RIADE – Mete-se um sujeito ao caminho, num táxi mal-amanhado e bastante mal conduzido, e vê-se nessa Olaya Street interminável, uma linha reta entregue à azáfama dos guindastes e dos camartelos que vai somando cada vez mais arranha-céus espelhados e de formas estrambóticas que são tão do gosto das capitais dos Países do Golfo, os lugares que se transformaram numa espécie de jardim infantil dos arquitetos de todo o planeta – acreditem, conheço-as todas, da desfeita Bagdade à minúscula Manama –, vai ouvindo o último dos cinco cantos diários dos muezzins, anunciando o pôr-do-sol às precisas 15 horas e 42 minutos, ainda falta um bom bocado para que um entusiasmante Al-Nassr–Al-Hilal tenha início na Kingdom Arena, na Boulevard Hall, um estádio que não leva mais de 30 mil espetadores mas se orgulha do seu teto retrátil e do seu grande ecrã quadrilátero dependurado sobre o centro do terreno tal como estamos habituados a ver nos grandes pavilhões.
Notícias agradáveis, que já vinham de véspera, davam a certeza de que Cristiano Ronaldo estava recuperado da lesão que o impediu de jogar numa digressão à China. Na verdade, esta Kingdom Arena (ganhou o direito a entrar no Guiness por ser a maior arena completamente coberta do planeta) só assistiu ontem ao seu terceiro jogo de futebol – o primeiro foi a 29 de janeiro, o Al-Hilal–Inter de Miami (4-3), neste torneio triangular (levou o nome de Riyadh Season Cup) que também meteu o tal segundo jogo no qual o Al-Nassr desfez a equipa de Messi por 6-0 e no qual não pudemos ter em campo os dois jogadores mais marcantes da última década e meia. Resolvida questão de cada uma das equipas sauditas contra o Amigo Americano, passou-se à rivalidade interna, pura e dura, pois estiveram frente a frente as duas inequívocas equipas mais fortes da Arábia Saudita, tal como a classificação à 19.ª jornada o demonstra – o Al-Hilal de Jorge Jesus com 53 pontos; o Al-Nassr, de Luís Castro com 46, e só depois o Al-Ahli, de Jeddah, lá nas margens do Mar Vermelho, treinado pelo alemão Matthias Jaissle, com 40.
Cheirando a novo
Vinha eu a pedir aos santos que regulam as temperaturas atmosféricas (algum deles deve chamar-se Antímio) que me fizesse esquecer o frio das madrugadas lisboetas quando me vejo sentado numa bancada de imprensa ainda impreparada para uma competição à séria, digamos assim – o esforço dos funcionários essencialmente práticos e simpáticos da organização valeu por tudo! – a rapar uma temperatura não de todo convidativa a camisinhas de caqui. A organização elevou o jogo ao nível de final e fiquei à espera de uma. Ainda por cima apitada por uma senhora, a americana Tori Penso – não digam que eles não andam a esforça-se, vá lá! Que seria um treinador português a colher os louros é matéria que não se aceitava na casa de apostas. Por isso ambos que dessem corda às chuteiras dos seus jogadores, craques de mão cheia ou os não tanto assim. Sabemos todos, com esta total universalidade das televisões, que não se joga na Arábia nem ao ritmo de Portugal quanto mais de outros países da Europa, isto embora o relatador que ficou a meu lado tenha debitado umas três mil palavras por segundo, quase à velocidade da luz. Entrou mais forte e mais fortemente apoiada a equipa de Jesus (a cabeça branca mais visível do estádio) e marcou aos 18m por Milinkovic-Savic. E viu-se em sarilhos o grupo da segunda cabeça branca mais visível no estádio (a de Luís Castro). Brozovic por seu lado mostrava pouco respeito pela senhora árbitro e a sua continuada irritação ajudava pouco os companheiros. De um lado mais coletivo, do outro mais individualismo. E assim o 2-0 (Dawari, 30m) não se estranhou. O rei acenava ao seu povo, ‘O Patrão’ (alcunha do Al-Hilal) mandava no jogo, Ronaldo falhou um golo isolado – também haveria de mandar mais. Penso a certa parte e a reclamar com a malta que lhe deu cabo da paciência com gritos de ‘Messi’ – e a defesa do Al-Nassr era um mau programa (que buraco na direita) com nome de série: Casa de Papel. Não havia na generalidade dos espetadores grandes dúvidas sobre quem iria levar a taça para casa. Truques deste, dribles daquele, uma ainda infantil de ver o jogo por parte do público que chega a ser reconfortante. A história do jogo tinha sido feita com antecedência, o que dá um jeitão, acreditem, quando o cronista está a contas com a pressa do fecho do jornal. Este aqui até a contar com a festa do sobrinho Vicente não estivesse agora a meio mundo de distância. E que bem se está aqui quando o futebol até é divertido. Escrevo-lhe uma carta. Ou como é agora moda, um WhatsApp. Com crónica dentro de presente.