Dizia alguém em conversa para outra pessoa que, este ano, as luzes da árvore de Natal só estavam acesas até ao momento em que as crianças iam para a cama. O resto da noite era passado sem aquele piscar de luzes multicolores, tão próprio desta época. A resposta não se fez tardar e do outro lado, em tom de lamento a roçar a inevitabilidade, ficou a saber-se que o aquecimento central ainda não tinha sido ligado desde que o outono começara. Não só porque as temperaturas ainda não tinham sido muito baixas, mas, acima de tudo, porque há quem não queira correr do risco de colapsar ao receber a conta da eletricidade.
Ainda não saíram os dados da SIBS (Sociedade Interbancária de Serviços) que reportam o volume de transações realizadas através de pagamentos eletrónicos que se efetuaram no período do Natal e que todos os anos se analisam face ao período homólogo do ano anterior. Todavia, o IPAM (Instituto Português de Administração de Marketing) revelou um estudo sobre os impactos da crise económica global nas compras de Natal dos portugueses e concluiu que o valor médio a gastar desceu cerca de 20 euros, para 377 euros, relativamente ao Natal de 2021.
Mas afinal, o que está a acontecer aos portugueses?
Neste Natal, foram várias as famílias que reduziram os gastos nos produtos alimentares específicos de Natal, optando por soluções mais económicas em vez de cumprirem a tradição. Outras, à semelhança do que se viu nas ruas, encolheram o orçamento para as decorações alusivas a esta época, de forma a não faltar o mais importante na mesa da Consoada e não se cortar nos presentes imprescindíveis. Sim, porque até a lista de presentes diminuiu e presenteou-se quem não podia deixar de ser presenteado, num gesto de agradecimento ou de ternura.
O trânsito de Natal não deu ares da sua graça, como acontece todos os anos, a partir do final do mês de novembro, em que os acessos às grandes superfícies comerciais entopem as artérias circundantes, impossibilitando a circulação na cidade, mesmo que fora das horas de ponta.
Dizem que o Centro Comercial Colombo estava a abarrotar na semana de Natal, mas eu que andei pelo El Corte Inglès e pelo Centro Comercial das Amoreiras, posso dizer que nunca tinha testemunhado tamanha tranquilidade nestes espaços em semana que se adivinhava caótica.
A cidade de Lisboa parece a cidade dos dias de janeiro, com as ruas sem movimento, lugares de estacionamento disponíveis em qualquer ponto da cidade, mesmo nos mais improváveis, restaurantes meio-cheios à hora de almoço e as lojas sem clientes lá dentro. Pergunto se todos terão escolhido estas semanas para tirar uns dias de férias para fazer uma viagem ou para irem ao encontro das suas famílias para celebrar as festas. A verdade é que o ambiente está estranho… as pessoas estão estranhas, receosas e vergadas, como se carregassem um peso invisível que as limitasse no andar.
O Governo, pelo contrário, anda efusivo e em celebração. Quem não ficou aparvalhado com as imagens deste executivo a apresentar cumprimentos no Palácio de Belém ao Presidente da República? As risadas, a euforia daquela irmandade que se reencontrou na mesma sala, a conversa solta que pairava no ar e aqueles rostos satisfeitos, característicos de indivíduos a quem a vida corre bem. Não há um pingo de sensibilidade pelas dificuldades que os portugueses atravessam, ou será que este Governo, quando tem que passar um cheque às famílias mais desfavorecidas nas vésperas do dia 24 de dezembro, não compreende que está a fazer algo de muito errado? Não pelo cheque que emite, mas pela incapacidade que demonstra em providenciar autonomia financeira a estas famílias.
Desengane-se quem vê bondade e generosidade nestas esmolas que vão entrando nas contas bancárias de quem tem necessidades acrescidas, ou que aparecem na caixa de correio em forma de cheque. Isto não é mais do que má gestão, má governação. Em vez de criar condições para que haja prosperidade e desenvolvimento, este Governo e os anteriores têm atrofiado a economia e comprometido qualquer crescimento social e económico, de tal forma que grande parte da população portuguesa só subsiste à conta de apoios do Estado, sem gerar um cêntimo que seja para o nosso PIB (Produto Interno Bruto).
Os portugueses andam cheios de medo… mas não é da guerra. Têm medo de perder as prestações sociais que vão sendo distribuídas sem nenhum retorno. Esta complacência displicente de que somos alvo, depaupera-nos enquanto cidadãos, enfraquece-nos enquanto trabalhadores, envergonha-nos enquanto portugueses e castra-nos na nossa dignidade.
Que o próximo ano seja um ano com mais ambição, brio e coragem. Porque nós, portugueses, conseguimos dar a volta, se acordarmos a tempo deste marasmo de miserabilismo que deixámos abater-se sobre nós. Esta é a nossa guerra, é daqui que temos que sair, em vez de estarmos colados às televisões à espera do dia que, se Deus quiser, nunca irá chegar.