História com muitas versões

História com muitas versões


A reunião secreta e a sucessão de episódios bizarros no Ministério das Infraestruturas quase ditaram a saída de João Galamba. Eis a história de uma demissão na forma tentada.


O caso que abalou o Ministério das Infraestruturas na última semana é uma história com várias versões e calendários. Na origem da polémica está a informação prestada à comissão parlamentar de inquérito (CPI) à tutela política da gestão da TAP e as notas da reunião secreta de 17 de janeiro entre a então CEO da companhia aérea, Christine Ourmières-Widenere, e membros do Governo e do grupo parlamentar do PS. O desfecho é o que se conhece: um adjunto exonerado com acusações de agressões e um ministro fragilizado, mas que o primeiro-ministro escolheu segurar, contra a posição declarada do Presidente da República.

A 17 de janeiro – praticamente duas semanas após João Galamba ter tomado posse como ministro das Infraestruturas –, um deputado do PS (Carlos Pereira), a CEO da TAP e membros de dois Ministérios (Infraestruturas e Assuntos Parlamentares) juntavam-se para uma reunião preparatória, na véspera de Christine Ourmières-Widener ser ouvida na comissão parlamentar de Economia. Dois meses e meio depois, o encontro foi tornado público durante a audição da gestora já na CPI, levantando uma onda de suspeição sobre a eventualidade de ter havido combinação de perguntas ou estratégias, entre Executivo, PS e TAP.

Nos dias que se seguiram foi feito um levantamento de toda a informação referente à reunião secreta e, a 6 de abril, um comunicado do Ministério das Infraestruturas veio contrariar a tese de que a iniciativa de realizar a reunião teria partido do gabinete de Galamba, como tinha revelado Christine Ourmières-Widener. Na altura, o ministro argumentou que foi informado, em 16 de janeiro, que a TAP tinha interesse em participar na reunião do dia seguinte com o grupo parlamentar do PS e que «não se opôs».

O que não se sabia é como é que a presidente da TAP tinha tido conhecimento de que a reunião ia realizar-se. Este foi o primeiro passo em falso, porque, agora, sabe-se que houve uma outra reunião, no dia 16 de janeiro, onde o próprio ministro terá informado a gestora francesa de que iria haver uma reunião no dia seguinte com o deputado do PS que a iria inquirir na comissão de Economia, a propósito do caso da indemnização de Alexandra Reis.

Mas os problemas não ficaram por aqui, pois é a partir desse levantamento que se começam a ver os primeiros percalços dentro do gabinete de João Galamba e é aqui que as versões divergem. Frederico Pinheiro alega que informou logo o ministro de que tinha apontamentos da reunião e que essas notas provavam que «tinham sido articuladas perguntas a serem efetuadas pelo GPPS e tinham sido referidas as respostas e a estratégia comunicacional da CEO da TAP» – precisamente aquilo que a oposição acusava o Governo de ter feito. Mais: Frederico Pinheiro diz que «ficou indicado que, em caso de requerimento pela comissão parlamentar de inquérito, as notas não seriam partilhadas por serem um documento informal».

A 12 de abril, um ofício do Parlamento confrontou o Ministério das Infraestruturas com um conjunto de questões, entre as quais constava uma pergunta sobre a existência de notas do encontro.

No último dia do prazo, que era até dia 24 de abril, o Ministério das Infraestruturas preparava-se para responder à CPI que não havia notas da reunião. Na versão de Frederico Pinheiro, este terá reiterado que tinha notas e que, por isso, não podiam dar aquela resposta à CPI.

Já a versão de João Galamba é outra e alegadamente há testemunhas: depois de questionado várias vezes sobre a existência de notas escritas, o adjunto terá dito sempre que não tinha notas e que não se recordava do que se tinha passado.

De acordo com o ministro, só no último dia do prazo de resposta à solicitação da CPI é que Frederico Pinheiro terá transmitido que tinha notas pessoais, «contrariando a informação dada anteriormente».

Durante a tarde de dia 24, as referidas notas terão sido pedidas a Frederico Pinheiro, para serem remetidas ao Parlamento. Mas o adjunto não as enviou, o que levou o gabinete de Galamba a solicitar a prorrogação do prazo – até 26 de abril – para o envio dos elementos em falta e para que o Ministério «não incorresse num crime».

A marcação a Frederico Pinheiro para o envio dos apontamentos prossegue no dia 25 de abril e perante o silêncio do adjunto, o ministro envia-lhe uma mensagem: «Como é que tu te lembras que tens notas um mês depois da reunião em que a Eugénia [Correia, chefe de gabinete] pediu tudo o que havia sobre a reunião com o grupo parlamentar??? E por causa disso tivemos de pedir prorrogação do prazo para envio de documentos».

Só ao final da noite de terça-feira é que Frederico Pinheiro envia as notas por email, sem explicar a demora. Na quarta-feira, último dia do prazo, toda a documentação pedida pela CPI é enviada aos deputados e ao início da noite, quando João Galamba regressa a Lisboa de uma viagem oficial a Singapura, telefona a Frederico Pinheiro a informá-lo da sua exoneração devido a «comportamentos incompatíveis com os deveres e responsabilidades» inerentes às funções de adjunto. No entender do ministro, o adjunto tinha mentido quanto à existência de notas, numa primeira fase, e depois tinha tentado que o ministro incorresse num crime ao mentir à CPI. O Nascer do SOL tentou contactar Frederico Pinheiro, mas não conseguiu uma reação.

Nessa mesma chamada, Frederico Pinheiro terá sido informado de que estava proibido de entrar no Ministério das Infraestruturas. Instruções que não acatou, tendo nessa mesma noite ido ao gabinete para recuperar o seu computador portátil alegando que ainda era seu antes da exoneração formal. É aí que as assessoras, adjuntas e a chefe de gabinete entram em ação e o tentam travar. Fechado no edifício e impedido de sair, Frederico Pinheiro terá alegadamente partido para a agressão e, segundo relatos que chegaram à imprensa, terá até arremessado uma bicicleta contra a fachada de vidro do Ministério, levando o resto da equipa a refugiar-se na casa de banho e a chamar a PSP, com receio de mais confrontos.

Sem conseguir sair, Frederico Pinheiro também contactou a PSP – com quem acabou por deixar o local, já com o computador em sua posse.

Já ao corrente do sucedido, o ministro terá tentado ligar ao primeiro-ministro, António Costa, que estava a conduzir e não atendeu, explicou Galamba na conferência de imprensa no dia 29. Tentou depois falar com o secretário de Estado Adjunto, António Mendonça Mendes, que estava ao lado do secretário de Estado da Modernização Administrativa, Mário Campolargo. Segundo Galamba, foi-lhe indicado que contactasse a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro. E é desse contacto que sai a ideia de reportar a ocorrência ao Serviço de Informações e Segurança (SIS). É então que o Ministério das Infraestruturas aciona o SIS, por poder estar em causa o roubo de um computador do Estado com «documentos classificados pelo gabinete nacional de segurança». Galamba também usou como justificação o facto de a PSP ter permitido que Frederico Pinheiro saísse das instalações com o computador.

Em declarações ao Observador, a PSP escusou-se de comentar tal atuação, mas, ao Nascer do SOL, fonte ligada ao processo afirma que aquela Polícia foi silenciada pelo próprio Governo.

 O portátil terá sido recuperado na via pública pelo SIS, que o entregou ao Ceger (Centro de Gestão da Rede Informática do Governo). Mas seria precisamente o envolvimento do SIS que levantaria problemas a João Galamba, tendo a oposição questionado o enquadramento legal para que os serviços de informações pratiquem atos próprios de entidades com funções policiais.

A pressão para um afastamento de Galamba do Governo ia em crescendo e, logo no sábado, o Presidente da República falou com o primeiro-ministro, que estava no estrangeiro. A primeira reação de António Costa ao caso só surge na segunda-feira, dia 1 de maio, à noite. Ao aterrar no aeroporto de Lisboa, em declarações à RTP, sai em defesa do seu ministro antes de anunciar que se vão encontrar na manhã do dia seguinte. E assim foi.

Costa e Galamba reuniram em São Bento pelas 10h de terça-feira e cerca de uma hora e meia depois o ministro saiu da residência oficial do primeiro-ministro sem certezas sobre o seu futuro. As horas que se seguiram foram de total suspense, com as movimentações entre São Bento, o Ministério das Infraestruturas e Belém a serem controladas ao minuto.

Cerca de duas horas depois de o primeiro-ministro e o Presidente da República terem reunido, sem que tenha havido qualquer fuga de informação, eis que ao final da tarde cai nas redações um comunicado do Ministério das Infraestruturas a dar conta de que João Galamba tinha apresentado a demissão a António Costa.

O desfecho do caso só se daria já perto das 21h, quando o primeiro-ministro assume que recusou o pedido de demissão de João Galamba e que já teria informado Marcelo da decisão.