Meloni e o PSD


Não obstante todos os rótulos que lhe querem colocar, sempre que fervorosamente defende “Deus, Pátria e Família”, Meloni conseguiu reunir à sua volta pessoas que, como ela, questionam o globalismo puro e duro e um progressismo sem planeamento, cuja fatura será entregue sem se saber qual o seu valor estimativo final.


Itália tem estado na mira de vários partidos e comentadores políticos europeus, furiosos com o desfecho das eleições legislativas do passado dia 25 de setembro. Giorgia Meloni venceu as eleições e juntou-se às restantes dezasseis mulheres que, atualmente, lideram países europeus, seja como chefes de Governo ou como chefes de Estado. Falamos de países com a dimensão da França, Grécia, Suécia, Reino Unido, Dinamarca, Finlândia, Sérvia. Eleitores que elegeram democraticamente as suas governantes e lhes confiaram os destinos políticos, sociais e económicos, muitos deles pela primeira vez, no que se refere a mulheres nestas responsabilidades.

Itália sempre foi considerada como um laboratório de observação das dinâmicas políticas, que normalmente têm impacto no resto da Europa. Talvez por esta razão, os partidos políticos de esquerda de imediato se manifestaram, adjetivando a vitória de fascista, antidemocrática e perigosa para os direitos, liberdades e garantias europeus.

O nervosismo entre os prováveis futuros congéneres europeus de Meloni é evidente nas declarações da primeira-ministra francesa que garantiu que o país vizinho irá ficar atento a possíveis desrespeitos pelos direitos da população italiana, dando especial enfoque à questão do aborto. Elizabeth Borne foi perentória ao defender “os valores dos direitos humanos e o respeito pelos outros” que são comungados pelos vários Estados europeus, deixando subtilmente a ideia de que não serão ignoradas quaisquer alterações que decorram de uma nova vontade política, designadamente no que se refere ao aborto. Para esta governante, “a escolha democrática do povo italiano” não mereceu outro comentário para além do anterior.

É neste contexto europeu que Giorgia Meloni tem feito declarações que facilmente são alvo de acusações como antidemocráticas e antieuropeias, nomeadamente quando avisou os seus pares europeus de que os “interesses nacionais” de Itália serão a sua grande prioridade. Meloni demonstrou a sua preocupação, ainda em campanha, com a crise energética que se vive na Europa e que tende a agravar nos próximos meses. Esta mulher de 43 anos, defende a definição de um teto europeu para o preço do gás, mas deixa o aviso de que a Itália não poderá ficar à espera que os restantes membros tomem uma decisão, enquanto que os italianos vão sofrendo com as faturas agravadas de energia. 

Não obstante todos os rótulos que lhe querem colocar, sempre que fervorosamente defende “Deus, Pátria e Família”, Meloni conseguiu reunir à sua volta pessoas que, como ela, questionam o globalismo puro e duro e um progressismo sem planeamento, cuja fatura será entregue sem se saber qual o seu valor estimativo final. O discurso antissistema não encontrou espaço na sua candidatura, bem pelo contrário, escolheu enveredar por um tom otimista, transparente e recheado de valores intrínsecos à Humanidade, como a família natural. Foi notório o esforço que fez para não se enredar nas acusações comuns que são feitas aos partidos considerados de extrema-direita, posicionando o seu partido no espaço conservador ou mesmo ultraconservador, ao defender a família tradicional assente em valores religiosos e identitários. Uma ousadia que lhe granjeou o reconhecimento de um eleitorado que não tem eco nos restantes partidos políticos, tal como acontece em Portugal.

Por cá, como não poderia deixar de ser, o Chega colou-se, instantaneamente, à vitória da direita italiana, como se fosse o único partido de direita em Portugal. Por vezes, até parece mesmo que não só o único partido de direita, como de centro-direita no espetro partidário nacional. O PSD, que em tempos já foi um partido com valores mais conservadores nos costumes e liberal na sua abordagem económica, resume-se a um partido de difícil interpretação, tal é a miscelânea de posições que constituem a sua pegada partidária dos últimos anos. 

Recentemente, aquando da eleição do vice-presidente da Assembleia da República, o presidente do PSD, Luís Montenegro, apelou ao seu grupo parlamentar para viabilizar a eleição do Deputado do Chega, votando no candidato apresentado por este partido. Este sinal foi entendido por muitos (senão por todos nós) como uma aproximação declarada ao partido político que mais votos tem desviado do PSD. Estrategicamente, compreende-se a escolha do caminho mais fácil e da tentativa de aglutinação do partido mais pequeno. A questão que se coloca é por que razão, sendo que o PSD parece começar a assumir que há pontos fortes programáticos que foi abandonando ao longo do seu percurso e que foram reaproveitados por este partido que cresceu à conta de princípios que já fizeram parte da matriz ideológica social-democrata, não promove, de uma vez por todas, uma reflexão interna sobre o caminho que o PSD deve seguir, se mais progressista, se mais conservador, entre as suas bases. As bases do PSD são uma amostra fiel e real do que representa a vontade de uma grande maioria da população portuguesa, por enquanto… A verdade é que, nos últimos tempos, as estruturas dirigentes não têm dedicado tempo a ouvir os seus ativos e a recolher contributos para redefinir as coordenadas para voltar a ser a voz dos portugueses. 

Talvez com a eminência de uma alteração do panorama político europeu, o PSD se anime a procurar respostas para definir as suas orientações políticas, antes que seja, novamente, tarde de mais.

Escreve quinzenalmente

Meloni e o PSD


Não obstante todos os rótulos que lhe querem colocar, sempre que fervorosamente defende “Deus, Pátria e Família”, Meloni conseguiu reunir à sua volta pessoas que, como ela, questionam o globalismo puro e duro e um progressismo sem planeamento, cuja fatura será entregue sem se saber qual o seu valor estimativo final.


Itália tem estado na mira de vários partidos e comentadores políticos europeus, furiosos com o desfecho das eleições legislativas do passado dia 25 de setembro. Giorgia Meloni venceu as eleições e juntou-se às restantes dezasseis mulheres que, atualmente, lideram países europeus, seja como chefes de Governo ou como chefes de Estado. Falamos de países com a dimensão da França, Grécia, Suécia, Reino Unido, Dinamarca, Finlândia, Sérvia. Eleitores que elegeram democraticamente as suas governantes e lhes confiaram os destinos políticos, sociais e económicos, muitos deles pela primeira vez, no que se refere a mulheres nestas responsabilidades.

Itália sempre foi considerada como um laboratório de observação das dinâmicas políticas, que normalmente têm impacto no resto da Europa. Talvez por esta razão, os partidos políticos de esquerda de imediato se manifestaram, adjetivando a vitória de fascista, antidemocrática e perigosa para os direitos, liberdades e garantias europeus.

O nervosismo entre os prováveis futuros congéneres europeus de Meloni é evidente nas declarações da primeira-ministra francesa que garantiu que o país vizinho irá ficar atento a possíveis desrespeitos pelos direitos da população italiana, dando especial enfoque à questão do aborto. Elizabeth Borne foi perentória ao defender “os valores dos direitos humanos e o respeito pelos outros” que são comungados pelos vários Estados europeus, deixando subtilmente a ideia de que não serão ignoradas quaisquer alterações que decorram de uma nova vontade política, designadamente no que se refere ao aborto. Para esta governante, “a escolha democrática do povo italiano” não mereceu outro comentário para além do anterior.

É neste contexto europeu que Giorgia Meloni tem feito declarações que facilmente são alvo de acusações como antidemocráticas e antieuropeias, nomeadamente quando avisou os seus pares europeus de que os “interesses nacionais” de Itália serão a sua grande prioridade. Meloni demonstrou a sua preocupação, ainda em campanha, com a crise energética que se vive na Europa e que tende a agravar nos próximos meses. Esta mulher de 43 anos, defende a definição de um teto europeu para o preço do gás, mas deixa o aviso de que a Itália não poderá ficar à espera que os restantes membros tomem uma decisão, enquanto que os italianos vão sofrendo com as faturas agravadas de energia. 

Não obstante todos os rótulos que lhe querem colocar, sempre que fervorosamente defende “Deus, Pátria e Família”, Meloni conseguiu reunir à sua volta pessoas que, como ela, questionam o globalismo puro e duro e um progressismo sem planeamento, cuja fatura será entregue sem se saber qual o seu valor estimativo final. O discurso antissistema não encontrou espaço na sua candidatura, bem pelo contrário, escolheu enveredar por um tom otimista, transparente e recheado de valores intrínsecos à Humanidade, como a família natural. Foi notório o esforço que fez para não se enredar nas acusações comuns que são feitas aos partidos considerados de extrema-direita, posicionando o seu partido no espaço conservador ou mesmo ultraconservador, ao defender a família tradicional assente em valores religiosos e identitários. Uma ousadia que lhe granjeou o reconhecimento de um eleitorado que não tem eco nos restantes partidos políticos, tal como acontece em Portugal.

Por cá, como não poderia deixar de ser, o Chega colou-se, instantaneamente, à vitória da direita italiana, como se fosse o único partido de direita em Portugal. Por vezes, até parece mesmo que não só o único partido de direita, como de centro-direita no espetro partidário nacional. O PSD, que em tempos já foi um partido com valores mais conservadores nos costumes e liberal na sua abordagem económica, resume-se a um partido de difícil interpretação, tal é a miscelânea de posições que constituem a sua pegada partidária dos últimos anos. 

Recentemente, aquando da eleição do vice-presidente da Assembleia da República, o presidente do PSD, Luís Montenegro, apelou ao seu grupo parlamentar para viabilizar a eleição do Deputado do Chega, votando no candidato apresentado por este partido. Este sinal foi entendido por muitos (senão por todos nós) como uma aproximação declarada ao partido político que mais votos tem desviado do PSD. Estrategicamente, compreende-se a escolha do caminho mais fácil e da tentativa de aglutinação do partido mais pequeno. A questão que se coloca é por que razão, sendo que o PSD parece começar a assumir que há pontos fortes programáticos que foi abandonando ao longo do seu percurso e que foram reaproveitados por este partido que cresceu à conta de princípios que já fizeram parte da matriz ideológica social-democrata, não promove, de uma vez por todas, uma reflexão interna sobre o caminho que o PSD deve seguir, se mais progressista, se mais conservador, entre as suas bases. As bases do PSD são uma amostra fiel e real do que representa a vontade de uma grande maioria da população portuguesa, por enquanto… A verdade é que, nos últimos tempos, as estruturas dirigentes não têm dedicado tempo a ouvir os seus ativos e a recolher contributos para redefinir as coordenadas para voltar a ser a voz dos portugueses. 

Talvez com a eminência de uma alteração do panorama político europeu, o PSD se anime a procurar respostas para definir as suas orientações políticas, antes que seja, novamente, tarde de mais.

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