A humanidade vive hoje numa fase de desenvolvimento urbano tão grande que a complexidade e as dimensões verdadeiramente colossais das principais cidades do mundo já não são suscetíveis de ser mantidas sem a obrigatoriedade de uma gestão sofisticada, integrada e, como tal, inteligente.
Cidade inteligente (ou smart city na terminologia inglesa) é o conceito normalmente utilizado para designar todas aquelas cidades que, recorrendo à tecnologia (especialmente tecnologias de informação e comunicação), visam melhorar a eficiência e eficácia dos seus serviços urbanos (lixo, tráfego, segurança, energia, etc.) e a sua competitividade económica num mundo globalizado, através de uma gestão em rede e em tempo real. Tomemos como casos de estudo dois dos mais paradigmáticos modelos de smart city criados de raiz: Masdar, nos Emirados Árabes Unidos e Songdo, na Coreia do Sul. Masdar prevê albergar 50 mil habitantes, enquanto Songdo prevê 65 mil – ambas numa área de 6 km2 (em termos comparativos, o Parque das Nações em Lisboa tem praticamente a mesma área e menos de metade da população: 21 mil habitantes); ou seja, à conta da sua dimensão espacial, as apregoadas cidades inteligentes mais não são do que bairros inteligentes.
Contudo, os custos inerentes a estes projetos são astronómicos e apenas possíveis de ser realizados em países ricos como o são os Emirados Árabes Unidos e a Coreia do Sul: Songdo é um projeto de 40 mil milhões de dólares, e Masdar de 22 mil milhões – ou seja, o equivalente ao PIB de um país como a Sérvia (7 milhões de habitantes) e o Camboja (15 milhões de habitantes), respetivamente. Qualquer uma destas duas cidades funciona como um sistema complexo, unificado e interconectado, o qual, para ser eficaz, não pode dispensar uma gestão centralizada alimentada por informação em tempo real – Songdo, aliás, é conhecida como “cidade ubíqua”, precisamente devido a esse controlo omnipresente.
Coloca-se assim a questão de saber até que ponto essa “inteligência” pode ser replicada no nosso país. Em Portugal, muitas cidades estão a modernizar-se e a incorporar tecnologias que facilitam a gestão e a otimização dos seus serviços – e como não poderia deixar de ser, muitos municípios estão a utilizar essas inovações como bandeira política, afirmando que estão a criar cidades inteligentes. No entanto, na maioria dos casos, esta afirmação é imprecisa ou capciosa. Da mesma forma que não é possível chamar Ferrari a um automóvel velho ao qual se colou o emblema de um cavalo prateado na grelha frontal, também não é possível chamar cidade inteligente a uma cidade convencional só porque esta adquiriu o mais sofisticado programa de gestão de tráfego ou de energia, mas continua a ser gerida sem uma estratégia global e integrada.
Outro aspeto, de contornos mais perniciosos, é a forma como muitas das ditas cidades inteligentes portuguesas usam precisamente essa pretensiosa distinção tecnológica como pretexto para mais facilmente branquearem extravagantes e onerosas aquisições de bens e serviços: quem é o cidadão disposto a indignar-se com o seu município por este ter adquirido injustificadamente os mais dispendiosos, sofisticados – e às vezes inúteis – programas informáticos ou apetrechos tecnológicos? Esse cidadão será visto como um Velho do Restelo, um retrógrado que está contra o progresso da sua comunidade, quando, na realidade, foi ele o único a perceber que a prometida smart city não passava, afinal, de uma esbanjadora fake city.
Mestre em Ordenamento do Território e Planeamento Ambiental, Escreve quinzenalmente