Benfica-Covilhã. Quando ecoaram pela Estrela os rugidos do Leão da Serra

Benfica-Covilhã. Quando ecoaram pela Estrela os rugidos do Leão da Serra


Os encarnados recebem hoje, para a Taça da Liga, um adversário que já lhes provocou dissabores numa altura em que dominavam a Europa.


Dia 18 de dezembro de 1962. Fazia um frio de serrar ossos na Covilhã e, embora o Estádio Nacional Dr. José Santos Pinto estivesse a rebentar pelas costuras, com o público a aquecer-se por via da lei da proximidade, os jogadores do Benfica ressentiram-se dele. Ou, pelo menos, também serviu de desculpa para uma derrota de todo inesperada. Se os da casa jogavam com Rita; Patino e Lourenço; Lãzinha, Cavém e Carlos Alberto; Palmeiro Antunes, Chacho, Adventino, Manteigueiro e Amílcar, os encarnados apresentavam um dos seus onzes de luxo: Barroca; Ângelo e Cruz; Cavém Germano e Coluna; José Augusto, Santana, Eusébio, Águas e Simões. Palmeiro Antunes fora uma figura inesquecível na Luz, vindo do Portalegrense para os juniores do Benfica, fazendo em seguida quatro épocas na equipa principal durante as quais exibiu o seu instinto goleador. Voltaria a mostrá-lo nessa tarde, mas já lá vamos.

De cada lado havia um Cavém. Filhos ambos do antigo jogador e treinador do Lusitano de Vila Real de Santo António, Norberto Cavém, o Domiciano jogava no Benfica e o Amílcar no Sporting da Covilhã. Curiosamente, o primeiro, que ganhou duas Taças dos Campeões com a camisola da águia, viria a ser, mais tarde, treinador do Leão da Serra. Leão esse que parecia destinado ao sacrifício perante o poder imenso de um adversário que assustava as maiores equipas da Europa.

O jogo começou frenético, bola lá, bola cá. Logo aos 4 minutos, Adventino isolou-se frente a Barroca, mas falhou o alvo; na resposta, um pontapé forte de Eusébio, bem ao seu estilo, obrigou Rita a uma defesa segura. Rita não era nenhum menino. Começara no Olhanense e, em seguida, cumpriu três anos como keeper do Sporting. No ano seguinte, sairia do Covilhã para o Benfica onde se manteve duas épocas, embora jogando muito pouco. Aos 31 anos, estava ainda em boa forma. Curiosamente, era primo dos dois Cavém que estavam nessa tarde no Santos Pinto. Durante os vinte minutos que se seguiram, teve a oportunidade de pôr em ação a sua elasticidade perante um ataque continuado dos benfiquistas com Santana e os seus pés de belbutina a fazerem da bola o que queria.

E, assim, o golo encarnado surgiu com a naturalidade da neve que no Inverno cai sobre os 1993 metros de altitude da Torre. Aos 39 minutos, José Augusto teve uma espécie de fúria e foi driblando adversários como se driblasse pinos nos treinos. Depois rematou com força e colocação e levou o Benfica a vencer por 1-0 para o intervalo.

A revolta No segundo tempo, e ainda com os lisboetas a dominarem o encontro, o contra ataque do Leão da Serra foi terrível. Logo aos 8 minutos, Jaime González Meilán, um galego que todos conheciam por Chacho isolou Amílcar com um passe requintado: 1-1.

O golo atordoou o Benfica e encheu de crença o peito dos covilhanenses. Passaram a dividir os lances e as oportunidades. Ou seja, a contenda equilibrou-se. De um momento para o outro, já não se sabia quem estava mais perto da vitória. O povo estava contente com esse equilíbrio que transformara a partida num autêntico jogo de campeonato, disputado em todos os palmos do terreno duro de frio intenso.

Dois minutos passados sobre a meia-hora da segunda parte, Palmeiro Antunes fugiu pela direita, levando a melhor sobre Cavém (o Domiciano) e centrou com medida para a cabeça de Chacho. Barroca estava batido e o Benfica também. A vitória não fugia ao Leão da Serra cujo rugido ecoou por toda a Estrela. O momento era único. A festa também.