Douglas Vakoch. “Não será uma surpresa para os aliens se enviarmos um sinal. Já sabem que estamos cá”

Douglas Vakoch. “Não será uma surpresa para os aliens se enviarmos um sinal. Já sabem que estamos cá”


Em outubro, a METI International vai transmitir uma mensagem para o sistema planetário da Trappist-1, um dos candidatos mais fortes à existência de vida como a conhecemos. Sim: tentar comunicar com extraterrestres. Vakoch está à frente do projeto.


“O universo é um lugar enorme. Se formos só nós, parece um grande desperdício de espaço”. A frase é do astrónomo Carl Sagan, no livro adaptado ao cinema que deixou das imagens mais memoráveis de como seria um dia receber uma mensagem de uma civilização extraterrestre. Dez anos antes de publicar Contacto, Sagan participou no envio da icónica mensagem de Arecibo – o primeiro postal da Humanidade para o Espaço. É antigo o desejo e o medo de contactar com extraterrestres e para a comunidade científica que se dedica a tal empreendimento, conhecida pelo acrónimo SETI (em inglês, pesquisa de inteligência extraterrestre) este é um assunto sério que parece estar de novo a aquecer.

Douglas Vakoch é um dos maiores entusiastas: psicólogo de formação, hoje com 60 anos, continua a exercer a clínica mas divide o ofício de psicoterapeuta com a missão de construir mensagens destinadas a outras civilizações. Trabalhou 16 anos no Instituto SETI, na Califórnia, uma organização não governamental criada para promover a investigação e comunicação científica nesta área. Em 2015 saiu para criar uma spin-off mais “proativa”: queria transmitir mais do que ficar apenas à escuta. Na semana passada, a METI Internacional, a associação que agora lidera em São Francisco, anunciou que no dia 4 de outubro vão transmitir uma mensagem para o sistema planetário Trappist-1 a partir de uma antena no Reino Unido. Vai durar cerca de uma hora, debitando na direção de planetas a 29 anos-luz a tabela periódica e trechos de música gravados num festival organizado numa cidade no Uzbequistão afetada pela desertificação do mar de Aral, extenso lago de água salgado hoje reduzido a nada, numa parceria com o projeto de sensibilização ambiental local. Também este mês, um grupo de cientistas liderado por Jonathan H. Jiang, do Jet Propulsion Laboratory da NASA, publicou um artigo no Arxiv.org a descrever uma versão atualizada da mensagem de Arecibo que poderia ser enviada, propõem, para uma região da nossa galáxia com mais hipóteses de albergar vida (os planetas da Trappist-1 são dos melhores candidatos a isso) e que conteria agora a nossa localização. Douglas Vakoch acredita que abrir o canal de comunicação com outras civilizações que andem por aí é algo que se está a fazer pelas futuras gerações e também um sinal de esperança, diz ao i, numa mensagem a propósito do Dia Mundia da Terra que se assinala esta sexta-feira. Uma resposta, a chegar um dia, só será recebida daqui a 80 anos, algures por 2102: “No fundo estamos a dizer que acreditamos que ainda estaremos por cá nessa altura”.

 

Li que começou esta sua saga na pesquisa de vida extraterrestre numa feira de ciências ainda no liceu, quando tentou recriar a mensagem de Arecibo. Foi assim?

É verdade, na minha escola não costumava haver feiras e comecei a pensar no projeto que iria apresentar. Cresci nos anos 60, gostava muito da exploração espacial. Uma possibilidade era estudar a força g em animais, usar modelos de foguetões.

Para os miúdos americanos da sua geração, nascido em 1961, esse mundo fazia parte do dia-a-dia?

Completamente, vi toda a exploração espacial a desenrolar-se, o entusiasmo da ida do homem à Lua. Mas à medida que o tempo foi passando também comecei a ver como seria difícil manter-se este interesse. Começou a haver uma crescente consciencialização ambiental e nos Estados Unidos ouvia-se aquele debate: não temos dinheiro para ir à Lua, temos demasiados problemas na Terra, vamos focar-nos primeiro nisso. Pareceu-me sempre que tínhamos de fazer as duas coisas. Para nos realizarmos enquanto seres humanos, precisamos de cuidar do nosso planeta, mas temos de continuar a explorar, a compreender o nosso lugar no universo. Isto traz-nos a este novo projeto, mas o meu pensamento foi sempre: se vamos comunicar com outra civilização, o que devemos dizer e como é que o dizemos? O ideal era se eles falassem inglês, português ou mandarim, mas isso não vai acontecer.

Foi nisso que se pôs a pensar na adolescência?

Tinha uma visão mais simples na altura. Cresci a ver o poder da ciência, tinha sido a ciência a levar-nos à Lua. Tinha essa ideia de que a ciência e a matemática deviam ser universais por isso era o que devíamos comunicar. Depois comecei a ser um pouco mais crítico: sim, a matemática e a ciência descrevem o universo, mas outros conhecimentos também são importantes para conseguirmos descrever aquilo que somos e dialogar. A certa altura não me conseguia decidir: gostava de biologia, geologia, física.

Escolheu estudar psicologia.

Sim, passei de achar que a verdade está só fora de nós para pensar que também há muitas verdades dentro de nós. Foi por dois motivos: por um lado, sendo psicólogo podia ajudar diretamente pessoas. Por outro, tinha o sonho de continuar a tentar contribuir para contactar vida algures. Se não te podes especializar em tudo, e se a psicologia consiste em perceber o ser humano, o que pode ser mais importante de descrever a outro mundo do que aquilo que somos? Quando acabei o pós-doutoramento acabei por ir trabalhar logo para o SETI.

Foi diretor de composição de mensagens interestelares no Instituto SETI até sair para criar a METI, mais focada em enviar mensagens do que em ficar à espera de um contacto. Estava em minoria?

Trabalhei no Instituto SETI durante 16 anos. Sempre fui defensor de que devíamos transmitir mais mas ao longo dos anos foi havendo alguma relutância na comunidade SETI, penso que sobretudo por se estar preocupado com a forma como o público reagiria. Um dia Stephen Hawking disse que não era boa ideia transmitir mensagens aos aliens porque eles podiam vir cá destruir-nos…

Alertou que o contacto entre humanos e espécies menos inteligentes eram geralmente desastrosos do ponto de vista delas, um prenúncio do risco que corremos…

Falando com astrónomos, com pessoas que trabalham em SETI, nunca ouvi esse medo. Percebem que andamos a revelar a nossa existência através de sinais rádio há 100 anos. Há 3 mil milhões de anos que a nossa atmosfera mostra que temos vida neste planeta. Não será uma surpresa para os aliens se enviarmos um sinal. Já sabem que estamos cá. Mas por causa deste medo e, quer dizer, quem é que no seu perfeito juízo quer contrariar Stephen Hawkings? O homem era um génio. Vão acreditar em Stephen Hawking ou em mim? Portanto houve sempre uma grande relutância.

Está a dizer que a esta altura civilizações mais desenvolvidas já terão visto o ruído das nossas transmissões televisivas?

Os sinais televisivos, ondas de rádio, expandem-se no vácuo à velocidade da luz. É uma bolha crescente da nossa existência que começou há 100 anos com a criação do rádio e depois da TV e continua a propagar-se indefinidamente. Os sinais vão ficando mais fracos à medida que se afastam. Por exemplo, nos radiotelescópios que temos na Terra para detetar este tipo de sinais não conseguiríamos captar esse tipo de radiação, esses sinais acidentais, mesmo que fossem emitidos de um sistema planetário na estrela mais próxima da nossa. Agora se virmos os avanços da tecnologia rádio desde que foi construído o primeiro radiotelescópio nos anos 30 do século passado, o aumento da sensibilidade é tal que, se continuarmos assim, em poucas centenas de anos seremos capazes de detetar esta fuga acidental de radiação até 500 anos-luz de distância, centenas de milhares de estrelas daqui. Se hoje recebêssemos um sinal de uma civilização como a nossa, não seria um problema porque não teriam energia para viajar até cá como nós não temos para ir a outras estrelas. O que causa medo em torno destas comunicações é que pensamos que qualquer civilização com que contactemos terá de ser mais velha do que nós. Se forem mais velhos que nós, serão tecnologicamente mais avançados e podem vir cá. Mas se forem mais avançados já terão visto esses sinais que nós também vamos conseguir ver um dia.

Tem de ser mais velha porquê?

É o mais provável se estiverem a comunicar ao mesmo tempo que nós. A nossa idade em termos de comunicações interestelares é de pouco mais de 100 anos, que é o tempo desde que existe rádio. A vida existe no planeta há milhares de milhões de anos, mas só há 100 anos é que emitimos as primeiras ondas radiofónicas. Portanto temos apenas 100 anos de vida enquanto civilização que comunica para o exterior. Podemos pensar que isto é o que se passa com outras civilizações. Entretanto podem ter tido um aquecimento global horrível e destruíram o planeta deles, ou podem ter-se aniquilado com armas nucleares, podem ter ficado cansados da exploração espacial e terem-se virado para dentro e serem uma sociedade meditativa. Mas mesmo se for assim, existe uma aleatoriedade sobre em que momento em milhares de milhões de anos vida de um planeta é que acontecem estes 100 primeiros anos de comunicação. A nossa galáxia tem mais de 13 mil milhões de anos, qual é a probabilidade dos nossos 100 anos coincidirem com os primeiros 100 anos de outra civilização? Estamos a enviar mensagens deliberadamente para o Espaço há muito pouco tempo. A única maneira de estabelecermos contacto é se forem mais velhos. E portanto se forem mais velhos, serão pelo menos um bocadinho mais avançados. E se forem um bocadinho mais avançados, já sabem que estamos cá. Perante isto há quem argumente: se já sabem, para quê chatearmo-nos a enviar-lhes um sinal?

Para quê?

Em ciência avançamos testando hipóteses e na METI queremos testar a hipótese do Zoo (descrita pela primeira vez pelo astrónomo Jonh A. Ball). É uma das possíveis explicações para o famoso paradoxo de Fermi, que no fundo questiona porque é que se é provável que existam outras civilizações no universo nunca as vimos. Esta hipótese defende que civilizações mais avançadas não nos contactam porque estão a observar-nos como se fôssemos animais num jardim zoológico. Pegando nisto, a pergunta passa a ser: o que será que podemos dizer que os interesse? Que chame a atenção do homem do zoo?

Neste projeto, vão enviar a tabela periódica mas há uma componente musical ligada às alterações climáticas. Será mais simbólico, não?

Mais uma vez, termos alterações climáticas não será surpresa para uma civilização mais avançada que consiga observar a nossa atmosfera, tal como nós começamos a detetar as atmosferas de outros planetas. O telescópio James Webb já tem alguma capacidade e em 2029 a Agencia Espacial Europeia vai lançar uma missão chamada Ariel que vai estudar a evolução e atmosferas de exoplanetas. Veem os clorofluorcarbonetos, os gases com efeito de estufa, não será surpresa que estamos no meio de uma crise climática. O que poderá surpreendê-los é mostrarmos que temos algum entendimento disso. Quando se pensa em comunicar, a questão que a comunidade SETI habitualmente coloca é o que podemos dizer de importante sobre nós. O que estamos a propor é pensarmos no que eles poderão achar interessante.

Clickbait para extraterrestres?

(Risos) Isso. Mas além disso seria uma oportunidade para ganharmos uma melhor reputação porque hoje somos um bocado estranhos. Sabem que estamos cá, mas é como se fôssemos uns mirones interestelares. Estamos a ver o que se está a passar mas não dizemos nada. Se fosse alguém a fazer isso, sei lá na internet, não é uma coisa muito normal, é até um pouco assustador. Se alguém quer beneficiar de uma conversa, tem de participar. Tive muitas discussões no Institute SETI sobre isto, há argumentos dos dois lados mas sempre houve muitas divergências. Quando críamos a METI houve críticas mas acho que o podemos fazer e que não devemos subestimar o público, por isso o nosso trabalho tem passado muito por atividades educativas.

No meio disto, há uma comunidade que acredita que os extraterrestres não só existem como já andam por cá. Como vê os relatos de avistamentos, o relatório do Pentágono divulgado no ano passado que conclui que não há explicação para a maioria dos ‘ovnis’ observados pelos militares americanos nos últimos anos?

Sinceramente não vejo evidências de uma inteligência extraterrestre. Mesmo nos vídeos em que se vê um ‘ovni’ a mover-se muito rápido, é sempre tudo muito relativo, depende da perspetiva como é filmado. Acho que é bom as pessoas interessarem-se por perceber o universo, agora não vi nenhuma evidência no relatório do Pentágono sobre inteligência extraterrestre. Espero que sim, que exista, mas não vi nada. A principal diferença entre registar ‘ovnis’ e os protocolos de SETI e METI (Messaging Extraterrestrial Intelligence) é que para validar sinais temos de ter repetições e equipas independentes a verificá-las.

Alguma vez viu um bom sinal?

Não. Pouco antes de me juntar ao SETI nos anos 90 houve um sinal muito bom. Costumávamos fazer observações no Telescópio de Arecibo, que era o maior radiotelescópio do mundo, durante duas semanas duas vezes por ano. Numa dessas observações apontou-se para uma estrela e recebeu-se um sinal semelhante ao que pensamos que pode ser um sinal intencional. A primeira coisa é desviar da estrela e ver se o sinal desaparece e depois volta-se a apontar para a estrela para ver se aparece. Assim foi. Aquilo durou 12 horas e no final percebeu-se que afinal tinham encontrado o satélite Soho, um satélite europeu que tinha perdido o contacto. Mas é assim que funciona, é preciso descartar todas as hipóteses. Nos primeiros anos de SETI há alguns sinais que permanecem sem explicação. Um dos mais famosos ficou conhecido como o WOW! Signal, detetado em 1977 pelo radiotelescópio Big Ear na Universidade de Ohio. Hoje nem contaria: naquela altura ficava uma impressora a imprimir os registos e o cientista via aquilo de manhã e dizia ‘wow’, este é um sinal forte. Agora mal há um sinal bom começa logo a testar-se e nunca passa no teste. Vamos ver sinais bons só por coincidência. Se não se repetir, não conta como possível tentativa de comunicação. Portanto nunca vi nada que parecesse mesmo uma comunicação extraterrestre.

Antes de transmitirem, precisam de autorização do Governo?

Neste caso, como vamos fazer a transmissão de outubro no Reino Unido, temos de ter uma autorização do regulador britânico, a Ofcom.

Escolheram apontar ao sistema da estrela Trappist-1, a 39 anos-luz da Terra, por ser o sistema planetário que conhecemos com mais potenciais planetas habitáveis?

Sim, são sete planetas, pelo menos três numa distância habitável da estrela em que pode haver água em estado líquido.

E acha mesmo que pode lá estar alguém a ouvir?

Acho que o mais provável é não estar e diria isso de qualquer estrela. Mas se houver alguém a ouvir e alguma vez soubermos disso, então saberemos que quase todas as estrelas têm planetas habitados. A humanidade só transmitiu para meia dúzia de estrelas. Se alguma destas primeiras responder, não será porque tivemos sorte, mas porque há imensas civilizações por aí. Acho que o resultado realista será não termos resposta. Mas se ainda estivermos a ouvir daqui a 80 anos, porque são precisos 39 anos para a mensagem chegar lá e mais 39 anos para voltar, já será bom sinal.

Se forem mais avançados podem já ter inventado um sistema de resposta mais rápido, não?

A velocidade da luz é a mais rápida que conhecemos, o resto não sabemos. Como dizia, acho que o mais provável é não termos resposta, a não ser, lá está, que afinal a tal hipótese do Zoo esteja correta e que tudo o que temos de fazer é dizer olá e chamar-lhes a atenção. Nos primeiros anos de pesquisa por inteligência extraterrestre, um engenheiro da universidade de Stanford chamado Ronald Bracewell usou a imagem do clube galáctico. Disse que estávamos a tentar entrar no clube galáctico. Andamos há anos a querer entrar no clube mas não pagamos a mensalidade, não preenchemos nenhum formulário.

Mas houve a mensagem de Arecibo, os discos das sondas Voyager.

O problema das sondas é que demoram tanto a viajar que vão demorar dezenas de milhares de anos até chegarem a uma estrela.

Portanto é impossível pensar numa resposta às mensagens das Voyager?

Nem estão direcionadas a uma estrela específica. Estão no espaço interestelar e vão demorar 40 mil anos a chegar a uma estrela.

E ainda seria preciso um leitor de discos?

Isso talvez consigam porque vai uma agulha e instruções. É a beleza disto, com uma sonda pode entregar-se tudo diretamente mas demora muito tempo. A transmitir por ondas de rádio temos de pensar em como codificar a mensagem numa linguagem que qualquer cientista que explore o universo possa perceber. Nesta mensagem de 4 de outubro vamos enviar a tabela periódica dos elementos porque podemos fazê-lo de forma simples.

Para a maioria dos terráqueos não é assim tão simples.

Sim, claro, é simples para um químico. A maioria das pessoas que olhar para a mensagem de Arecibo não perceberá o que significa aquilo, mas um cientista que observe a natureza perceberá que os números da tabela periódica correspondem a átomos. Na mensagem de Arecibo há uma descrição de como se conta de 1 até 10 e uma lista de números: 1, 6, 7, 8 e 15. É a única pista de química que damos: são os números atómicos do hidrogénio, do carbono, do nitrogénio, do oxigénio e do fósforo, a química essencial para a vida na Terra. A nossa mensagem com a tabela periódica é um follow-up: vamos mostrar-lhes como estes números estão ligados a elementos e como relacionamos as propriedades destes elementos. Agora, voltando àquilo em que hoje não tenho uma visão tão simples, mesmo que esta ciência descreva o universo, a nossa versão da ciência pode não ser igual à de outra civilização ou simplesmente a nossa forma de apresentar a tabela periódica pode não ser a deles por isso queremos enviar várias mensagens, para que talvez uma possa ser um dia compreendida.

Mas os elementos serão os mesmos?

Vemos os mesmos elementos químicos no Espaço que vemos aqui. Vemos uma ligação, acho que a maneira de descrever é que poderá ser diferente. Aprendemos na escola a desenhar a estrutura do átomo com um núcleo com protões e neutrões e círculos à volta com eletrões. Devem conhecer os átomos, agora um extraterrestre irá colocar as coisas assim? Nisso temos de nos tentar manter modestos e ir tentando.

Qual é a parte psicológica da mensagem?

Mostrarmos que temos esperança de que vamos continuar a existir tempo suficiente para esperar por uma resposta.

Nesse sentido é também uma mensagem interna?

Sim, uma mensagem interna que nos impele a enfrentarmos os nossos medos. De duas maneiras. Temos este medo do desconhecido, do que estará lá. Muitas vezes temos a noção de que é mais perigoso fazer qualquer coisa do que ficarmos sossegados, mesmo quando isso é contraditório com a nossa experiência. Vemos o que aconteceu na pandemia: as pessoas que foram vacinar-se estão mais seguras do que as que não foram. Quando vamos no carro, se pomos o cinto de segurança, vamos mais seguros. Não estou a minimizar o medo, respeito o medo.

Não receia estar errado e que os filhos dos seus bisnetos sofram com os extraterrestres da Trappist-1?

Há um conceito da psicologia que explica bem esse receio que é a chamada heurística da disponibilidade, que é um processo mental em que julgamos uma coisa pelas imagens que estão mais disponíveis, o que nos vem à cabeça. E o que nos vem à cabeça quando falamos de aliens inteligentes são os filmes de Hollywood em que vêm à Terra para nos aniquilar. Agora, temos de pensar se isto tem algum fundamento. Gostava de poder dizer que vamos estar mais seguros se não fizermos nada, se nos deixarmos estar calados. Em consciência não posso. Gostamos de fingir que nos podemos esconder, que não sabem que estamos aqui, desculpem é demasiado tarde, porque se existirem e forem mais avançados sabem que estamos aqui. Até já podem vir a caminho numa nave para nos aniquilar. Se for assim, transmitir e mostrar que temos um lado racional parece-me uma melhor estratégia do que ficarmos calados.

E os sinais televisivos não dizen já o suficiente?

A mensagem para a Trappist-1 vai mostrar que estamos intencionalmente a tentar comunicar com outro mundo. Os nossos sinais acidentais de rádio e televisão só mostram que estamos aqui. Ao mostrar que estamos disponíveis para oferecer algo a outra civilização abrimos uma nova possibilidade de estabelecer contacto. Mas a segunda maneira em que gostava que isto nos levasse a enfrentar o medo é que parte do interesse nos aliens é que nos dá algo para temer fora da Terra, quando sabemos que o nosso problema está aqui. Não são os aliens que estão a destruir o planeta, somos nós. A Terra está no meio de um desastre climático e ou conseguimos revertê-lo ou o planeta não será habitável para os seres humanos muito mais tempo. Se formos capazes de ir comunicando que estamos a lidar com este desafio à medida que a nossa atmosfera mostra mudanças catastróficas, lá está, pode ser interessante.

Sendo que na grande escala do tempo, a Terra ficará um dia inabitável.

Numa escala de milhares de milhões de anos, com certeza. Eventualmente o universo vai deixar de expandir e colapsar. Mas milhares de milhões de anos é muito tempo.

Dá tempo para nos juntarmos ao clube galáctico, é isso?

Sim, acho que podemos aprender com os extraterrestres e surpreendê-los. Pode ser uma surpresa que uma civilização jovem como a nossa com os nossos problemas perca tempo a comunicar.

Uma espécie de fenómeno Greta Thunberg?

Sim, ‘vejam o que estes miúdos estão a fazer’. Há aquela ideia dos filmes de que um dia uma civilização antiga vai mandar-nos a uma enciclopédia galáctica que resolve os nossos problemas. Não sabemos, mas talvez se mostrarmos que queremos saber… Uma civilização que mostra esperança de que cá estará daqui a 80 anos à espera de uma resposta pode mostrar isso.

Já disse que não acredita que esta mensagem tenha resposta, mas o que imagina do outro lado?

Não adianta muito especular, mas da mesma forma que imaginamos que daqui a 100 a 200 anos teremos computadores muito avançados, podemos pensar que uma civilização avançada pode ser biológica como nós ou uma inteligência artificial avançada. Acho que não podemos dizer muito sobre como serão, podemos imaginar que são curiosos.

Marcaram a transmissão para outubro, depois de dois anos de pandemia, agora a guerra na Ucrânia, não pode parecer algo fútil?

Temos a pandemia, mais uma guerra, uma crise ambiental a agravar-se. Claro que se pode pensar: não havia uma altura melhor? Quando é que não estamos numa crise, em guerra uns com os outros? Quisemos que marcasse a Semana Mundial do Espaço, que este ano vai ser dedicada à sustentabilidade. E no fundo também é o que nos define como seres humanos racionais: no meio de problemas terríveis com que nos confrontamos, estamos abertos para falar.

Tantos anos a pensar nisto mudaram a sua forma de entender a vida, o que fazemos aqui?

Ainda não sabemos qual foi a origem da vida, continua a haver debate.

E é crente? Para muitos físicos não é incompatível com o Big Bang.

Sim, não é. Não acredito em Deus mas Deus pode existir perfeitamente sem que eu acredite nele (risos). Aquilo em que não acredito é em milagres. E seria um milagre se, em milhares de milhões de estrelas na nossa galáxia, com milhares de milhões de planetas, o nosso fosse o único em que a vida se originou e evoluiu. Havendo ainda algum incerteza sobre como a vida se origina, o que sabemos é que, quando surge, evolui e adapta-se até nas condições mais adversas, na tundra gelada do Ártico… Hoje até já sabemos que as bactérias sobrevivem no vácuo do espaço. No início da pesquisa de inteligência extraterrestre, olhávamos para cima e sabíamos que havia muitas estrelas mas não sabíamos de outros planetas para lá do nosso sistema solar. Hoje sabemos que há planetas em torno de quase todas as estrelas. Haverá vida? Não sabemos, mas se tivermos resposta, a vida estará em todo o lado. Há bocado perguntava o que é que a psicologia me deu para este trabalho: esta busca obriga-nos a fazer uma das coisas que é mais difícil para o ser humano que é ser paciente.

Daqui a 40 anos, quando a mensagem chegar à Trappist-1, terá 100 anos.

Daqui a 80 teria 140, creio que já não estarei cá. É um pouco triste mas é algo que estamos a fazer não por nós mas pelos nossos netos, bisnetos e pelos aliens. Talvez oiçam e não respondam. Mas se for assim também tivemos sucesso. E talvez fiquem curiosos com a nossa esperança e voltem a olhar 100 anos depois a ver se continuamos a mandar mensagens, quem sabe.

Na sua opinião, porque é que a NASA e a ESA não investiram até aqui na pesquisa de inteligência extraterrestre?

Historicamente focaram-se em formas de descobrir vida no nosso sistema solar e no nosso sistema solar só podemos imaginar que exista vida microbiótica e não outras formas de inteligência. À medida que desenvolvem missões de exploração de exoplanetas, espero que expandam a pesquisa para incluir as assinaturas de outras civilizações tecnológicas.

Os doentes não acham que é um bocado louco?

Alguns talvez achem, outros talvez nem saibam, sou apenas o psicoterapeuta.

Saber se estamos ou não sozinhos é algo que inquieta muita gente?

Há de tudo, há quem nem nunca tenha pensado nisso, há quem ache que é tudo ficção científica. A boa notícia é que a ciência é ainda mais fascinante do que a ficção.