Por Sónia Cunha e Paulo Ferrão, Investigadora do Instituto Superior Técnico e IN+ e Professor do Instituto Superior Técnico, Investigador do IN+, respetivamente
Será que navegamos numa rota de colisão connosco próprios? Terá o nosso uso de recursos naturais um impacto catastrófico em termos de alterações climáticas? Ou será possível a reorientação para um novo paradigma de desenvolvimento económico?
As opiniões dividem-se: alguns defendem que é possível manter o crescimento económico reduzindo o consumo de materiais e respetivos impactos ambientais; outros defendem que a desaceleração da economia é a única forma de transitar para um desenvolvimento sustentável. A análise do percurso recente de algumas economias poderá dar-nos algumas pistas.
As economias europeias partilham algum do seu contexto socioeconómico mas são, ao nível da sustentabilidade do desenvolvimento, muito diferentes. Exemplos disso são as evoluções recentes da Estónia, Croácia, Finlândia e Reino Unido, após a crise económica de 2007-2008. A produtividade dos recursos, dada pela relação entre o Produto Interno Bruto (PIB) e a soma da massa das importações e extração doméstica, pode ser usada como uma medida do nível da sustentabilidade ambiental das economias.
Em 2007, a Estónia apresentava um PIB relativamente baixo e uma utilização de recursos elevada, sendo o país com a menor produtividade dos recursos, produzindo 0.43 euros de PIB por cada quilograma importado ou extraído. Após 2009, com a recuperação económica, a utilização de recursos aumentou, reduzindo ainda mais a sua produtividade (0.39€/kg em 2018).
A Croácia apresentava um PIB inferior, ainda que comparável ao da Estónia, associado a uma menor utilização de recursos, resultando numa maior produtividade de recursos (0.63€/kg). Após a crise económica, a produtividade aumentou ainda mais, associada a um desacoplamento relativo entre o crescimento económico e a utilização de matérias-primas (0.81€/kg em 2018).
Já a Finlândia apresentava a segunda maior produtividade dos quatro países (0.88€/kg), apesar de ter o consumo de recursos mais elevado. Isto deve-se ao facto do PIB associado ser também superior ao da Croácia e da Estónia.
Dificuldades na recuperação económica finlandesa levaram a que, em 2018, o PIB fosse inferior aos valores de 2007, ainda que a sua produtividade tenha apresentado melhorias (0.95€/kg).
Por fim, o Reino Unido era o que tinha a maior produtividade de recursos (2.74€/kg) em 2007. Este valor estava associado a uma economia caracterizada por um PIB elevado, comparável ao da Finlândia, suportado por uma baixa utilização de recursos. Entre 2007 e 2009, enquanto o PIB contraiu, a utilização de recursos diminui a uma taxa superior à que o país apresentava já antes da crise. Quando a economia recuperou, a utilização de recursos continuou a diminuir, levando a que a economia inglesa tenha registado a mais elevada produtividade de recursos destes países entre 2000 e 2018 (3.90€/kg).
Estes países apresentam quatro rotas diferentes, sendo de colisão com o ambiente aquelas cuja produtividade dos recursos diminuiu. Estas rotas estão associadas a políticas, geografias, atividades económicas e recursos diferentes.
Tanto a Estónia como a Finlândia têm um consumo elevado de recursos, estando a Estónia associada a uma elevada extração de combustíveis fósseis e a Finlândia a uma extração de minerais metálicos significativa. Além disso, estes dois países têm uma elevada extração doméstica de madeira, que é sobretudo exportada.
A Croácia, cuja economia recuperou, observou uma melhoria na produtividade de recursos, com utilização de matérias-primas sobretudo associada à construção de infraestruturas, ou necessidades básicas como a alimentação ou utilização de energia. Tal como Portugal, a Croácia encontra-se a transitar para uma economia de serviços.
Dos quatro países, aquele que apresentou o percurso mais promissor foi o Reino Unido, que além de ter uma economia mais madura que transitou já para uma economia de serviços, apresenta também uma produtividade de recursos especialmente elevada para o setor dos serviços, quase 10 vezes superior à produtividade de recursos dos serviços na Estónia ou na Croácia (cerca de 15€/kg versus 1.6 em 2015).
Estes exemplos sugerem que economias associadas à extração de recursos e produção apresentam baixas produtividades e podem até demonstrar menor resiliência face a pressões económicas. Por outro lado, as economias associadas à transição para serviços demonstraram uma maior capacidade de adaptação, tendo mesmo prosperado enquanto consumiam proporcionalmente menos recursos naturais, o que é uma importante lição sobre a trajetória a adotar.
Contudo, há que notar que a redução do consumo de recursos pode estar associada a um aumento das importações, transferindo assim os custos ambientais para outros países. É, no entanto, possível concluir que uma economia que aposte em atividades com maior valor acrescentado é mais resiliente, e que mais resiliente se tornará, se depender menos de fluxos de matérias-primas importadas.
Assim, podemos concluir que uma trajetória mais segura é a que fizer uso dos muitos materiais que se encontram em circulação na economia, como por exemplo os materiais de construção, que podem ser valorizados dos resíduos de construção e demolição, ou metais nos equipamentos eletrónicos que se tornam obsoletos.
Num paradigma de crescimento sustentável, é imperativa a transição para a economia circular, o que implicará a criação de planos nacionais para a economia circular para que cada nação possa escolher a melhor trajetória, uma que não nos faça colidir connosco próprios.