Na natureza o tempo geológico é medido em milhões de anos. É nesta escala temporal que os processos geológicos necessários para a geração dos recursos minerais e energéticos, que utilizamos diariamente, acontecem. Se durante a nossa existência assistimos ao consumo, e potencial extinção, destes recursos, não dispomos de tempo de vida suficiente para observar a totalidade da sua geração. O que sabemos sobre estes processos, os modelos geológicos existentes, são resultantes da interpretação e modelação de observações diretas e indiretas da subsuperfície e de observações parciais da génese destes fenómenos. A criação de representações computacionais realistas destes processos é um tópico central de investigação na área da engenharia de recursos minerais e energéticos pois permite otimizar a gestão destes recursos nas suas várias dimensões.
O impacto produzido pelos modelos profundos e generativos de aprendizagem estatística (em inglês deep generative machine learning) não está limitado à sua utilização em assistentes pessoais ou em ferramentas semelhantes ao ChatGPT. De forma simples e geral, modelos profundos e generativos de aprendizagem estatística permitem criar informação, como por exemplo texto, imagens ou representações geológicas, a partir de um conjunto de dados de treino onde se observem as características que se pretendem reproduzir. Este conjunto de ferramentas computacionais impacta não apenas as áreas mencionadas acima, e o modo como nos relacionamos com a tecnologia, mas representa também uma transformação em curso nas áreas relacionadas com a geração de modelos representativos da porção do nosso planeta que se encontra debaixo dos nossos pés.
Os desafios relacionados com a modelação de processos geológicos têm características intrinsecamente diferentes dos problemas de aplicação deste tipo de métodos de aprendizagem profunda para análise e previsão de texto, imagens ou de séries temporais. Os dados geo-espaciais, que correspondem a medições diretas e indiretas da subsuperfície, são mais escassos que os utilizados no treino dos grandes modelos de linguagem, são espacialmente estruturados nas três dimensões do espaço e a sua variabilidade é elevada, todos sabemos o quanto a natureza nos consegue surpreender. Do mesmo modo que os modelos transformadores pré-treinados generativos (GPT em inglês) fizeram avançar muito rapidamente os modelos de linguagem de grande escala, as redes generativas adversarias, e mais recentemente os modelos de difusão, transformam a capacidade de geocientistas e engenheiros de recursos minerais e energéticos em produzir modelos da subsuperfície capazes de integrar e pesar múltiplas fontes de informação e, igualmente relevante, reproduzir padrões espaciais de acordo com o conhecimento geológico de uma determinada região. Comparativamente a técnicas de modelação espacial clássicas, estes novos modelos generativos são mais flexíveis, permitem a assimilação de um maior número de dados e permitem obter resultados de forma rápida uma vez treinados.
Na prática, este novo conjunto de ferramentas é altamente relevante em tópicos relacionados com a geo-energia e a prospeção e exploração de recursos minerais e energéticos. Nos projetos de investigação e desenvolvimento a decorrer no Departamento de Engenharia de Recursos Minerais e Energéticos do Instituto Superior Técnico modelos de aprendizagem profunda do tipo generativo são utilizados para criar múltiplos cenários da subsuperfície de forma a avaliar a incerteza associada às previsões espaciais de um determinado recurso e consequentemente à avaliação do risco associado à tomada de uma decisão sobre esse recurso. Qual decisão? Por exemplo, otimizar a sequência de recolha de amostras de uma determinada área alvo tendo em conta simultaneamente fatores económicos, sociais e ambientais.
Estes novos desenvolvimentos, não substituem o engenheiro de recursos minerais e energético, mas equipam-nos com um novo conjunto de ferramentas que contribui para os objetivos do desenvolvimento sustentável das nações unidas e para a estratégia da união europeia sobre os recursos minerais críticos e estratégicos essenciais à transição digital e energética.
Professor do Instituto Superior Técnico e presidente do Centro de Recursos Naturais e Ambiente CERENA