O fanatismo político de certos jornalistas contra este Governo atingiu proporções alarmantes enquanto lavrava o incêndio na serra de Monchique. O subchefe da Informação dum bem conhecido canal privado de TV decidiu, às tantas, defender o ponto de vista segundo o qual proteger e salvar vidas humanas dos incêndios é uma “prioridade cega”, e retirar pessoas à força das suas casas ameaçadas pelo fogo é “inconstitucional”. Imediatamente, dois jornalistas desse canal privado se puseram a papaguear sem jeito algum o ponto de vista do subchefe, para grande espanto de muitos telespectadores que os estavam a ver e ouvir. Salvar vidas é “prioridade cega”, diz o subchefe, por ignorar a necessidade de salvar habitações e outros bens patrimoniais, essa sim a autêntica prioridade.
Por outro lado, um diário tabloide da nossa praça, bem conhecido pelas suas indecências, achou que o fogo de Monchique atingira uma dimensão geográfica fora do vulgar e puxou por este título de caixa alta verdadeiramente dantesco: “ALGARVE DEBAIXO DE FOGO”. Como quem diz a turistas estrangeiros: “vão-se embora e não ponham cá os pés enquanto estiver no poder este Governo de perigosos esquerdistas”. Estou a caricaturar, é claro, mas sei bem que não estou longe da verdade! Ouso mesmo afirmar que havia, nos jornais e TVs que temos, gente ansiosa pela ocorrência de vítimas mortais no fogo de Monchique. Houve até uma repórter que ousou perguntar ao primeiro-ministro, António Costa, se ele se demitiria caso houvesse mortes em consequência do incêndio. António Costa não respondeu à provocação e fez bem. Não sei se alguém perguntará ao PR se ele, em tal caso, dissolveria a Assembleia da República?
Infelizmente, são bem raras as excepções a este jornalismo do tipo “atiça-fogos”, que se convenceu de que, à falta de melhor, a única maneira do PR derrubar este Governo do PS sustentado pelas esquerdas, é mesmo que venham aí mais fogos e haja vítimas mortais – nem precisam de ser tantas como no ano passado – para que o comentador-mor da República e seu Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, se decida a dissolver a AR e a convocar eleições. É evidente que a “esperança” de novos incêndios com vítimas mortais é a última a morrer. Ainda virá aí mais calor propício a desenlaces fatais, para gáudio dos “atiça-fogos”.
Claro que há mais casos de órgãos de informação totalmente fanatizados! Por exemplo, o Observador, de extrema-direita, passou dias à cata do que porventura “correu mal” no combate ao incêndio de Monchique, e até conseguiu reunir “oito-especialistas-oito” para o explicarem ao povo ignaro. Confesso não ter imaginado que houvesse por cá tantos “peritos” em fogos – bem mais do que esses oito do Observador – capazes de explicar em directo, sentados num estúdio de TV, como apagar incêndios em 24 horas. Estou a caricaturar, obviamente! E até se me dá perguntar porque é que tão bons “peritos” não rumam já à Califórnia, para nela mostrarem as suas habilidades extinguindo os gigantescos incêndios que duram há várias semanas (e não propriamente há uma, como durou o de Monchique) e contabilizam já dez mortos?! É pena, mas o nosso Marcelo ainda não preside à Califórnia, nem o nosso António Costa é o chefe do seu governo…
Desgraçadamente, foi a este ponto que chegou o drama dos incêndios neste País. E o jornalismo político dos “atiça-fogos” prossegue na demanda do fundo do poço.
Que eu me lembre, pelo menos desde o tempo do Estado Novo que há incêndios todos os anos, alguns deles causando horríveis tragédias humanas (aos 73 anos, lembro-me bem delas). E também é certo que, até 2017, nunca tinham ocorrido campanhas orquestradas a responsabilizar governos pelos incêndios e pelas suas vítimas. Direi que esta foi a grande “novidade política” introduzida pelo actual PR dos “afectos”, nada “afectuoso” para com este Governo sustentado pela esquerda. Foi ele que deu o “pontapé de saída” que permitiu à direita – e aos jornalistas que a servem – começar a “pontapear” violentamente o Governo. E é ele que alimenta as “grandes esperanças” dos jornalistas políticos “atiça-fogos”.
Para se perceber até que ponto as teorias sobre como combater os incêndios são múltiplas e contraditórias entre si – mais se parecendo com a anedota do velho, o rapaz e o burro – recordo que, quando este Governo legislou sobre a necessidade imperiosa de limpeza das matas e começou a impô-la, o “i” publicou uma curiosa entrevista a Luís Mira, secretário-geral da CAP, na qual este afirmava, em grande título de 1ª página: “A limpeza da floresta é uma utopia de um urbano”. Mais: “O fogo faz parte do clima mediterrânico, vai haver sempre fogos”. E, no entanto, a Comissão Técnica Independente criada pela AR acusou as autarquias de serem incapazes de lidar com os fogos apontando-lhes, nomeadamente, a “ausência quase generalizada das acções previstas de gestão de combustíveis nos espaços florestais envolventes” – aglomerados populacionais, parques empresariais e industriais – e portanto incapazes de realizar a “utopia de um urbano”.
Recordo outra afirmação do secretário-geral da CAP: “O eucalipto tornou-se uma questão ideológica”. Não é essa, porém, a opinião de Mark Beighley, ex-director do Gabinete de Incêndios Florestais dos EUA, que foi alertando, desde 2009, para o aumento drástico de incêndios em Portugal. Numa extensa entrevista ao Público de 17 de Junho de 2018, certamente ignorada pelos jornalistas “atiça-fogos”, e sem qualquer relevo para o povo ignaro, Mark Beighley afirmava: “Os portugueses são largamente responsáveis pelas condições perigosamente inflamáveis das florestas, devido: aos vastos oceanos de monoculturas de eucaliptos e pinheiros sem qualquer gestão; ao abandono das pequenas parcelas agrícolas que antes eram bem administradas e que agora estão repletas de invasores inflamáveis; e a uma mentalidade geral de ‘longe da vista, longe do coração’ de uma população predominantemente urbana e suburbana”. A questão é muito clara: “A população portuguesa, como um todo, não se vê a si própria como o problema, apesar de serem da sua responsabilidade entre 98 % e 99,5 % das ignições anuais”. Mark Beighley referia-se, concretamente, a «todas as actividades humanas que causam fogos indesejáveis, sejam elas industriais, governamentais, agrícolas, florestais, criminais, acidentais, intencionais, etc.». Sábias palavras.
O fogo cega os jornalistas fanáticos. Nenhum deles está minimamente motivado para qualquer reflexão sobre uma questão que “faz parte da paisagem agrária rural há centenas anos”, em todos os países onde ela existe. As motivações de tais jornalistas são estritamente políticas. Nem ligam nenhuma se alguém, como Mark Beighley, lhes explicar que “acrescentar helicópteros e aviões é uma solução rápida e politicamente sexy” e “injectar simplesmente mais dinheiro no combate aos incêndios é uma armadilha em que a maior parte dos países cai”, mas que, “mais tarde ou mais cedo, quase sempre falha”! Queremos lá saber disso, dirão os jornalistas “atiça-fogos”. E dirá também a direita, que nem pensa nisso enquanto está na oposição, e que até fez asneira quando estava no poder, como foi o caso da actual líder do CDS-PP, eleita “Miss Eucalipto” por ‘tutti quanti’!
Pois é! Seria bom que, pelo menos os assessores para os assuntos agrícolas e/ou rurais do nosso “afectuoso” PR, Marcelo Rebelo de Sousa, lhe dessem a ler – se por acaso não deram na altura em que foi publicada – essa entrevista de um dos poucos peritos em incêndios que consigo levar a sério. Transformar os incêndios, e suas eventuais vítimas mortais, em argumentos políticos de combate ao Governo só pode ser fruto – digo eu – de grande estupidez e irresponsabilidade!
Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990