Indo amanhã tomar posse o novo Governo, há inúmeros desafios que se colocam à nova equipa ministerial no sector da Justiça, que iremos aqui enumerar.
O primeiro desafio é o de salvaguardar a independência dos Tribunais e a autonomia do Ministério Público. Infelizmente nos últimos tempos a separação de poderes tem vindo a ser posta em causa, devido às portas giratórias que se estabeleceram entre o Governo e os Tribunais, o que deve ser evitado a todo o custo. Da mesma forma, recentemente a Senhora Procuradora-Geral da República veio afirmar que, devido a não possuir autonomia financeira plena, a autonomia do Ministério Público é “insatisfatória e, até ilusória” e que o poder executivo “face aos poderes que lhe são inerentes, não renuncia naturalmente ao controlo que pode exercer sobre a justiça e as magistraturas, em particular a do MP”. O controlo da justiça pelo poder político é absolutamente inaceitável num Estado de Direito Democrático e por isso o novo Governo deve garantir que a separação de poderes é por ele respeitada.
O segundo desafio passa por assegurar o adequado financiamento do nosso sistema de Justiça, invertendo a situação de colapso em que presentemente se encontra. Há muito tempo que se tem vindo a verificar que o Ministério da Justiça aparece como o parente pobre do Governo no Orçamento de Estado, sem que o titular da pasta consiga inverter a situação, o que põe em causa o regular funcionamento da Justiça. Recentemente, os conselhos consultivos das comarcas denunciaram a absoluta falta de funcionários com que os tribunais presentemente se deparam. Há tribunais que funcionam em edifícios sem quaisquer condições e outros em que até falta papel de impressão. E, depois das declarações do Senhor Director do DCIAP a denunciar a absoluta falta de meios de investigação criminal no seu Departamento, veio agora o Senhor Vice-Procurador-Geral da República referir que o Ministério Público caminha para a ruptura, devido à falta de meios, correndo-se o risco de se assistir a uma “avalanche de prescrições” na justiça penal. Também em relação aos advogados que trabalham no acesso ao direito, o Ministério da Justiça não tem sequer cumprido a Lei 40/2018, de 8 de Agosto, que obriga à actualização anual dos seus honorários. É por isso absolutamente necessário que a nova equipa ministerial seja capaz de assegurar o adequado funcionamento do nosso sistema de justiça, para o que terá que obter a dotação orçamental necessária.
Uma vez assegurado o financiamento do sistema de justiça através do Orçamento de Estado, é imperativo que sejam reduzidas as custas judiciais. Na verdade, neste momento as custas judiciais estão num nível tão elevado que a justiça só está acessível aos muito ricos, os únicos com dinheiro para as pagar, ou aos muito pobres, que beneficiam do apoio judiciário. Temos por isso presentemente a classe média completamente expulsa dos tribunais portugueses, o que viola claramente o art. 20º da Constituição. A proposta do PS de só reduzir as custas judiciais nos casos em que não existam meios alternativos de resolução de litígios é claramente insuficiente, uma vez que essa alternativa existe sempre. O que a Constituição garante é o acesso ao direito e aos tribunais, sendo nestes que deve ser feita a justiça. E para esse efeito, há que assegurar um serviço público de justiça em que as custas judiciais sejam verdadeiras taxas moderadoras, e não funcionem como uma forma de afastar os cidadãos da justiça.
O novo Governo tem assim uma difícil missão pela frente, tantos e tão complexos são os problemas que actualmente existem no sector da Justiça. Esperamos que as coisas possam melhorar e que a presente situação de colapso venha a ser revertida.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990