Pelo menos 85 mil crianças morreram vítimas de fome em três anos de guerra civil no Iémen, revelou ontem a ONG britânica Save the Children – dados que corroboram os últimos avisos das Nações Unidas: 14 milhões de iemenitas, metade da população do país, estão em “pré-condições de fome” e mais de metade, 22 milhões, precisam urgentemente de apoio humanitário. É a maior crise alimentar no mundo nas últimas décadas. A situação torna-se ainda pior se se tiver em conta as vítimas do surto de cólera: 1,1 milhões de pessoas.
Estes números são, dizem as organizações humanitárias no terreno, consequência direta da guerra civil que opõe os rebeldes houthis à coligação saudita que apoia o chefe de Estado iemenita, Abd Rabbuh Mansur Al-Hadi. E, desde que o conflito começou, em 2015, não menos de seis mil civis já perderam a vida, enquanto mais de dez mil ficaram feridos.
A Save the Children chegou ao cálculo de 85 mil crianças falecidas ao analisar dados compilados pelas Nações Unidas nos últimos três anos. Para isso, usou a taxa de mortalidade em casos não tratados de subnutrição aguda grave. “Estamos horrorizados por 85 mil crianças terem morrido no Iémen desde que a guerra começou”, disse Tamer Kirolos, diretor da Save the Children para o Iémen, em comunicado. “Por cada criança morta por balas e bombas, dúzias estão a morrer de fome e isso é totalmente evitável.”
Com o conflito, os preços dos bens alimentares subiram e a divisa do país desvalorizou para níveis históricos, tornando-se irrisória. Ao mesmo tempo, o combate entre os rebeldes houthis e a coligação saudita concentraram-se em torno do porto de Hodeidah, por onde 90% das importações alimentares entravam antes de a guerra começar, impedindo qualquer ajuda humanitária. Em alternativa, as agências humanitárias começaram a importar alimentos pelo porto de Áden, mas a distância impede que a ajuda humanitária chegue a muitas pessoas.
E se as famílias iemenitas deixaram de poder comprar comida, quando os sintomas de fome se instalam, principalmente entre as crianças e jovens, a dificuldade de receber tratamento é outra das causas para o elevado número de mortos. Mais de metade das instalações médicas em funcionamento antes do conflito foram destruídas, com os mais pobres a não terem dinheiro para pagar os tratamentos e os medicamentos, cada vez mais escassos. As ONG deslocaram para o terreno profissionais de saúde, mas a insegurança impede-os de abranger mais território – situação que faz, segundo a Save the Children, com que entre 20% e 30% das crianças com subnutrição não recebam qualquer tratamento.
“As crianças que morrem desta forma sofrem imenso à medida que os seus órgãos vitais abrandam e, por fim, param. Os seus sistemas imunitários são tão fracos que se tornam mais vulneráveis a infeções, com alguns a ficarem demasiado frágeis até para chorar”, explicou Tamer Kirolos. “Os pais têm de ver os seus filhos a definhar sem poderem fazer nada.”
É o caso de Suad, mãe de Nusair, um bebé de 13 meses que sofre de subnutrição. Nusair recebeu tratamento em agosto mas, em outubro, a sua situação voltou a piorar. Suad foi obrigada a fugir de casa à medida que os combates se aproximavam e, assim, viu-se impedida de chegar ao hospital mais próximo. “Não consigo dormir, é tortura. Estou tão preocupada com o meu bebé. Não conseguirei viver se algo de mal lhe acontecer”, admitiu Suad, citada pela BBC.