O país mudou muito nos últimos anos e a ‘fama’ da Polícia de Segurança Pública (PSP) ainda mais. Reparemos nestes números: em 1997 concorreram ao curso de guarda da PSP quase 16.500 pessoas. Em 2024, o número ficou-se por 2.825. Para o curso que se irá iniciar este ano, a PSP recebeu 3.392 candidaturas, sendo que, em média, são excluídos dos cursos 80% dos candidatos. Isto é: muitos chumbam nas provas de conhecimento, outros nos testes físicos e por aí fora. Depois, dos apurados e que começam a fazer o curso, em média, pelo menos, nos últimos quatro anos, 11% chumbam ou desistem.
«Isto está muito complicado. Neste momento, temos à volta de 20.300 polícias, sendo que necessitamos de 22 mil, até por causa da nova Unidade de Estrangeiros e Fronteiras. E já nem estou a falar dos agentes que as Câmaras de Lisboa e do Porto reclamam. Para completar o cenário negro, há mais de três mil agentes que reúnem as condições para a pré-aposentação, 55 anos de idade e 36 de serviço. Só que o Governo, através da norma travão, inserida no Orçamento do Estado, impede estes homens e mulheres de exercerem um direito que está consagrado no estatuto da PSP», explica ao Nascer do SOL um oficial da instituição.
«O mais insólito é que a PJ e a GNR não ‘sofrem’ deste mal, pois quando um guarda, por exemplo, chega aos 55 anos e tem 36 de serviço, passa quase automaticamente, se for essa a sua vontade, à pré-aposentação. E aí o titular da Administração Interna e o das Finanças assinam o papel sem problema», acrescenta. Bruno Pereira, líder do Sindicato Nacional dos Oficiais de Polícia, vai mais longe: «Acho que é inconstitucional porque essa norma travão é uma norma exceção. O problema é que essa norma de exceção tem sido inscrita em anos sucessivos – há mais de 10 anos – nas leis de Orçamento do Estado, portanto, tem sido prática habitual que contraria naturalmente a natureza excecional de uma norma dessas para travar um direito que é um direito que está previsto na lei. Isso só acontece porque o recrutamento tem, ao longo desses 10 anos, caído a pique. A norma travão é uma forma de evitar que haja um desmoronamento catastrófico com a saída em avalanche de quase 4000 polícias que neste momento têm condições para passar à pré-aposentação. Veja bem o que era a polícia, de hoje para amanhã, perder 4.000 polícias».
Falta de dinheiro e de condições
Mas qual a razão para não haver candidatos? BrunoPereira diz de sua justiça: «Essa pergunta é complexa desde logo porque acho que há múltiplas razões. Não resulta apenas da questão remuneratória, que é incontestável, mas da forma como, de certa maneira, se tem vindo a construir a ideia de que ir para a Polícia só dá dores de cabeça e que deixou de ser, como outrora era, uma profissão respeitável, digna e acima de tudo, admirada, carismática.
Não estou a dizer que não haja ainda quem olhe para ela dessa maneira mas aquilo que era uma ideia robustamente estabelecida ou cimentada não existe hoje. Mas, mais do que isso, é vermos continuamente referências à precariedade daquilo que é o investimento nas forças de segurança e o amplo escrutínio – que é legítimo e é necessário – mas que, de certa maneira, é utilizado e instrumentalizado pelos próprios órgãos de comunicação social e não só, para, de certa maneira, retirar força ou depreciar as forças de segurança sem que haja um contrabalanço. O tal contrabalanço que haveria quando nós, em consciência, destacamos o excelente trabalho de regulação social que deve existir e no qual a Polícia é fundamental e desempenha um papel fundamental como regulador social de bem estar em toda aquela que é a sua intervenção ampla».
Bruno Pereira acrescenta ainda que, «depois, há essa questão de o recrutamento ser ainda regional, que leva inevitavelmente que as pessoas na PSP, em particular, venham todas obrigatoriamente calhar a Lisboa onde não só o custo médio de vida é maior e onde a intensidade operacional existe como em nenhum outro lado, onde o risco é manifestamente maior… O acesso habitacional caríssimo, o custo de vida muito elevado, uma intensidade operacional muito alta, um risco sem igual… Tudo isto junto, por muito que se possa ganhar um pouco mais, afasta obviamente os novos jovens para esta profissão».
Procuram-se guardas prisionais
Se a PSP procura prender quem se ‘porta’ mal, a Guarda Prisional pretende que os infratores se mantenham na cadeia. Mas se há menos polícias para prender ‘criminosos’, também há menos guardas prisionais para os manter nas prisões. «Vai acontecer uma desgraça. Faltam guarda prisionais, chefes e demais chefias. No último concurso para guardas, em 2021, houve 497 candidatos para 150 vagas. Foram apurados 111, mas oito foram embora a meio do curso. Por isso, só passaram 103. Agora é que se bateu no fundo. Em 2024, concorreram 247 para 225 vagas. Só houve uma prova física e já só há 99. Falta as provas de conhecimento, os testes psicotécnicos, os exames médicos, as entrevistas de grupo», diz Hermínio Barradas, presidente da Associação Sindical das Chefias do Corpo dos Guardas Prisionais, ao Nascer do SOL.
O quadro de guardas prisionais contempla 4.400 elementos, havendo neste momentos entre 3.550 e 3.600, com uma média de 50 anos. Acontece que há 90 vagas para a categoria de chefe e concorreram cerca de 300. Quando o curso estiver terminado, são menos 90 guardas a ‘fiscalizar’ as prisões, pois passaram a chefe. «A direção-geral não tem capacidade para nada. Isso é sabido. As secções de recursos humanos não funcionam. Como é que hei de fazer uma análise? A GNR tem uma divisão de formação. A PSP tem uma Escola Superior de Polícia e uma Escola Prática de Polícias… Nós não temos nada. Então é a estrutura de recursos humanos da direção geral que faz todos os concursos para todas as carreiras e profissões que estão nela. Quer sejam enfermeiros, técnicos superiores, assistentes… Eles é que fazem tudo! Este é mais um que eles têm de fazer! Ora, se está tudo deficitário, para eles não lhes interessa nada o funcionário que está com esta tarefa, se é de guardas, se é técnicos, etc. É mais um para fazer. Isto resulta de não direcionarem os recursos para as prioridades. Se tivéssemos uma estrutura própria, como já tivemos, tínhamos um centro de estudos e formação que realizava os concursos…. Agora não. Juntaram estas duas direções e cada um quer saber de si. Aliás, os organismos competem internamente pelos recursos», acrescenta. Como se vê, o cenário está favorável aos ladrões!