Ensino superior à distância

Ensino superior à distância


A transição para o ensino à distância aconteceu. Não estávamos preparados, partimos à descoberta, errámos, experimentámos, aprendemos uns com os outros, e o que conseguimos é surpreendente.


Há cerca de dois meses que o ensino à distância passou a ser a norma. Foi uma transformação em tempo recorde quer ao nível do ensino, quer ao nível das provas académicas e dos procedimentos administrativos – uma impossibilidade para alguns, mas uma realidade para todos, e de onde poderemos tirar muitas lições para o futuro. Voltaremos a ter, com certeza, estudantes nos campi muito em breve, mas também é verdade que nada voltará a ser como antes.

Estamos agora em plena fase de desconfinamento. No entanto, não é possível retomar o ensino presencial este ano letivo. Os estudantes voltaram a casa, muitos para fora do país, e o regresso é, para a maioria, impossível no imediato. O ensino à distância, assim como a avaliação à distância, será uma inevitabilidade.

A transição para o ensino à distância aconteceu. Não estávamos preparados, partimos à descoberta, errámos, experimentámos, aprendemos uns com os outros, e o que conseguimos é surpreendente. Mas devemos medir os nossos sucessos, e ainda mais os nossos insucessos. O ensino à distância é uma experiência completamente diferente para estudantes e professores. As aulas, os materiais de apoio e as ferramentas utilizadas implicam preparação e tempo, que não tivemos. E existem atividades que não foram de todo possíveis de realizar, nomeadamente as de natureza experimental. Temos ainda muito que modificar, adaptar, experimentar e trabalhar. Mas aprendemos muito, e o que aprendemos vai certamente ter um impacto enorme no ensino.

Os desenvolvimentos tecnológicos e as transformações sociais dos últimos anos, agora catalisadas pela atual pandemia, têm vindo a colocar enormes desafios a nível da educação. A estes desafios juntam-se a competitividade internacional e a globalização da educação. O ensino à distância é uma realidade, e vai ser explorado e oferecido pelas grandes escolas, muito provavelmente adotando regimes mistos de ensino presencial e à distância. Diria mesmo que estamos a viver uma revolução no ensino. A competição será feroz. É urgente, é inevitável rever os modelos de ensino e as práticas pedagógicas, mostrar diferenciação e criar valor para os estudantes.

A aferição e avaliação de conhecimentos – para a maioria, os exames – é um dos principais pontos de discórdia. Com a aproximação da época de exames, a procura por sistemas que permitam replicar exames tradicionais à distância é incessante – desde vigilância com som e imagem, com exames realizados em sessões de videoconferência, a sistemas intrusivos que bloqueiam os computadores dos estudantes. Existem mesmo aqueles que defendem que é impossível realizar exames à distância, que, na melhor das hipóteses, pode decidir-se apenas se um estudante passa ou não passa. Aliás, esta foi a decisão tomada por escolas bem conhecidas para terminar este ano letivo, e quiçá para o próximo semestre. Tendo a concordar que replicar exames tradicionais num cenário à distância é impossível, por várias razões.

No final do seu percurso académico, um estudante tem de estar preparado para resolver problemas novos, para pensar fora da caixa. E isso dificilmente é avaliado por exames. Não é assim tão infrequente que não sejam aqueles com maior sucesso em exames a destacarem-se profissionalmente. Isto deve dizer-nos alguma coisa.

Na realidade, deveríamos falar antes em avaliação de competências. E isso não se avalia propriamente por exame. A forma como todos resolvemos problemas não é assim tão diferente. Perante um problema, a primeira coisa que todos fazemos, mesmo que inconscientemente, é reduzir esse problema a outro que conhecemos. Nós resolvemos problemas essencialmente com base na experiência adquirida, no treino. E hoje em dia, com o apoio da tecnologia e da enorme quantidade de informação e conhecimento à distância de um clique, um exame fechado é, portanto, uma fraca aproximação.

Já dizia um excelente professor com quem tive a oportunidade de aprender. “O exame? É com consulta. Tragam o que e quem quiserem, até o pai, o tio e o canário”. E acreditem, se não estivéssemos preparados, se não estivéssemos treinados, era indiferente virmos carregados ou de mãos a abanar.

A exposição contínua a novos problemas e a avaliação contínua de competências são, provavelmente, a melhor e única abordagem realista num cenário de ensino à distância. E não conseguir resolver um novo problema não é sinal de fraqueza. Devemos focar antes o caminho e as abordagens seguidas para atacar o problema. Deveríamos perguntar a um estudante que acabou os seus estudos que problemas tentou resolver e como, em que projetos esteve envolvido, em vez de perguntar que exames fez. Mas esta é,, em muitos casos uma transformação radical nas práticas pedagógicas que vai levar o seu tempo.

Tenhamos esperança que a transformação em curso nos leve lá.

 

Vice-presidente para os Assuntos Académicos
Professor do Departamento de Engenharia Informática
Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa