Etiópia. Dezenas de milhares esperam no deserto pelo fim da guerra

Etiópia. Dezenas de milhares esperam no deserto pelo fim da guerra


Falta água, comida e abrigo do sol aos refugiados etíopes que se acumulam no Sudão. Quando tantos tentam saber de  familiares, a covid-19 é uma preocupação secundária.


Seja qual for o resultado da guerra civil na Etiópia, saia vitorioso o Governo central ou as autoridades de Tigré), os grandes derrotados são as dezenas de milhares de etíopes que fugiram das suas casas, entre combates ferozes e pesados bombardeamentos, procurando segurança do outro lado da fronteira, no Sudão. Não se tratam de meras escaramuças entre forças governamentais e rebeldes mal armados: as autoridades tigrínias têm as suas próprias forças armadas e milícias, centenas de milhares de tropas bem apetrechados, apoiadas por mísseis e mísseis, entrincheiradas nas montanhas da sua região, que tão bem conhecem. Sem fim à vista para a guerra, as Nações Unidas preveem que o número de refugiados chegue aos 200 mil nos próximos meses, inundando uma região desértica, pontilhada de pequenas localidades, onde já faltava tudo, incluindo até abrigos contra o sol sufocante, no meio de uma pandemia.

“É definitivamente uma das maiores crises de refugiados dos últimos anos. O que é complicado é que esta é mais uma camada de tragédia num ambiente onde se enfrentam múltiplas crises”, lamenta Jean-Nicolas Dangelser, chefe da Missão dos Médicos sem Fronteiras (MSF) no Sudão. Falou ao i por telemóvel, quando regressava ao seu apartamento em Cartum, após uma semana a percorrer os lotados campos de refugiados na fronteira com a Etiópia.

 

Refugiados não param de chegar

“A primeira previsão era de 20 mil pessoas a cruzar a fronteira num mês. De facto, vamos em mais de 40 mil em poucas semanas. É difícil prever quantas pessoas virão ou não, mas se forem muitas mais… Já estamos a ter dificuldade em responder às necessidades de 40 mil pessoas”, alerta Jean-Nicolas Dangelser, chefe de missão dos Médicos sem Fronteiras (MSF) no Sudão. “Se estivermos a falar de centenas de milhares, sim, sem dúvida será uma situação dramática. Para escalar a resposta, não conseguimos fazer muito mais. Estes locais, no extremo este do Sudão, não são os mais fáceis de chegar. Pode imaginar como é difícil arranjar água e comida no meio do deserto, numa comunidade que já sofria de stresse hídrico e de falta de segurança alimentar”.

A juntar-se a todas estas desgraças, há a colossal praga de gafanhotos que devastou as colheitas do corno de África no último ano. “A praga afetou o Sudão também. Nós próprios vimos bastantes gafanhotos no estado do Mar Vermelho, num estado próximo de onde estão os campos de refugiados”, refere Dangelser. “Não era um enxame tão grande como se vê nas imagens do Quénia, onde até escurecem o céu. Mas ver centenas e centenas de gafanhotos nas estradas mostra como é uma realidade”.

“Quando pensamos que um enxame com um quilómetro de envergadura pode engolir a comida de 35 mil pessoas num dia, é muito assustador. Faz-nos pensar no que pode acontecer a seguir. E criar mais uma camada de tragédia numa situação tão complicada”.

Para já, felizmente, a vasta maioria dos refugiados recebidos pela MSF conseguiu escapar ao teatro de guerra sem ferimentos de maior. “Pensamos que a primeira vaga de refugiados que recebemos são os mais próximos da fronteira, os primeiros a fugir”, explica Dangelser. “O que receamos são as condições dramáticas nos campos e nos pontos de entrada no Sudão”, acrescenta. “E tememos que, se os combates continuarem e durarem muito mais na Etiópia, vamos receber pessoas que vêm de cada vez mais longe, do leste. Nessa altura, podemos encontrar pessoas em piores condições à chegada”.

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