É cada vez mais evidente que é necessário responder aos desafios colocados pelas alterações climáticas com mudanças muito mais profundas do que aquelas que os cidadãos podem protagonizar individualmente. A produção de energia limpa é um aspecto central nesta resposta e a fusão nuclear é uma das chaves para uma mudança global que acelere a “descarbonização” da sociedade contemporânea.
Como afirmava o presidente do Instituto Superior Técnico na abertura do Ano Académico da ULisboa, será com base na ciência e na tecnologia que conseguiremos responder ao desafio das alterações climáticas. O progresso da nossa sociedade tem sido sustentado pelo aumento no consumo de energia. Para manter o nível de vida actual nos países ocidentais e criar as condições para que outros países também acedam a esses padrões, é fundamental produzir energia de forma limpa. Mesmo reconhecendo o papel que as energias renováveis desempenham, as mudanças qualitativas necessárias para responder às alterações climáticas necessitam de produção de energia limpa e com emissões de CO2 nulas numa escala muito mais abrangente e acelerada que só a fusão nuclear pode proporcionar.
Na fusão nuclear, dois núcleos leves, como por exemplo núcleos do átomo de hidrogénio ou de seus isótopos, fundem-se para formar um único núcleo de um elemento químico de número atómico mais elevado mas ligeiramente mais leve do que a soma da massa dois núcleos de partida. A energia libertada, que obedece à famosa fórmula de Einstein E = mc2, é imensa, e representa o caminho mais directo para uma fonte praticamente inesgotável de energia, porque o combustível pode ser extraído da água, compatível com os mais exigentes padrões ambientais e de segurança.
Sabemos que a fusão nuclear funciona: o Sol é uma gigantesca demonstração experimental da produção de energia por fusão. Toda a energia produzida na Terra é um produto indirecto da energia produzida no Sol por fusão nuclear, excepto a fissão nuclear que recorre aos elementos químicos mais pesados que foram produzidos em violentas explosões de supernovas ou colisões de estrelas de neutrões ou buracos negros.
Na conferência “Atoms for Peace” em Genebra em Setembro de 1958, a maior conferência científica realizada até essa altura, a investigação até aí confidencial em fusão nuclear foi partilhada por cientistas de todo o mundo. Nessa altura, vários dos presentes reconheceram os enormes desafios tecnológicos e científicos da fusão nuclear e afirmaram a necessidade de uma cooperação internacional em larga escala para resolver estes desafios. Esta cooperação concretizou-se em 1985, ainda antes da queda do Muro de Berlim, no projecto ITER (hhtps://www.iter.org/). A máquina ITER, actualmente em construção em Cadarache no Sul de França, em que mais de 35 países participam, incluindo a China, União Europeia, Índia, Japão, Coreia do Sul, Rússia e Estados Unidos, permitirá demonstrar a produção de energia, e assim abrir caminho para o primeiro protótipo de uma central eléctrica a fusão nuclear.
O avanço no projecto ITER tem sido conturbado devido à sua escala, ao número elevado de parceiros e ao seu custo. O investimento é elevado, se considerado apenas um projecto exclusivamente científico, e este ponto tem sido uma fonte de pressão dos países membros do consórcio e da restante comunidade científica. No entanto, se compararmos o investimento na construção do ITER com o custo da construção de outros grandes projectos como Large Hadron Collider no CERN ou o custo estimado para a descoberta do bosão de Higgs é fácil verificar que os ganhos tecnológicos e científicos do projecto ITER e o seu potencial impacto no combate às alterações climáticas claramente suplantam o investimento que lhe está associado.
O ITER iniciará as suas primeiras experiências em Dezembro de 2025. Em paralelo, a China, para além de participar no ITER, está também a desenvolver o seu próprio projecto de reactor experimental, EAST, e os cientistas chineses esperam ter um reactor de fusão nuclear a produzir energia eléctrica em 2040. Empresas privadas, fortemente financiadas por fundos de capital de risco, estão também a explorar novas configurações para um reactor de fusão nuclear recorrendo a novos materiais e regimes que não existiam ainda quando o projecto ITER foi desenhado e que podem contribuir para uma forte redução dos custos associados a um reactor experimental.
O progresso na investigação e na tecnologia para a fusão nuclear tem sido tremendo e a Europa, com participação portuguesa também relevante através do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear, tem assumido a liderança nestes desenvolvimentos e prepara-se para também aqui, como noutras áreas, liderar a resposta às alterações climáticas. É cada vez mais óbvio que a fusão nuclear é uma resposta para a produção de energia livre de emissões de C02 e sem os riscos da energia de fissão nuclear. Muito proximamente estaremos próximos de concretizar a previsão de um dos pais da fusão nuclear, Lev Artsimovich, que afirmou que “Fusion will be ready when society needs it” e, no contexto actual, é a fusão nuclear que poderá resolver o problema da produção de energia na Terra durante muitas centenas de anos até partirmos à conquista de outros sistemas solares.
Professor Catedrático do Departamento de Física
Presidente do Conselho Científico
Instituto Superior Técnico