‘MercaTinder’. Encontrar o amor no supermercado

‘MercaTinder’. Encontrar o amor no supermercado


A tendência de usar o ananás como um sinal de estar à procura de um relacionamento no supermercado Mercadona é uma prática recente e bastante específica. No entanto, a ideia de procurar o amor em supermercados não é totalmente nova e existem exemplos, inclusive em Portugal, de tentativas de encontrar um parceiro nas compras


A última tendência de encontros românticos na Península Ibérica é ir ao supermercado não para comprar comida, mas para encontrar potenciais parceiros. A cadeia de supermercados espanhola Mercadona parece ser o local mais popular para essas interações. Um vídeo no TikTok da atriz e comediante espanhola Vivy Lin, publicado a 20 de agosto e que já conta com 1,6 milhões de visualizações, trouxe o ‘segredo’ à tona. No vídeo, Lin observa que há pessoas no Mercadona a andar pelos corredores com carrinhos vazios, claramente não fazendo compras.

Nos comentários do vídeo, os utilizadores revelaram mais alegados detalhes sobre como ‘namorar’ no supermercado. No Mercadona, o melhor horário é entre as 19h e 20h. No Lidl, é das 18h às 19h e no El Corte Inglés o melhor horário é ao meio-dia, especificamente na secção de perfumes. Alguns utilizadores sugeriram o uso de itens de supermercado como sinais de intenções específicas. Por exemplo, um abacaxi de cabeça para baixo no carrinho indica que a pessoa está aberta a conhecer alguém. Outros produtos, como alface ou lentilhas, podem sugerir intenções mais específicas, como um encontro de uma noite ou algo a longo prazo. O equivalente a um ‘super like’ no Tinder seria chocar o seu carrinho contra o de alguém que acha interessante.

Este fenómeno também chegou a Portugal, onde a Mercadona está presente há cinco anos. Tags como o ‘truque do Mercadona’ estão a fazer sucesso nas redes sociais e o horário das 19h às 20h, bem como o sinal do abacaxi, também são aplicáveis nas lojas Mercadona em Portugal. Curiosamente, o abacaxi é um símbolo amplamente reconhecido na comunidade de swingers (casais que praticam swing). Quando exibido de cabeça para baixo, é usado como um sinal discreto para indicar que um casal está interessado em praticar swing ou está aberto a conhecer outros casais para esse tipo de interação. Este símbolo é utilizado para criar uma forma de comunicação não verbal que permite aos swingers se identificarem mutuamente em público sem chamar a atenção ou causar constrangimento.

Historicamente, o abacaxi é um símbolo de hospitalidade e boas-vindas, especialmente nos Estados Unidos. Tem sido usado como um símbolo de calor e generosidade em várias culturas, especialmente em decorações de casas e hotéis. A comunidade swinger pode ter adotado esse símbolo como uma forma amigável e não ameaçadora de expressar abertura a novas experiências sociais e relacionamentos. Para além dos supermercados, o símbolo também pode aparecer em decorações de casa, em festas privadas ou em roupas e acessórios, como camisas ou pulseiras. 

Mas a tendência de encontrar o amor em supermercados já existia antes da recente popularidade em torno da Mercadona. Supermercados e outros locais de compras têm sido vistos como lugares potenciais para conhecer pessoas e iniciar relacionamentos há muitos anos. Esta ideia baseia-se na premissa de que os supermercados são locais que as pessoas frequentam regularmente, tornando-os espaços naturais para interações casuais que podem levar a conexões românticas.

A tendência não é nova 

Nos EUA, por exemplo, foram realizados vários eventos de ‘supermercado para solteiros’ no início dos anos 2000. Durante esses eventos, os clientes eram incentivados a usar pulseiras de cores diferentes para indicar o seu status de relacionamento e participar em atividades e degustações especiais para promover a socialização entre solteiros. Em 2013, uma startup chamada ‘We Met At’ lançou uma aplicação que permitia que as pessoas fizessem check-in em locais como supermercados, cafés e outros estabelecimentos comerciais na esperança de facilitar encontros com outras pessoas que estavam a frequentar os mesmos lugares. A aplicação sugeria que locais comuns, como supermercados, eram ótimos para encontros casuais.

No Reino Unido, houve iniciativas de ‘Single’s Night’ em várias cadeias de supermercados, como o Tesco. Durante essas noites, os supermercados promoviam um ambiente de festa com música, bebidas e oportunidades para que solteiros se conhecessem enquanto faziam compras. Em 2015, a cadeia de supermercados alemã Edeka promoveu eventos especiais voltados para solteiros, onde incentivavam os clientes a usar um cesto de compras especial ou um adesivo para indicar que estavam interessados em conhecer outras pessoas. 

Em Portugal, a tendência de encontrar o amor em supermercados não é tão amplamente documentada como noutros países, mas existem alguns exemplos e práticas que refletem essa ideia de usar locais de compras como ambientes propícios para conhecer pessoas. Embora menos comum, houve iniciativas e eventos voltados para solteiros em supermercados e outros estabelecimentos comerciais. Por exemplo, alguns supermercados em Portugal já promoveram eventos especiais, como noites de degustação de vinhos, que acabam por ser oportunidades para solteiros se conhecerem em um ambiente social e descontraído. Mas, mais do que isso, foi promovida a ideia de que ir aos corredores dos vinhos a determinada hora permitia que as pessoas descomprometidas encontrassem o amor. Em algumas grandes cadeias de supermercados portuguesas, como o Continente e o Pingo Doce, há espaços dedicados a áreas de cafés e restauração, onde as pessoas não só fazem compras, mas também se reúnem para um café ou uma refeição rápida. Esses espaços podem naturalmente tornar-se locais de socialização, onde pessoas solteiras se conhecem e interagem de forma mais casual.

Mas o caso da Mercadona é quase de estudo. É que consiste na cadeia de supermercados que mais tem crescido em Portugal, segundo o estudo Shopper Insights 2023, da empresa de estudos de mercado Kantar Worldpanel. João Soares Barros, professor na Escola Superior de Comunicação Social do Instituto Politécnico de Lisboa) e autor do podcast ‘A Vida (Pouco) Secreta das Marcas’ começa por explicar, em declarações à LUZ, que a recente tendência de encontros românticos em supermercados, como o que ocorreu com a Mercadona, «é uma manifestação de uma procura mais ampla por experiências físicas e simples». Menciona que este fenómeno «está alinhado com uma tendência sociológica maior de retorno ao básico», na medida em que «as pessoas começam a ficar tão saturadas com a constante conectividade digital que começam a procurar coisas mais simples e físicas». O especialista considera «improvável» que a Mercadona tenha planeado estrategicamente a tendência de encontros nas suas lojas. «Eu diria que muito dificilmente isto é uma coisa pensada pela Mercadona», destaca. Adianta que a comunicação da Mercadona tradicionalmente não se alinha com esse tipo de abordagem e que a empresa é conhecida por uma comunicação mais familiar e conservadora.

O docente universitário comenta sobre como outras marcas, como o Lidl, estão a reagir à tendência. Segundo ele, as marcas frequentemente aproveitam situações e tendências atuais para promover as suas próprias mensagens. «É apenas uma situação normal, as marcas aproveitarem uma situação com alguma importância na vida das pessoas para introduzirem a sua própria marca», diz. Na ótica de João Soares Barros, a situação pode trazer tanto desafios quanto oportunidades para a marca. «A marca tem muito a ganhar em termos de notoriedade», observa. Também nota que, mesmo que haja um certo receio devido à falta de controlo sobre a situação, a Mercadona pode aproveitar a visibilidade para beneficiar a sua comunicação. Por fim, frisa que a tendência de encontros em supermercados pode refletir um desejo mais amplo de autenticidade e simplicidade na vida quotidiana. «Acho que o que nós estamos a ver com esta situação é uma procura do consumidor por coisas mais palpáveis e simples», conclui.

Trend viral: mais humor que real 

Quem vai ao encontro da perspetiva de João Soares Barros é Rita Oliveira, CEO da Shift, que trabalha com marcas como a Jerónimo Martins e a HBO. «A tendência de associar o Mercadona a um ‘novo Tinder’  surgiu espontaneamente, aparentemente, e sem envolvimento direto da marca. E esta, até agora, não tem enfrentado repercussões negativas. Na verdade, o fenómeno tem sido visto de forma positiva, e as pessoas têm encarado isto com humor e leveza», começa por afirmar, em entrevista à LUZ, frisando que não viu quaisquer críticas negativas nas redes sociais.

A especialista destaca que o marketing orgânico refere-se a conteúdos e fenómenos que se espalham naturalmente através da participação e partilha dos consumidores, sem a intervenção direta da marca, enquanto o marketing planeado envolve estratégias deliberadas para promover uma marca ou produto. «O fenómeno do Mercadona é um exemplo de marketing orgânico, onde a marca não planeou diretamente, mas acabou por beneficiar do buzz gerado espontaneamente», destaca. «Como qualquer fenómeno viral, o interesse pode diminuir com o tempo. O entusiasmo atual pode eventualmente passar, mas enquanto isso durar, a Mercadona beneficia da atenção positiva», indica.

Comparações com desafios virais passados, como o Ice Bucket Challenge, mostram que tais fenómenos têm uma vida útil limitada, mas podem deixar uma marca duradoura em termos de visibilidade. «Há um debate sobre se o Mercadona deveria ou não capitalizar sobre este fenómeno. Aproveitar a tendência pode ser benéfico, mas é essencial que a marca mantenha a sua autenticidade e coerência com os seus valores», sublinha. «Este fenómeno mostra como as experiências digitais podem ser facilmente traduzidas para a vida real, especialmente para as gerações mais jovens que estão mais conectadas e engajadas com as redes sociais. As pessoas sentem-se atraídas por experiências que podem facilmente partilhar e vivenciar, o que pode explicar a rápida disseminação do fenómeno», finaliza.

A LUZ também teve a oportunidade de falar com Rafael Araque Padilla, Professor Titular do Departamento de Administração de Negócios e que exerceu o cargo de Coordenador do Programa de Doutoramento em Inclusão e Desenvolvimento Sustentável na Universidade Loyola Andaluzia (2017-agosto de 2024), em Espanha. «Tendências como esta sempre tendem a despertar ceticismo e dúvidas. As pessoas sempre associarão as mesmas a táticas mais ou menos ocultas, como pagar a influenciadores para divulgar as marcas nas redes sociais, visando ganhos comerciais», explicita, dizendo que dois aspectos devem ser diferenciados.

«Primeiro, quando uma marca encontra esse tipo de tendência (lembremo-nos também do “caso Shakira e Piqué”, onde marcas como Casio, Rolex, Twingo e Ferrari de repente se reposicionaram). Nesses casos, é crucial não saltar de cabeça para os fenómenos, tentando vender produtos diretamente. Em vez disso, é essencial gerir e facilitar a experiência se for positiva. Em segundo lugar, quando a marca cria estas experiências, a mesma deve estar alinhada com os valores da marca e dos consumidores. Caso contrário, tudo parecerá muito mais falso e oportunista», diz o especialista que se dedica ao estudo e ao ensino de áreas como Fundamentos do Marketing, Macromarketing, Marketing e Desenvolvimento e Ética em Marketing. Atualmente, é membro do grupo de pesquisa Marketing For Society da Universidade Loyola Andaluzia.

«Acredito que esta tendência desaparecerá gradualmente. Foi impulsionada por dois fatores principais: o imediatismo do TikTok e a temporada de férias. São principalmente os mais jovens que estão envolvidos nesta tendência. No entanto, oferece uma lição importante para as empresas estratégias de marketing: conectar uma marca com experiências relevantes para o público-alvo. E isso é algo que qualquer marca poderia aplicar», sublinha o docente universitário. «Hoje, não se trata apenas de vender produtos, mas também de vender experiências, às vezes totalmente não relacionadas com o produto em si. As marcas devem estudar o seu público-alvo de forma mais aprofundada, a um nível mais humano, e descobrir aquilo que o move, preocupa ou que o faz feliz. Este não é um conceito novo, mas tendências como esta trazem o mesmo de volta», destaca.

«O principal risco é que esta tendência possa potencialmente ‘incomodar’ outros clientes, fazendo com que parem de comprar na loja ou pode impedir a entrada de novos clientes. É essencial gerir esses possíveis aborrecimentos, fornecendo aos clientes opções alternativas. Conheço muitos casos em que clientes mudaram o horário em que fazem as suas compras. Ações promocionais também podem ser consideradas para quem faz compras durante a ‘hora do Tinder’», acrescenta Rafael Padilla.

Relativamente às reações das outras marcas, o professor é claro: «Copiar é inútil. Cada marca precisa de encontrar as experiências que permitem que se conectem emocionalmente com os seus consumidores, oferecendo algo significativo além dos produtos que vendem. Simplesmente contar histórias já não é suficiente – as pessoas querem vivê-las», conclui.