O Natal dos incendiários políticos e sociais


Uma certa esquerda não pode continuar a fragilizar o exercício de funções do Estado como as que são desempenhadas pelas forças de segurança, sob pena de minar a autoridade democrática do Estado e transmitir a perceção de que as regras individuais e comunitárias existem para ser contornadas.


A polarização irresponsável instalou-se em todos os quadrantes políticos com a força de uma pandemia para a qual não existe, nem existirá vacina. É uma variante grave da falta de senso, de bom senso, que estava quase em rutura de stock, mas agora evaporou-se definitivamente com relevantes danos no deslaço social e no compromisso democrático, em que o Estado de Direito é apenas uma expressão. A deriva dos incendiários políticos e sociais, dos que não fizeram e dos que alegadamente estão a fazer, é desvirtuada pela ausência de foco central na construção de respostas aos desafios estruturais, que não se resolvem com proclamações ou mitigações das perceções mais ou menos generalizadas. Mais de oito meses depois da entrada em funções do atual governo, a vida em suspenso de milhares de imigrantes, atraídos para Portugal pela desregulação, pela impreparação para a integração e pelo quadro selvático de oportunidades, continua sem a resposta aos pedidos de autorização de residência ou a solicitações complementares. Por ação ou por omissão, Portugal está a tratar de quem precisa para as necessidades de mão-de-obra e quem se aproveita do quadro de relaxo instalado com a mesma displicência de integração com que milhares de portugueses se integraram nas comunidades noutras décadas. Não temos “Bidonvilles”, mas proliferam as “Camaratasvilles”. A diferença está no perfil dos imigrantes em causa e no compromisso destes com as regras com as comunidades de integração. Este é o ponto, para os imigrantes e para os residentes, impõe mínimos de humanismo, o cumprimento de regras vigentes e a monitorização dos contextos, para que não explodam as perceções generalizadas negativas para a coesão e o desenvolvimento do país.

São ridículos os aproveitamentos políticos do governo, sobretudo em comentários do primeiro-ministro, a operações das forças de segurança que resultam de critérios operacionais estabelecidos.

São vergonhosas as faltas de memória em relação a passados recentes de operações policiais nos territórios em causa ou à exigência de mais polícia na rua.

É inaceitável que a autoridade do Estado, pilar que assegura o pressuposto vital da segurança, possa ser exercitada apenas por via da exposição pública e mediática ao invés da sua projeção sustentada, discreta, quotidiana e eficaz, com matriz preventiva e repressiva quando se imponha, no respeito pelos direitos e liberdades. Constata-se uma indiferença em relação à atividade operacional corrente, por vezes com exiguidade de meios, e uma valorização das disfunções ou alegadas situações anormais no quadro da missão.

É miserável o ensaio de insinuação de que as forças de segurança estão ao serviço das orientações políticas do governo para combater o Chega e as perceções de falta de segurança das populações. No caso concreto, o Comandante Metropolitano da PSP de Lisboa, Superintendente Luís Elias, foi oficial de segurança do gabinete do primeiro-ministro António Costa, sendo um qualificadíssimo profissional. Era bom no passado, é mau na atualidade?

Neste como em tantos temas do quotidiano dos portugueses e do país, é preciso intervir nas causas e não vergastar apenas as consequências, sobretudo quando estas são residuais, como acontece na questão do acesso de imigrantes ao SNS. O foco nestes só serve para desviar a atenção das dificuldades e dos bloqueios de acesso da generalidade da população em diversos territórios do país. Há efetivamente um problema de desregulação, de perceção popular e de inconsistência das políticas seguidas ao longo dos anos para suprir problemas estruturais como o défice demográfico, a falta de mão-de-obra em diversos setores da economia nacional ou a crescente fragilização do nosso contrato social e do compromisso democrático.

Há muito boa gente que acha que o quadro ideológico de sempre, as proclamações de “agarrem-me que me vou a eles” e a verborreia dos ofendidos do debate político resolve alguma coisa. Não resolveram no passado das convergências à esquerda e não resolvem no atual quadro de direita. Podem continuar na gritaria parlamentar, partidária e política que sem respostas sustentadas, além dos fogachos simbólicos, os portugueses vão continuar a exigir soluções, a divergir das opções tradicionais e a ficarem cada vez mais cansados com o funcionamento dos serviços públicos, do Estado de Direito e da Democracia. Como dizia Barack Obama recentemente, o problema da esquerda é não ter percebido que não basta o “Woke”, o acordar, é preciso o “Walking”, o caminhar na construção de respostas num quadro de pluralismo, em que o compromisso não significa abdicar das convicções, mas convergir para as soluções.

É esquizofrénico ver gente a rasgar as vestes quando esteve, por ação ou por omissão face aos sinais, na origem dos problemas, colocando em cima da mesa apenas a reprodução de sempre dos quadros ideológicos e embarcando em populismos, instrumentalizações e comparações similares à da direita, no esforço de fustigar o poder pelo incendiar da praça pública e do espaço mediático. É poucochinho continuar a polarizar o debate político e a reflexão social, apenas pelo que tem expressão mediática ou nas redes sociais. E se a operação no Martim Moniz como as de tantas outras não tivesse tido exposição pública? Uma certa esquerda não pode continuar a fragilizar o exercício de funções do Estado como as que são desempenhadas pelas forças de segurança, sob pena de minar a autoridade democrática do Estado e transmitir a perceção de que as regras individuais e comunitárias existem para ser contornadas. Viver em comunidade implica regras, que todos temos de observar e o Estado não pode revelar o nível de falta de adesão à realidade das últimas décadas: não antecipa tendências, ignora os sinais de disfunção e não responde às realidades preventivamente. Até lá, mais chama, menos chama, é Natal. Um tempo de abrandamento de ritmos, de reencontros, de memórias dos que já cá não estão e de convívios em família. A todos um Feliz Natal, que a barganha política dos protagonistas de turno seguirá logo ao virar da esquina.

NOTAS FINAIS

CONTRADIÇÃO RODOVIÁRIA. São indecorosas a mortalidade rodoviária e as vidas que ficam maculadas pelas feridas graves em acidentes. E, no entanto, a deriva de redução da prevenção rodoviária da última década prossegue. A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária terá menos dinheiro em 2025 para prevenção. Sem alterar as causas e a ter mais prevenção rodoviária, continuaremos a aumentar a sinistralidade.

MILHÕES OLÍMPICOS. Há um processo eleitoral em curso para o Comité Olímpico de Portugal. É curioso o aparecimento de uma candidatura depois do anúncio de milhões de investimento no desporto de alto rendimento pelo governo. Milhões geram oportunidades e tentações. Que a futebolização do movimento, na calha, não prejudique a aposta nos atletas para melhores resultados.

O Natal dos incendiários políticos e sociais


Uma certa esquerda não pode continuar a fragilizar o exercício de funções do Estado como as que são desempenhadas pelas forças de segurança, sob pena de minar a autoridade democrática do Estado e transmitir a perceção de que as regras individuais e comunitárias existem para ser contornadas.


A polarização irresponsável instalou-se em todos os quadrantes políticos com a força de uma pandemia para a qual não existe, nem existirá vacina. É uma variante grave da falta de senso, de bom senso, que estava quase em rutura de stock, mas agora evaporou-se definitivamente com relevantes danos no deslaço social e no compromisso democrático, em que o Estado de Direito é apenas uma expressão. A deriva dos incendiários políticos e sociais, dos que não fizeram e dos que alegadamente estão a fazer, é desvirtuada pela ausência de foco central na construção de respostas aos desafios estruturais, que não se resolvem com proclamações ou mitigações das perceções mais ou menos generalizadas. Mais de oito meses depois da entrada em funções do atual governo, a vida em suspenso de milhares de imigrantes, atraídos para Portugal pela desregulação, pela impreparação para a integração e pelo quadro selvático de oportunidades, continua sem a resposta aos pedidos de autorização de residência ou a solicitações complementares. Por ação ou por omissão, Portugal está a tratar de quem precisa para as necessidades de mão-de-obra e quem se aproveita do quadro de relaxo instalado com a mesma displicência de integração com que milhares de portugueses se integraram nas comunidades noutras décadas. Não temos “Bidonvilles”, mas proliferam as “Camaratasvilles”. A diferença está no perfil dos imigrantes em causa e no compromisso destes com as regras com as comunidades de integração. Este é o ponto, para os imigrantes e para os residentes, impõe mínimos de humanismo, o cumprimento de regras vigentes e a monitorização dos contextos, para que não explodam as perceções generalizadas negativas para a coesão e o desenvolvimento do país.

São ridículos os aproveitamentos políticos do governo, sobretudo em comentários do primeiro-ministro, a operações das forças de segurança que resultam de critérios operacionais estabelecidos.

São vergonhosas as faltas de memória em relação a passados recentes de operações policiais nos territórios em causa ou à exigência de mais polícia na rua.

É inaceitável que a autoridade do Estado, pilar que assegura o pressuposto vital da segurança, possa ser exercitada apenas por via da exposição pública e mediática ao invés da sua projeção sustentada, discreta, quotidiana e eficaz, com matriz preventiva e repressiva quando se imponha, no respeito pelos direitos e liberdades. Constata-se uma indiferença em relação à atividade operacional corrente, por vezes com exiguidade de meios, e uma valorização das disfunções ou alegadas situações anormais no quadro da missão.

É miserável o ensaio de insinuação de que as forças de segurança estão ao serviço das orientações políticas do governo para combater o Chega e as perceções de falta de segurança das populações. No caso concreto, o Comandante Metropolitano da PSP de Lisboa, Superintendente Luís Elias, foi oficial de segurança do gabinete do primeiro-ministro António Costa, sendo um qualificadíssimo profissional. Era bom no passado, é mau na atualidade?

Neste como em tantos temas do quotidiano dos portugueses e do país, é preciso intervir nas causas e não vergastar apenas as consequências, sobretudo quando estas são residuais, como acontece na questão do acesso de imigrantes ao SNS. O foco nestes só serve para desviar a atenção das dificuldades e dos bloqueios de acesso da generalidade da população em diversos territórios do país. Há efetivamente um problema de desregulação, de perceção popular e de inconsistência das políticas seguidas ao longo dos anos para suprir problemas estruturais como o défice demográfico, a falta de mão-de-obra em diversos setores da economia nacional ou a crescente fragilização do nosso contrato social e do compromisso democrático.

Há muito boa gente que acha que o quadro ideológico de sempre, as proclamações de “agarrem-me que me vou a eles” e a verborreia dos ofendidos do debate político resolve alguma coisa. Não resolveram no passado das convergências à esquerda e não resolvem no atual quadro de direita. Podem continuar na gritaria parlamentar, partidária e política que sem respostas sustentadas, além dos fogachos simbólicos, os portugueses vão continuar a exigir soluções, a divergir das opções tradicionais e a ficarem cada vez mais cansados com o funcionamento dos serviços públicos, do Estado de Direito e da Democracia. Como dizia Barack Obama recentemente, o problema da esquerda é não ter percebido que não basta o “Woke”, o acordar, é preciso o “Walking”, o caminhar na construção de respostas num quadro de pluralismo, em que o compromisso não significa abdicar das convicções, mas convergir para as soluções.

É esquizofrénico ver gente a rasgar as vestes quando esteve, por ação ou por omissão face aos sinais, na origem dos problemas, colocando em cima da mesa apenas a reprodução de sempre dos quadros ideológicos e embarcando em populismos, instrumentalizações e comparações similares à da direita, no esforço de fustigar o poder pelo incendiar da praça pública e do espaço mediático. É poucochinho continuar a polarizar o debate político e a reflexão social, apenas pelo que tem expressão mediática ou nas redes sociais. E se a operação no Martim Moniz como as de tantas outras não tivesse tido exposição pública? Uma certa esquerda não pode continuar a fragilizar o exercício de funções do Estado como as que são desempenhadas pelas forças de segurança, sob pena de minar a autoridade democrática do Estado e transmitir a perceção de que as regras individuais e comunitárias existem para ser contornadas. Viver em comunidade implica regras, que todos temos de observar e o Estado não pode revelar o nível de falta de adesão à realidade das últimas décadas: não antecipa tendências, ignora os sinais de disfunção e não responde às realidades preventivamente. Até lá, mais chama, menos chama, é Natal. Um tempo de abrandamento de ritmos, de reencontros, de memórias dos que já cá não estão e de convívios em família. A todos um Feliz Natal, que a barganha política dos protagonistas de turno seguirá logo ao virar da esquina.

NOTAS FINAIS

CONTRADIÇÃO RODOVIÁRIA. São indecorosas a mortalidade rodoviária e as vidas que ficam maculadas pelas feridas graves em acidentes. E, no entanto, a deriva de redução da prevenção rodoviária da última década prossegue. A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária terá menos dinheiro em 2025 para prevenção. Sem alterar as causas e a ter mais prevenção rodoviária, continuaremos a aumentar a sinistralidade.

MILHÕES OLÍMPICOS. Há um processo eleitoral em curso para o Comité Olímpico de Portugal. É curioso o aparecimento de uma candidatura depois do anúncio de milhões de investimento no desporto de alto rendimento pelo governo. Milhões geram oportunidades e tentações. Que a futebolização do movimento, na calha, não prejudique a aposta nos atletas para melhores resultados.