Futuro do PSD: o “partido tamagotchi”?


Pedro Santana Lopes e Rui Rio protagonizam, em 2017/18, duas candidaturas que poderiam bem ter ocorrido na década de 90 ou no início do século presente


1. Foi uma das novidades mais fascinantes das últimas semanas: o tamagotchi vai voltar, mantendo a sua filosofia original devidamente atualizada com os últimos avanços da tecnologia digital. O conceito, na segunda metade da década de 90, foi um achado da inovação e marcou uma geração: a possibilidade de criar, cuidar de um ser (enfim, um mostrengo digital com traços ligeiramente similares a um animal doméstico) e acompanhar as suas necessidades diárias, sem ter os inconvenientes próprias de um animal real, conquistou milhões de consumidores por esse mundo fora. A notícia do seu regresso foi recebida com nostalgia e grande expetativa: durante dias, em publicações internacionais, este pareceu ser o facto económico mais relevante do mês.

2. O tamagotchi não é o único produto popular das décadas passadas que voltará a animar o quotidiano de muita gente: os míticos telemóveis Nokia (a marca mais popular no início da vulgarização do uso deste aparelho eletrónico) já têm também um lugar reservado nas lojas (e nos sites!) especializadas. Não se pense, porém, que o regresso de ambos os produtos – que, para a maioria, já não passavam de relíquias de museu – é uma tendência isolada ou excecional: antes, é uma tendência da economia moderna.

Tendência essa transversal, abrangendo múltiplos setores, desde as telecomunicações à roupa, passando pelo cinema e pela música: o saudosismo, a vontade de desacelerar o passo da evolução tecnológica e digital, a evocação de uma prosperidade das décadas de 80 e de 90 que já não se acredita ser replicável nos tempos mais próximos – para além de uma disposição conservadora inata ao ser humano e que o faz querer regressar ao passado onde se sente seguro, designadamente à infância e adolescência – fazem com que os produtos mais marcantes de hoje sejam os produtos mais marcantes de outrora.

3. Partilhamos com o leitor a interrogação que nos assaltou quando lemos a notícia do regresso do tamagotchi, cujo título era o seguinte: “Produto popular da última década do século passado regressa com enorme expetativa.” Pois bem, após a leitura de tal título e antes de conhecermos o conteúdo da informação, julgávamos que a notícia se reportaria à atual disputa interna no PSD – pois os candidatos à liderança do partido, bem como (mais grave!) os termos da discussão política verificados até ao momento, representam objetivamente um regresso do partido às últimas décadas do séc. xx. Pedro Santana Lopes e Rui Rio protagonizam, em 2017/18, duas candidaturas que poderiam bem ter ocorrido na década de 90 ou no início do século presente – e, no caso particular de Santana Lopes, ocorreu mesmo.

4. Conforme escrevemos antes da apresentação oficial de ambas as candidaturas, havia a perceção, desde cedo, quer de Rui Rio, quer de Pedro Santana Lopes, de que a liderança do PSD iria recuar uma geração – em detrimento de permanecer na geração de Pedro Passos Coelho ou de avançar para a geração formada politicamente já nos alvores do presente século. Os militantes prefeririam a nostalgia, o regresso ao passado que conhecem, a avançarem para um futuro que desconhecem e que é incógnito por natureza.

4.1 O sentimento de necessidade de apelo a uma ideia de mística do partido, de regresso às suas origens históricas, aos tempos da sua afirmação no sistema partidário português, sobretudo após uma conjuntura deveras desafiante (traumática?) para o partido e seus militantes. Recorde-se que o PSD teve novamente de salvar Portugal da bancarrota após o desvario dos anos socráticos, impondo sacrifícios pesados a uma categoria ampla de cidadãos portugueses, muitos deles votantes do partido; por outro lado, os militantes sociais-democratas sentem que o PS (por via da geringonça, que mais não é do que a rendição do PCP e do BE aos luxos e luxúrias do poder) se tornou o partido-charneira do regime.

4.2 Isto é: no partido profundo – aquele que vale a pena, o que corresponde aos militantes de base que vão aguentando e fazendo crescer o PSD, mesmo contra as vicissitudes de cada conjuntura – há a perceção de que qualquer solução governativa (excetuando o caso, mais difícil, de maioria absoluta do PSD, sozinho ou coligado com o CDS) passará pelos socialistas.

5. Infelizmente, até ao momento, Pedro Santana Lopes e Rui Rio têm contribuído para adensar o receio de esvaziamento ideológico e de inutilidade do PSD no quadro da governabilidade política nacional.

5.1 Desde logo, porque os respetivos discursos parecem decalcados de um comício do PSD da década de 80, do pré-cavaquismo: repetem os mesmos lugares-comuns, as mesmas banalidades, as mesmas receitas do passado. Ora, a ideia de renovação não assenta exclusivamente (ou principalmente) na idade dos protagonistas políticos: ela assenta sobretudo no arrojo das ideias e na sintonização da mensagem proposta com os anseios e problemas específicos dos portugueses e do tempo que se vive – e do tempo que se viverá. Neste particular, quer Santana Lopes, quer Rui Rio não lograram superar o óbice que sobre eles impendia: o de serem dois candidatos do passado, presos ao passado, formados politicamente num país que já não existe.

5.2 Não podemos deixar de assinalar que, volvido já mais de um mês da apresentação oficial das respetivas candidaturas, nenhum candidato à liderança do PSD teve a coragem e a determinação exigível para denunciar a incompetência grotesca do governo de António Costa com os estalinistas do PCP e os trotskistas do BE. Nos últimos meses, este primeiro-ministro, por ação e por omissão, tem reduzido o Estado português a uma autêntica paródia – desde a administração interna até à defesa, passando pela saúde.

5.3 Contudo, a esta histriónica incompetência de António Costa tem-se contraposto a tibieza da voz do PSD. Rui Rio ataca o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e elogia António Costa; Santana Lopes elogia Mário Centeno; ninguém denuncia as falhas e incúrias do governo. Se Mário Centeno é tão bom, se António Costa é um homem tão exemplar, por que razão Rui Rio e Santana Lopes não anunciam já que querem coligar-se com o PS? E se o PS é assim tão bom, por que razão querem liderar o partido da oposição? Pelo poder pelo poder? Não se percebe…

6. Conclusão: por ora, tememos que o PSD do futuro… seja apenas o PSD do passado. Receamos que o PSD dos próximos anos seja o PSD das décadas de 70 e 80. Tal como os tamagotchis, o PSD das últimas décadas do séc. xx quer voltar. Mas o PSD não pode limitar-se a ser o “partido tamagotchi”: quando nos demitimos das nossas responsabilidades para com os portugueses e a democracia nacional, surgem os Sócrates e os Costas desta vida…

 

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