Francisco Guedes. O editor e promotor de festivais

Francisco Guedes. O editor e promotor de festivais


1949-2025 Morreu, aos 75 anos, o criador do Correntes d’Escritas


Em tempos os livros viviam mais do que os homens, eram a crisálida na qual a vida do espírito buscava uma oportunidade de estender e alargar o seu efeito de transmissão de certas ideias, valores, ficções. Mas com a massificação do livro, e a perda do seu papel central na socialização da cultura, este objeto tendeu a tornar-se uma espécie de destroço flutuante, sinal de um naufrágio, multiplicando-se sobre as águas, uma espécie de memento de uma época abolida, à medida que vinham sobre nós as vagas de uma mutação decisiva na forma como lemos ou interpretamos o mundo, já não sendo capazes do denso fulgor das abstrações e das composições teóricas, mas cada vez mais sujeitos ao império das imagens. Francisco Guedes era um ser que se sentia quebrado pelo tempo, não propriamente resignado, mas alguém que lastimava a erosão das competências linguísticas e literárias, alguém que esteve sempre ligado à vida dos livros, fosse como leitor ou divulgador, programador cultural ou tradutor, editor ou autor de vários livros ligados à gastronomia. Às tantas rendeu-se a essa espécie de submissão vazia que produz em torno do livro uma fantasia, fazendo a defesa da leitura em abstrato, e alinhando com essa recorrente orientação no sentido de que o importante é ler, não importa o quê, e que muitas vezes não se distingue propriamente de um comando no sentido de reforçar o negócio das indústrias culturais.

Nascido em Matosinhos, distrito do Porto, em julho de 1949, filho do ator João Guedes, irmão da atriz Paula Guedes, o seu nome ficará para sempre ligado ao mais antigo festival literário português, o Correntes d’Escritas, projeto que apresentou em 1999 à Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, e que a partir do ano seguinte ele passou a organizar e dirigir. Esteve ainda na origem de outros festivais literários no norte do país, como o LeV – Literatura em Viagem, que teve a sua primeira edição em 2006, em Matosinhos, e o FLiD – Festival Literário do Douro, em Sabrosa. Assim, a perda de influência do livro foi sendo compensada pela proliferação destes eventos promovidos no sentido de defender o livro e a leitura, fazendo destes os elementos centrais de uma panaceia, a qual se convertia cada vez mais numa forma de publicidade esvaziada de critério, acrítica e degradante para a cultura literária.