Com fevereiro a aproximar-se do fim, o recurso a eletricidade importada para garantir o abastecimento nacional praticamente duplicou face ao mês de janeiro, rondando os 32%, numa fatura que será superior a 300 milhões de euros segundo o valor do Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL), que registou um preço médio de 190 euros por megawatt/hora.
Num mês em que a preocupação em torno da seca aumentou perante as projeções de que pode estar para durar – o que poderá travar a produção hídrica até ao próximo outono -, voltou a polémica sobre o fecho precipitado ou não das centrais a carvão e qual é a capacidade nacional sem depender do estrangeiro, o que o conflito na Rússia voltou a colocar na ordem do dia. Ao Nascer do SOL, a REN pronuncia-se pela primeira vez, garantindo que «a importação só ocorre quando é mais barata que alguma geração nacional, o que nem sempre acontece já que há dias em que exportamos gás». Garante também que a «interligação entre os sistemas Português e Espanhol tem uma capacidade grande pelo que a incapacidade de importar por motivos de capacidade da rede de Espanha é muito remota» e que «não existe défice de capacidade nacional».
Este foi um risco no curto prazo para que alertou no ano passado a Direção Geral de Energia e Geologia, cenarizando o impacto do fecho das centrais a carvão e possível recuperação do consumo no pós-pandemia – e advertindo que só a partir de 2023, com a entrada em serviço em pleno dos novos aproveitamentos hidroelétricos da bacia do Tâmega, tal seria ultrapassado.
Questionada sobre estar a ser o primeiro ano de seca sem a alternativa do carvão, a REN garante não ter nenhum impacto. «Em termos de energia o consumo é coberto pela oferta nacional renovável (inclui hídrica) e a gás, e o remanescente pela importação. Nota-se que a hídrica mesmo em tempo de seca pode operar se tiver bombagem. Em termos de potência, a hídrica, os ciclos combinados a gás, a entrada progressiva das novas centrais do Tâmega este ano (com bombagem) e a interligação asseguram a cobertura das necessidades mesmo em momentos de consumo elevado».
Recorde é de agosto de 1985
Já questionada pelo Nascer do SOL sobre o aumento do recurso a importação em fevereiro e se será batido um recorde, a REN responde que não, indicando que o máximo foi atingido em agosto de 1985, quando a eletricidade importada teve um peso de 41% no consumo.
A empresa não adianta o valor global da importação – contas feitas pelo Nascer do SOL a partir do preço médio da energia em Portugal e Espanha no MIBEL indicado pela REN (190 euros€/MWh) e atendendo a que o saldo importador diário atingiu, até 24 de fevereiro uma média diária de 50 GWh, o que dá uma fatura média de 9,5 milhões de euros por dia, em alguns dias superior.
Não foi possível perceber que lugar terá este fevereiro no histórico de importação, mas recuando no tempo, 1985 foi o ano em que abriram as centrais a carvão de Sines e Pego, que passaram a contribuir para a produção nacional diminuindo na altura a dependência externa, e pela primeira vez em 35 anos não estão agora disponíveis. Já nos últimos anos, mesmo em seca, ainda não se tinha estado nesta situação, sendo que em termos de potência há mesmo mais eletricidade a ser importada, tendo sido atingido um máximo de ligação a Espanha na semana passada. Por exemplo, no início de 2019, com o país ainda em seca, o carvão pesava 25% no consumo.
Atualmente, há incomparavelmente mais capacidade instalada de renováveis do que no passado, mas, além de não ser utilizada em pleno, há horas em que solar e eólica não estão disponíveis, a chamada intermitência, agravada este mês pela interdição da produção hídrica em cinco barragens da EDP, entre elas Castelo de Bode e Alto Lindoso, para garantir o abastecimento de água por dois anos, monitorização feita pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA).
Antes deste cenário de seca, que no Instituto Português do Mar e da Atmosfera e na APA há a convicção de que pode vir a ser das mais severas, se não a mais severa, de sempre no país – com a agravante de a maioria dos últimos anos terem sido secos, o que coloca maior pressão sobre a disponibilidade de água para os diferentes usos, incluindo produção hídrica – o último Relatório de Monitorização da Segurança de Abastecimento da Direção Geral de Energia e Geologia, de julho passado, alertava que em 2022, após o fecho das centrais a carvão, o sistema nacional poderia não ser capaz de dar resposta a todas as necessidades de consumo, o que só deverá acontecer a partir de 2023, com a entrada em serviço em pleno dos novos aproveitamentos hidroelétricos da bacia do Tâmega, considerando então que caso ocorram restrições nos mecanismos de mercado ou na capacidade de importação, a «disponibilidade de meios nacionais é essencial para a garantia de abastecimento dos consumos».
Nessa situação, a avaliação da DGEG admitia que poderiam ser necessárias medidas mitigadoras, nomeadamente a ativação de um programa de apoio ao operador do sistema espanhol e, do lado da procura, redução do consumo dos consumidores industriais elegíveis com os quais existam contratos de prestação desse serviço e, em caso de incumprimento, «deslastres pontuais de consumos não prioritários». Situações que ainda não se colocaram, mas que foram deixados no horizonte.
AO SOL, a REN assegura que em fevereiro não houve nenhuma situação de risco de apagão.
E o impacto do conflito da Rússia?
Esta semana, em comunicado, o Ministério do Ambiente admitiu que o conflito entre Rússia e a Ucrânia terá necessariamente implicações nos mercados energéticos dado que, entre outros, a Rússia representa cerca de 40% das importações de gás natural da Europa. Ainda assim, esclareceu que em 2021, apenas 10% das importações de gás natural para Portugal são provenientes da Rússia, «pelo que não se antevê que uma potencial interrupção do fornecimento por parte da Rússia represente uma disrupção no fornecimento de GN a Portugal».
Por outro lado, Portugal tem níveis de armazenamento elevados de gás natural, indicou o Governo: 79,2% da capacidade total, que atualmente é dos valores mais elevados da Europa em termos percentuais. Cenário a que não será alheio Portugal ter vindo a despachar gás natural abaixo das capacidades das centrais, optando por importar face aos custos mais baratos.
Até aqui não foram apresentadas comparações das diferentes alternativas ou que o teria acontecido se as centrais a carvão de Pego e Sines estivessem a laborar. Sendo pouco despachadas, dada a prioridade das renováveis, só o Pego custava 100 milhões por ano ao Estado, tem argumentado o Governo, reiterando os compromissos de descarbonização.
Sabendo-se que Espanha reativou as suas centrais, ao Nascer do SOL fontes do setor explicam que não é fácil estimar quanta da eletricidade que o país importa continua a ser proveniente de carvão, mas em janeiro, por exemplo, o carvão marcou o preço no Mercado Ibérico de Eletricidade em apenas 4% das horas, um peso marginal. Mais relevante do que isso é a questão da maior ou menor dependência e como se planeia a longo prazo, com alterações climáticas e geopolíticas a pesar agora mais que nunca nos últimos anos.
Há uma semana, o CEO da EDP afirmou que não irá mexer nos preços da eletricidade em 2022. «A EDP não beneficiou das subidas dos preços grossistas, porque esteve do lado do cliente e absorveu os impactos desta volatilidade», disse Miguel Stilwell, na apresentação dos resultados de 2021. Esta semana, questionada pelo SOL sobre o cenário de a produção hídrica poder continuar travada até ao final do ano hidrológico, que como o i noticiou está em cima da mesa da APA por não haver previsão de recuperação das albufeiras para níveis históricos normais até ao final do verão, a empresa não respondeu sobre qual o impacto na sua atividade e se se poderá vir a refletir nos tarifários. O Ministério do Ambiente já indicou que não terá de indemnizar a EDP pela a suspensão temporária da produção de eletricidade em cinco barragens, não tendo a empresa respondido se tem o mesmo entendimento.