Doentes sem acesso a cuidados paliativos por falta de médicos

Doentes sem acesso a cuidados paliativos por falta de médicos


Falta de profissionais nos hospitais da ULS de São José, em Lisboa, está a impedir doentes de aceder a cuidados paliativos. Com apenas duas médicas, e a tempo parcial, há pacientes a morrer com ‘sintomas descontrolados’.


Há doentes sem acesso a cuidados paliativos nos hospitais da Unidade Local de Saúde (ULS) de São José – antigo Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central – por falta de médicos. Ao que o Nascer do SOL conseguiu apurar junto de vários profissionais de saúde e utentes, os pedidos para reencaminhamento de doentes para os cuidados paliativos têm sido recusados, principalmente no Hospital Curry Cabral e Santa Marta, por falta de profissionais para prestar atendimento, pelo menos desde agosto de 2024.


«Os doentes morrem sem cuidados paliativos, com sintomas descontrolados e sem poderem ser referenciados para unidades de cuidados paliativos, quando têm critérios para isso», diz-nos uma fonte.
A maioria dos profissionais médicos da Equipa Intra-hospitalar de Suporte de Cuidados Paliativos (EISCP) da ULS São José terá saído com sintomas de burnout e exaustão, não tendo sido substituídos até agora. Neste momento, há apenas dois médicos de serviço (a tempo parcial), sete enfermeiros, três psicólogos e dois assistentes sociais, conforme nos foi confirmado pela própria ULS. Uma fonte assegura ao nosso jornal que uma das duas médicas de serviço apenas dá consultas uma vez por semana e não dá resposta ao internamento.


Com apenas dois elementos médicos torna-se humanamente impossível prestar serviços a quatro dos hospitais da unidade de saúde: Hospital de São José, Hospital de Santo António dos Capuchos, Hospital de Santa Marta e Hospital Curry Cabral.


Questionada pelo Nascer do SOL, a ULS São José esclarece que «dispõe de três equipas de suporte em Cuidados Paliativos: a Equipa Comunitária e a Equipa Intra-Hospitalar, que trabalham em articulação, e a Equipa de Cuidados Paliativos Pediátricos».


Acrescenta ainda que «devido à saída de profissionais médicos, a Equipa Intra-hospitalar de Suporte de Cuidados Paliativos (EISCP) encontra-se a funcionar com algumas limitações».


Sobre a previsão de resolução do problema e contratação de mais médicos, a ULS apenas refere que deverá acontecer «brevemente», estando «a ser feitos todos os esforços».


«A equipa da consulta da dor assegura, sempre que possível, os cuidados necessários aos doentes. Está ainda a ser ponderada a alocação de tempo de trabalho na equipa de alguns profissionais com competências na área».
«Todo o doente com o diagnóstico de doença grave, incurável e progressiva pode e deve ter acesso a cuidados paliativos, independentemente da idade, do tipo de doença ou das suas crenças», pode ler-se no website da própria ULS.

‘SITUAÇÃO DRAMÁTICA’
O caso não é novo, nem único no país. Mais de 70% dos doentes não têm acesso em tempo útil a cuidados paliativos, valor que sobre para 90% no caso das crianças, segundo a Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP), que pede respostas urgentes ao Governo.


«O que se passa é que as equipas são exíguas, são poucos profissionais para o nível de necessidades. Há parte do território que está a descoberto. Ao nível dos cuidados paliativos pediátricos a situação é também dramática», disse à Lusa a presidente da APCP, Catarina Pazes.


«Há locais do país que têm equipas comunitárias, mas que não abrangem toda aquela área onde estão implementadas. E isso não é só em regiões mais remotas. Por exemplo, em Lisboa, isso também acontece».


A APCP considerou ainda «incipiente» o compromisso do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) nesta área e lembrou que o último relatório da Comissão Nacional de Cuidados Paliativos (2024) reconheceu que a maioria das equipas «não tem a dotação de recursos humanos prevista no Plano Estratégico de Desenvolvimento para os Cuidados Paliativos (PEDCP)» e que «as dotações previstas já são reconhecidamente insuficientes para uma resposta de qualidade».


«Tem que haver um olhar para isto pela injustiça que causa, pelo desgaste que causa aos próprios profissionais, mas principalmente pelo sofrimento dos doentes e das famílias que não é atendido», reforça Catarina Pazes.
Num relatório divulgado no ano passado, a Entidade Reguladora da Saúde revelou que quase metade (48%) dos doentes referenciados em 2023 para unidades de cuidados paliativos contratualizadas com o setor privado ou social morreram antes de ter vaga.


A ministra da Saúde reconhece «a falta de acesso e a falta de respostas» e que «durante os últimos anos, não se investiu na área dos cuidados paliativos».


«Nós estamos agora a fazer uma recuperação gradual, porque não é de um dia para o outro. É uma matéria em que Portugal ficou, infelizmente, muito para trás, mas que está na nossa agenda», garante Ana Paula Martins.