Art Basel.  Cattelan, uma banana e um artista “com fome”

Art Basel. Cattelan, uma banana e um artista “com fome”


A obra de Maurizio Cattelan que se transformou no centro das atenções na Art Basel de Miami – uma banana comprada num mercado local afixada na parede com fita isoladora – foi objeto de intervenção de um outro artista. Ao terceiro dia de feira, David Datuna decidiu comê-la, no que disse ser uma performance intitulada…


“Art Basel goes bananas”, titularam o Financial Times e a Vanity Fair; “Banana Splits”, gracejou o New York Times, num título que continuava com “Spoiled by Its Own Success”. Há 15 anos que o italiano Maurizio Cattelan não participava numa feita de arte. Para assinalar o seu regresso, na Art Basel de Miami, produziu uma peça certamente mais discreta do que a sanita em ouro a que chamou America e em 2016 instalou numa das casas de banho do Guggenheim, para uso público – a sanita que no ano seguinte o museu de Nova Iorque decidiu enviar para a Casa Branca de Trump como resposta a um pedido de empréstimo de Paisagem com Neve, de Van Gogh (avaliada em seis milhões, America continua de resto desaparecida, depois de ter sido roubada do Blenheim Palace, em Inglaterra, ao qual tinha sido emprestada depois). À Art Basel de Miami Cattelan chegou com uma banana. Não uma banana qualquer, uma banana comprada num mercado local, que afixou numa parede com um pedaço de fita isoladora prateada. Chamou-lhe Comedian.

Transformada em atração-mor de Instagram da edição da feira que ontem terminou no Miami Beach Convention Center, a obra de Cattelan não demorou a virar vítima do seu próprio sucesso: ao terceiro dia de feira, a obra deu uma outra obra – uma performance – de David Datuna que, também para a História, ficará como o artista que comeu a obra de Cattelan num gesto que nem a tentativa de repreensão por parte dos responsáveis da Perrotin, a galeria de Paris que representa o artista italiano, conseguiu evitar. “Está a brincar?”, perguntou Peggy Lebeouf, diretora executiva da galeria ao artista nova-iorquino quando era já demasiado tarde. “Não”, respondeu. Artista com fome, assim chamou à sua performance, foi registado pelo próprio, numa série de três vídeos que partilhou no Instagram.

Banana para 120 mil dólares Não que a Perrotin não estivesse prevenida: no lugar da banana original, foi colocada uma nova. Ao ArtNet tinha já explicado o que fazia dessa banana a mesma obra de arte que Datuna engoliu, e impedia, na lógica do readymade, qualquer uma outra fixada a uma parede com um pedaço de fita de o ser: “Sem o certificado de autenticidade do artista, passa a ser apenas uma banana”.

Uma banana certificada, então, que entretanto tinha já sido vendida por 120 mil dólares (108 mil euros). De Comedian, obra com que o artista pretendeu representar o “comércio global”, o artista produziu três exemplares, com fita isoladora e bananas locais: o primeiro foi vendido ainda antes da performance de Datuna, a uma mulher francesa por 120 mil dólares e o segundo pelo mesmo valor a um homem também francês. Entretanto, o interesse manifestado por vários museus no terceiro (e último) exemplar da peça elevou o seu preço para os 150 mil dólares (136 mil euros).

Mas vamos mais atrás, à história de Comedian, o título da obra que ficará provavelmente para a História da Arte como a “banana de Cattelan”, contada pela galeria que representa no comunicado de que se muniu para justificar a banana presa a uma parede branca com fita isoladora: “De cada vez que Cattelan viajava, comprava uma banana e pendurava-a no seu quarto de hotel em busca de inspiração”. Para a produção de Comedian, segundo a galeria, o artista terá feito várias experiências: “Primeiro em resina, depois em bronze e ainda em bronze pintado [antes] de finalmente voltar à ideia inicial de uma banana real”. A mesma história foi contada pelo próprio artista ao ArtNet: “No final, um dia acordei e disse ‘é suposto a banana ser uma banana’”.

De gestos provocatórios, está a obra de Maurizio Cattelan repleta. Em 1996, por exemplo, numa obra que intitulou de Another Fucking Readymade para uma exposição no De Appel, em Amesterdão, varreu da Bloom Galery todo o seu conteúdo (não apenas obras, também computadores e todo o material), que apresentou como seu no De Appel.

Readymades para a História No caso de Comedian, a banana, apesar do certificado de autenticidade de que se faz acompanhar a sua venda, não existem instruções conhecidas para a manutenção, mais complexa do que noutras das mais icónicas obras readymade que ficaram para a história.

Mais complexa do que em casos como o de Merda d’Artista, a obra de 1961 de Piero Manzoni sobre a qual circulam uma série de rumores. Um deles contando que várias das latas da série de 90 que o artista italiano produziu em 1961 acabaram por explodir com o tempo, devido aos gases contidos. Segundo um outro, iniciado por Agostino Bonalumi, amigo de Manzoni, as latas que, numeradas, inicialmente custavam 37 dólares (o equivalente ao seu peso em ouro à época) continham não fezes do artista mas gesso. Como Cattelan, também Manzoni teve a sua história para Merda d’Artista: terá sido o seu pai, proprietário de uma fábrica de latas, que lhe disse “o teu trabalho é uma merda”. De uma forma ou de outra, a atenção que geraram levou-as a valores que fazem o valor pelo qual as três edições de Comedian foram vendidas parecer razoável: o recorde foi batido por um exemplar leiloado em 2016 em Milão por 275 mil euros.

Nada que se compare, ainda assim, ao valor atingido por uma versão do símbolo máximo dos readymades (e ícone do Dadaísmo): Fonte, o “urinol” com que em 1917 Marcel Duchamp deixou um marco na História da Arte. Esse mesmo argumento utilizou o empresário grego Dimitris Daskalopoulos, que vê nessa peça “a origem da arte contemporânea”, que em 1999 comprou em leilão a Arturo Schwarz, não o original perdido (calcula-se que poderá ter sido deitado fora ao ser confundido com lixo), uma versão, de Fonte por 1,76 milhões de dólares (1,59 milhões de euros) num leilão na Sotheby’s. Na época, foi o valor mais alto atingido em leilão por uma peça de Duchamp, dez anos depois largamente batido por Belle Haleine – Eau De Voilette, um readymade de um frasco de perfume na caixa datado de 1921, então leiloado, segundo as notícias da época, por 11,4 milhões de dólares (10,3 milhões de euros). Um readymade ainda assim menos perecível do que uma banana.