As campanhas e as envolvências no Médio Oriente


Os EUA procuram agora por uma estratégia mais geral de consolidação e adaptação do seu poder face à realidade existente, nomeadamente na guerra entre Israel e o Hamas e as ameaças crescentes de um Irão expansionista e perigoso para a paz em toda a região. 


Os conflitos no Médio Oriente preenchem a atenção diária do nosso espaço mediático. Dividem opiniões e exacerbam conceitos e motivações. A obtenção da paz e a segurança regional continuam a ser os desígnios maiores do sistema internacional. Mas todas estas ambições estão rodeadas de incertezas, de equívocos e interesses vários e dependentes das múltiplas “campanhas” em curso. Vejamos então em modo sintetizado, as campanhas em causa, explicitando que para este  entendimento: campanha é um – “conjunto de ações, esforços e recursos para atingir um fim” in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.

Quanto à campanha geopolítica, o Médio Oriente contém um vasto conjunto de idiossincrasias internas que o caraterizam e identificam como um espaço geopolítico de elevada complexidade de interesses. Os atuais constrangimentos e dissensões que vivemos nos dias de hoje são fruto dessa realidade e difíceis de ultrapassar. A questão palestiniana é o ponto focal das estratégias de todos os atores regionais e na prática o elo maior que ainda estimula o entendimento nos Estados Árabes e Muçulmanos. As grandes potências exteriores à região que a dominaram no passado, as que ainda exercem influência direta, e as que pretendem vir a exercer, apresentam hoje realidades políticas diferenciadas nas estratégias que pretendem adotar.

Os Estados Unidos (EUA) procuram agora por uma estratégia mais geral de consolidação e adaptação do seu poder face à realidade existente, nomeadamente na guerra entre Israel e o Hamas e as ameaças crescentes de um Irão expansionista e perigoso para a paz em toda a região. Uma guerra que os EUA não previram e ameaças que de algum modo desvalorizaram. Assumem uma estratégia de empenhamento moderado como potência dominante na região, quer em termos geoeconómicos, quer na componente militar. A atual diplomacia cooperativa protagonizada pelo Secretário de Estado Antony Blinken, é disso exemplo.

Por seu lado, a Rússia e a China mantêm uma política de afastamento tático, não deixando de delimitar os seus interesses diretos e convenientes em toda a região. Ambas procuram sair vencedoras de um jogo em que “correm por fora.” A Europa por seu lado, deseja mostrar-se ativa e desejada na região, mas sem grande sucesso. As suas divergências internas e históricas no conflito palestiniano, a falta de coordenação e capacidade de afirmar objetivos consequentes, retiram-lhe influência e credibilidade nas políticas do Médio Oriente. As recentes propostas para a paz protagonizadas por Josep Borrell, foram uma demonstração reconhecida de pouca convicção e interesse, apenas e tão só uma página para ficar registada na história dos insucessos da ausente diplomacia externa da União Europeia. A Europa precisa, acima de tudo, definir e concentrar o foco das suas atenções geopolíticas na resolução da guerra que se vive na Europa, entre a Ucrânia e o invasor Russo, e na desejada afirmação de uma política externa e de segurança e defesa credível.

Relativamente às campanhas de política interna, as atuais disputas democráticas serão determinantes no desenvolvimento das estratégias a adotar para a região. O resultado das eleições nos Estados Unidos marcadas para 5 de novembro deste ano, irão determinar o comportamento geopolítico dos EUA na ordem global dos próximos anos e a sombra de Donald Trump não deixa já de dominar todos os cenários. No Médio Oriente, na Europa, e até na Ásia-Pacífico. Também as próximas eleições para o Parlamento Europeu, e a nomeação para os órgãos de topo da União Europeia, podem condicionar novas estratégias políticas, se bem que estas, com muito menor impacto.

As eleições em Israel são também elas determinantes, não só nas políticas internas de Israel, mas condicionantes de todos os desenvolvimentos na Palestina e na própria segurança regional. A política partidária interna e os debates políticos que se avizinham irão ser muito radicalizados e disputados, com o surgimento de novos protagonistas e de diversas coligações. Os possíveis sucessores do contestado primeiro-ministro Benjamim Netanyahu e líder do partido de direita Likud no governo de coligação, começam já a movimentar-se (Nir Barkat, Israel Katz, Yoav Gallant ou mesmo Yuli Edelstein). Surgem também novas alternativas à esquerda e à direita. Mas Benny Gantz do National Unity (centro) que vai à frente em todas as sondagens, e Yair Lapid do Yesh Atid (centro/esquerda), assim como Gadi Eisenkot serão sempre nomes fortes nesta disputa. Os partidos e alianças ultraortodoxos de extrema-direita (liderada pelos atuais ministros Bezabel Smotrich, Itamar Ben-Gvir (Religious Zionist) e ainda Avigdor Lieberman (Yisrael Beitenu) e Aryeh Deri (Shas) opositores a qualquer solução de dois Estados, irão continuar a ter uma forte representação no Knesset. Tudo estará em equação nestas eleições. Desde as responsabilidades sobre o 7 de outubro, ao drama dos reféns e prisioneiros, à longa questão palestiniana, os conflitos com o Hezbollah no Sul do Líbano e a ameaça crescente do Irão. Mas acima de tudo, o debate alargado de como reforçar e manter a partir daqui, a segurança e a defesa do Estado do Israel.

Por outro lado nenhuma das grandes potências da região, Arábia Saudita e países do Golfo, Egito, Turquia e Irão apresentam problemas visíveis de sucessão ou alteração do seu quadro político e institucional, apesar de todas as perturbações vigentes. No Líbano, na Síria, no Iraque e no Iémen, o atual caos político, económico e social serve quase todos os interesses regionais em disputa. O Líbano dividido e dilacerado económica e socialmente, e terra fértil para as atividades militares ofensivas do Hezbollah, procura há mais de um ano um presidente que se adapte aos interesses dos diferentes grupos políticos do país. O Catar e o Egito, em coordenação com os Estados Unidos, saem reforçados na qualidade assumida de intermediários para as etapas de cessar-fogo já estabelecidas, e outras ainda, desejavelmente a implementar na Faixa de Gaza.

As campanhas militares seguem por norma as diretrizes das decisões políticas emanadas pelos Estados ou diretórios políticos, mas apresentam estratégias militares e lógicas próprias, que muitas vezes escapam ao espaço mediático. Nenhum destes conflitos é novo no sistema internacional. Nem as suas origens, as fundamentações e os objetivos a atingir. Nem tão pouco são inesperadas as reações da comunidade internacional. O drama das batalhas e a lógica da guerra obrigam a que se articulem os espaços adequados à consagração da paz e ao aliviar do sofrimento das populações envolvidas, assim como à garantia da segurança mais geral dos Estados e das pessoas. As guerras não duram sempre. Mesmo no Médio Oriente.

 

Eduardo Caetano de Sousa – Coronel e especialista em geopolítica

Eduardo Caetano de Sousa | LinkedIn

As campanhas e as envolvências no Médio Oriente


Os EUA procuram agora por uma estratégia mais geral de consolidação e adaptação do seu poder face à realidade existente, nomeadamente na guerra entre Israel e o Hamas e as ameaças crescentes de um Irão expansionista e perigoso para a paz em toda a região. 


Os conflitos no Médio Oriente preenchem a atenção diária do nosso espaço mediático. Dividem opiniões e exacerbam conceitos e motivações. A obtenção da paz e a segurança regional continuam a ser os desígnios maiores do sistema internacional. Mas todas estas ambições estão rodeadas de incertezas, de equívocos e interesses vários e dependentes das múltiplas “campanhas” em curso. Vejamos então em modo sintetizado, as campanhas em causa, explicitando que para este  entendimento: campanha é um – “conjunto de ações, esforços e recursos para atingir um fim” in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.

Quanto à campanha geopolítica, o Médio Oriente contém um vasto conjunto de idiossincrasias internas que o caraterizam e identificam como um espaço geopolítico de elevada complexidade de interesses. Os atuais constrangimentos e dissensões que vivemos nos dias de hoje são fruto dessa realidade e difíceis de ultrapassar. A questão palestiniana é o ponto focal das estratégias de todos os atores regionais e na prática o elo maior que ainda estimula o entendimento nos Estados Árabes e Muçulmanos. As grandes potências exteriores à região que a dominaram no passado, as que ainda exercem influência direta, e as que pretendem vir a exercer, apresentam hoje realidades políticas diferenciadas nas estratégias que pretendem adotar.

Os Estados Unidos (EUA) procuram agora por uma estratégia mais geral de consolidação e adaptação do seu poder face à realidade existente, nomeadamente na guerra entre Israel e o Hamas e as ameaças crescentes de um Irão expansionista e perigoso para a paz em toda a região. Uma guerra que os EUA não previram e ameaças que de algum modo desvalorizaram. Assumem uma estratégia de empenhamento moderado como potência dominante na região, quer em termos geoeconómicos, quer na componente militar. A atual diplomacia cooperativa protagonizada pelo Secretário de Estado Antony Blinken, é disso exemplo.

Por seu lado, a Rússia e a China mantêm uma política de afastamento tático, não deixando de delimitar os seus interesses diretos e convenientes em toda a região. Ambas procuram sair vencedoras de um jogo em que “correm por fora.” A Europa por seu lado, deseja mostrar-se ativa e desejada na região, mas sem grande sucesso. As suas divergências internas e históricas no conflito palestiniano, a falta de coordenação e capacidade de afirmar objetivos consequentes, retiram-lhe influência e credibilidade nas políticas do Médio Oriente. As recentes propostas para a paz protagonizadas por Josep Borrell, foram uma demonstração reconhecida de pouca convicção e interesse, apenas e tão só uma página para ficar registada na história dos insucessos da ausente diplomacia externa da União Europeia. A Europa precisa, acima de tudo, definir e concentrar o foco das suas atenções geopolíticas na resolução da guerra que se vive na Europa, entre a Ucrânia e o invasor Russo, e na desejada afirmação de uma política externa e de segurança e defesa credível.

Relativamente às campanhas de política interna, as atuais disputas democráticas serão determinantes no desenvolvimento das estratégias a adotar para a região. O resultado das eleições nos Estados Unidos marcadas para 5 de novembro deste ano, irão determinar o comportamento geopolítico dos EUA na ordem global dos próximos anos e a sombra de Donald Trump não deixa já de dominar todos os cenários. No Médio Oriente, na Europa, e até na Ásia-Pacífico. Também as próximas eleições para o Parlamento Europeu, e a nomeação para os órgãos de topo da União Europeia, podem condicionar novas estratégias políticas, se bem que estas, com muito menor impacto.

As eleições em Israel são também elas determinantes, não só nas políticas internas de Israel, mas condicionantes de todos os desenvolvimentos na Palestina e na própria segurança regional. A política partidária interna e os debates políticos que se avizinham irão ser muito radicalizados e disputados, com o surgimento de novos protagonistas e de diversas coligações. Os possíveis sucessores do contestado primeiro-ministro Benjamim Netanyahu e líder do partido de direita Likud no governo de coligação, começam já a movimentar-se (Nir Barkat, Israel Katz, Yoav Gallant ou mesmo Yuli Edelstein). Surgem também novas alternativas à esquerda e à direita. Mas Benny Gantz do National Unity (centro) que vai à frente em todas as sondagens, e Yair Lapid do Yesh Atid (centro/esquerda), assim como Gadi Eisenkot serão sempre nomes fortes nesta disputa. Os partidos e alianças ultraortodoxos de extrema-direita (liderada pelos atuais ministros Bezabel Smotrich, Itamar Ben-Gvir (Religious Zionist) e ainda Avigdor Lieberman (Yisrael Beitenu) e Aryeh Deri (Shas) opositores a qualquer solução de dois Estados, irão continuar a ter uma forte representação no Knesset. Tudo estará em equação nestas eleições. Desde as responsabilidades sobre o 7 de outubro, ao drama dos reféns e prisioneiros, à longa questão palestiniana, os conflitos com o Hezbollah no Sul do Líbano e a ameaça crescente do Irão. Mas acima de tudo, o debate alargado de como reforçar e manter a partir daqui, a segurança e a defesa do Estado do Israel.

Por outro lado nenhuma das grandes potências da região, Arábia Saudita e países do Golfo, Egito, Turquia e Irão apresentam problemas visíveis de sucessão ou alteração do seu quadro político e institucional, apesar de todas as perturbações vigentes. No Líbano, na Síria, no Iraque e no Iémen, o atual caos político, económico e social serve quase todos os interesses regionais em disputa. O Líbano dividido e dilacerado económica e socialmente, e terra fértil para as atividades militares ofensivas do Hezbollah, procura há mais de um ano um presidente que se adapte aos interesses dos diferentes grupos políticos do país. O Catar e o Egito, em coordenação com os Estados Unidos, saem reforçados na qualidade assumida de intermediários para as etapas de cessar-fogo já estabelecidas, e outras ainda, desejavelmente a implementar na Faixa de Gaza.

As campanhas militares seguem por norma as diretrizes das decisões políticas emanadas pelos Estados ou diretórios políticos, mas apresentam estratégias militares e lógicas próprias, que muitas vezes escapam ao espaço mediático. Nenhum destes conflitos é novo no sistema internacional. Nem as suas origens, as fundamentações e os objetivos a atingir. Nem tão pouco são inesperadas as reações da comunidade internacional. O drama das batalhas e a lógica da guerra obrigam a que se articulem os espaços adequados à consagração da paz e ao aliviar do sofrimento das populações envolvidas, assim como à garantia da segurança mais geral dos Estados e das pessoas. As guerras não duram sempre. Mesmo no Médio Oriente.

 

Eduardo Caetano de Sousa – Coronel e especialista em geopolítica

Eduardo Caetano de Sousa | LinkedIn