetir mais do que duas vezes as regras para que todos entendessem. “Andámos lá fora e explicámos quais eram os percursos limpos – o sítio por onde os pais passam são higienizados e os miúdos só podem passar depois, porque só podem passar em percursos limpos. E eles perceberam logo. A realidade já os preparou – sobretudo aos mais velhos, os mais novos vão por arrasto –, porque eles são bombardeados com muita informação”, acrescentou Sofia Pires.

No Porto, as crianças “questionaram o porquê de seguirem as setas que estão no chão”, explicou Sandra Guimarães. A resposta foi dada – é preciso andar nas tais zonas limpas – e a informação foi rapidamente assimilada. Apesar do nervosismo, transversal em todas as instituições, este primeiro dia – a que muitos podem chamar teste – superou as expectativas e, quando comparado com o regresso das creches, no mês de maio, este fica marcado pela postura mais tranquila dos pais.

 

Como é que é o bicho?

“É preciso usar máscara por causa dos coravírus”, diz uma das crianças da creche Sarah Beirão. A pronúncia pode não ser a mais correta, mas a ideia está lá. E o desenho que fazem do vírus também está bem presente: “É um bicho preto, feio, pequeno e anda no céu” – esta é a definição geral que a maioria das crianças entre os três e os seis anos fazem do novo coronavírus. Outros garantem à educadora Sofia que já o viram: “Eu já o vi, é preto, amarelo e muito assustador”.

Este bicho assustador veio trazer uma nova realidade e obrigar as instituições a mostrar as suas capacidades de adaptação: O percurso de entrada é diferente do percurso de saída, todos – incluindo crianças, educadoras e auxiliares – têm de trocar de roupa e de calçado, os brinquedos ficam em casa, tudo tem de ser desinfetado, as mesas devem estar com uma distância considerável e os diferentes grupos não devem cruzar-se.

Sobre o momento certo para regressar, Artur Abreu, da direção do Agrupamento de Escolas de Oliveira do Hospital, explicou ao i que “talvez devessem ter esperado menos”. “É sempre questionável até que ponto estas quatro semanas são produtivas e são uma mais-valia. No fundo são apenas quatro semanas, ficámos um bocado numa terra de ninguém, porque não dá para preparar todo aquele trabalho que é suposto desenvolver ao longo de um período completo. É bom o regresso, a escola autojustifica a sua existência com a presença dos alunos, neste caso das crianças. Mas ao mesmo tempo não se aplica a planificação que é feita para todo um período. Há, de facto, um regresso, mas são 18 dias úteis”, acrescentou. O alinhamento pedagógico no ensino pré-escolar termina no final de junho, ainda que as crianças continuem as atividades, ficando com o pessoal auxiliar.

 

Testes não chegaram a todos

Ao contrário daquilo que aconteceu com as creches, na preparação do regresso ao pré-escolar, os educadores e o pessoal auxiliar não foram todos testados. O alerta já tinha sido dado, aliás, pela Fenprof, que denunciou a falta de testes, à semelhança da situação dos professores do ensino secundário que regressaram à escola para lecionar as disciplinas de exame – também não foram testados.

Ana Raposo, diretora do pré-escolar A Escolinha, em Lisboa, explicou que entrou em contacto com a delegada de saúde da região, tendo sido informada de que foi enviado um e-mail para a Segurança Social. “Nunca obtivemos resposta. Já tentámos entrar em contacto novamente, mas nunca fomos informados de nada, nem chamados para fazer os testes”, explicou. No entanto, há que sublinhar que as creches e o pré-escolar são tutelados por ministérios distintos – de um lado, as creches estão sob a alçada do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, e do outro lado, o pré-escolar e todos os restantes anos de ensino, orientados pelo Ministério da Educação. Também o colégio A Creche Sempre em Flor, em Mem-Martins, enviou os dados dos colaboradores à Segurança Social, mas até à data de abertura do pré-escolar, não foi contactado. “Como se estava a aproximar a data, avançámos com os testes de despiste, também para tranquilizar os pais, que ficaram muito mais descansados”, explicou Carla Pinto Silva. Já em Oliveira do Hospital, foi o município quem decidiu avançar com os testes aos profissionais do ensino pré-primário.