Argentina-Polónia. Uma borboleta escocesa soltou-se no gueto de Varsóvia

Argentina-Polónia. Uma borboleta escocesa soltou-se no gueto de Varsóvia


Com Enzo Fernandez a titular, a Argentina venceu a Polónia (2-0) e libertou-se da França para jogar os oitavos de final frente à Austrália que bateu a Dinamarca por 1-0. O México ganhou à Arábia Saudita (2-1) mas não chegou. Os polacos serão os adversários dos franceses que, jogando com os suplentes, perderam coma Tunísia (0-1).


DOHA – Regresso aos jogos da Argentina, é o terceiro que vejo em três, começando por aquela derrota inicial e estranha frente à Arábia Saudita, e ela aí estava outra vez, muito atrapalhada, não só porque ainda não assegurara o apuramento, mas também porque lhe dava um jeitão ficar em primeiro neste Grupo C para evitar uns oitavos de final a medir forças com a França que ontem, classificada que estava e sem o primeiro posto em risco, se dedicou a poupar os titulares e se sujeitou a uma derrota (0-1) impopular com um daqueles adversários chatos do Magreb, a Tunísia, para muitos franceses chauvinistas e nacionalistas pieds-noires como todos os outros que vêm daquela região. Olho para esta equipa das risquinhas azuis-celestes e brancas (ontem toda de azul-escuro) que traz sobre o escudo duas estrelas de campeão do mundo e confesso-me incapaz de a ver como verdadeira candidata a repetir a proeza neste Mundial que tem irritado gente até mais não. Pode ser redutor, mas uma equipa que ambicione, de facto, conquistar o título que está em liça precisa de uma faceta física que se imponha perante os adversários e não esteja sempre à beira de se quebrar com a fragilidade de um pucarinho de Estremoz. Se querem saber, é assim igualmente que olho para a selecção nacional, mas haverá tempo para falar nela, joga já amanhã, sexta-feira, quase para cumprir calendário frente à Coreia do Sul de Paulo Bento, e só não é apenas para cumprir calendário porque, como todos os que se qualificaram ao fim de dois jogos, há que estar atento ao opositor que se segue – convenhamos que a Suíça ou a Sérvia viriam mais a calhar do que um Brasil que tem impressionado muito também, lá está!, pela presença muscular que é capaz de transportar para os relvados.

É claro que nenhum jogador entra em campo com todas estas condicionantes perdidas por entre as circunvoluções do cérebro. Cabia aos argentinos fazerem, em primeiro lugar, contra a Polónia, melhor do que os sauditas contra o México no jogo que decorreu à mesma hora lá no norte, em Lusail, e depois se veria. “Argentina va salir campeón!” e por aí fora é muito bonito, anima a gente nos estádios, mas o último já cheira a bafio, foi há 36 anos, não será mau mergulhar na realidade. As desilusões têm sido duras, apesar de terem metido duas finais perdidas, ambas contra a Alemanha, por acaso, em 1990 e 2014. Mas vá lá dizer-se a um argentino para não ser optimista. Como falam os brasileiros, bom negócio é comprar um argentino pelo que vale e vendê-lo por aquilo que ela acha que vale. E eles acham que esta equipa vale!

 

Em casa.

Ao intervalo tudo a zero. A Argentina (Enzo Fernandez titular) a jogar em casa, com todo o Estádio 974 (o dos contentores) a vibrar com as patadas que o público dava no betão, parecia a Bombonera, no Barrio de la Boca, mas os polacos estavam ali com as mesmas ambições e com as mesmas cautelas, a despeito de terem surgido neste Mundial com a ajudazinha política que lhes tirou a Rússia da frente, não vieram para fazer figura de papalvos, lideravam o Grupo C à segunda jornada, estavam dispostos a tudo para acabar esta fase nesse lugar, que o diga Szczesny que, aos 39 minutos, defendeu um penalti (muito manhoso) de Messi.

Lewandowski abandonado à sua sorte, sozinho na dianteira, toda a Polónia acantonada num gueto que lembrava o de Varsóvia, de tão triste fim, a levar com cargas de cavalaria, ligeira apesar de tudo. Dava a sensação que, mais tarde ou mais cedo, os argentinos haveriam de chegar ao golo que lhes convinha mas a verdade é que uma falta gritante de instinto assassino mantinha tudo tal e qual como tinha começado. Nem de propósito. Eu a escrever isto e golo de Mac Allister (47m). Uma borboleta escocesa – deve ser algum parente dos Alisdair já que o Mac é de filho – soltava-se no gueto em que a Polónia teimava em fechar-se. Esperava-se alguma coisa da sua parte, mas como é difícil querer dar sem ter o que seja para dar. Pouco depois, no seu jeito de falso tímido, Enzo Fernandez fez um passe perfeito para o golo de Álvarez (67m). Buenos Aires explodiu na noite de Doha. Sim, “vamo, vamo Arrentina/que esa barra no te deja/no te deja de alentar”. Saltavam da França para a Austrália com a facilidade de quem salta sobre um córrego, ignorando continentes. O povo, feliz, não lhes regateava o cântico que fazia eco nas bancadas e se multiplicava pelo oco dos contentores que fazem deste estádio um dos mais estranhos, e também mais feio, onde jamais pus os pés. Para quem começara com uma derrota que foi como um soco no estômago, era a altura de respirar fundo e pensar que os deuses do futebol arranjaram uma eliminatória bastante agradável frente aos cangurus. Se bem que a inesperada vitória destes sobfe a Dinamarca (1-0) mereça ser observada com atenção.

No outro jogo, o México ficara como o António Silva n’O Leão da Estrela quando resolve subir para a mesinha de chá e fingir que trepava a um coqueiro: à coca. Dois golos (vitória por 2-1 sobre a Arábia Saudita) valeram-lhe encontro com a França, no próximo dia 4. A Arábia, a surpresa inicial do Mundial, esfumava-se como pó do deserto. Aladino de um desejo só. Lixaram os mexicanos!