Combustíveis. Gasolineiras admitem “fechar portas”

Combustíveis. Gasolineiras admitem “fechar portas”


Governo francês pondera oferecer vales de desconto para combater aumento dos preços. Analista contactado pelo i afasta cenário e admite nova descida nos impostos.


Vários postos de combustíveis admitem fechar as portas caso o Governo volte mexer nos impostos sobre os combustíveis. E ao i dão uma justificação: “Em 10 euros, 60% vai para o Estado, 37% está nas mãos das petrolíferas e cerca de 3% diz respeito às gasolineiras, que com essa margem tem de pagar salários, rendas, entre outros custos. Se o Governo for mexer nestes 3% mais vale fechar porque deixamos de ter qualquer lucro”, diz fonte ligada ao setor.

E lembra que, a par das alterações das margens que o Executivo pondera alterar, é preciso contar com as perdas que as gasolineiras tiveram neste ano e meio de pandemia, nomeadamente no que diz respeito à proibição de venda de bebidas alcoólicas.

Uma outra fonte ligada ao setor diz ao i que as gasolineiras têm estado a travar os aumentos acima de dois euros por litro na gasolina por considerarem que isso tem um efeito psicológico. “Os condutores quando deparados com esses valores poderão travar os consumos, o que acaba por prejudicar o negócio dos postos de combustível”. Mas parece ser inevitável que “isso venha a acontecer e que estejamos perante uma tragédia anunciada”, acrescenta a mesma fonte, que diz ainda que nos últimos dias houve uma grande procura de consumo, talvez por as pessoas “anteverem aumentos consideráveis”.

Governo tenta travar aumentos Em cima da mesa está o facto de o Governo admitir voltar a descer o imposto dos combustíveis, depois de ter reduzido temporariamente a taxa unitária de ISP em dois cêntimos na gasolina e um cêntimo no gasóleo – uma medida que entrou em vigor no sábado e vai vigorar até ao final de janeiro. “Tendo havido um aumento do preço, isso reflete-se num aumento da receita do IVA. O que fazemos é devolvermos aos portugueses esse aumento da receita do IVA através de uma redução do ISP. Nós só estamos a reduzir o ISP porque é a forma tecnicamente mais fácil de rapidamente devolver aos portugueses a receita extraordinária que estamos a ter”, afirmou o primeiro-ministro. E garantiu que essa revisão foi feita na semana passada e irá repetir-se: “Iremos continuar a avaliar qual é a evolução dos preços e, sempre que houver um aumento da receita de IVA imputada a este aumento de preços, nós procederemos a essa devolução em sede de ISP”.

Solução à vista? De acordo com Henrique Tomé, analista da XTB, enquanto a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) permanecer com os atuais níveis de produção inalterados, em conjunto com o aumento da procura, o aumento dos preços é inevitável. E vai mais longe: “Além disso, os aumentos dos preços do petróleo têm contribuído para o aumento dos níveis de inflação, sobretudo nos EUA e é necessário que exista algum tipo de intervenção no mercado, tal como fez a China com a produção de carvão ou a própria Rússia com o gás natural para a Europa”.

Ainda assim, a China anunciou ontem que vai aumentar a produção de carvão em quase 6%, para lidar com a escassez de energia, depois de ter atingido recentemente o recorde diário de produção. De acordo com a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (CNDR), o órgão máximo de planificação económica do país, disse que 153 minas foram autorizadas, desde o mês passado, a aumentar a sua capacidade de produção em 220 milhões de toneladas por ano. Estas medidas foram tomadas com vista a “garantir o abastecimento de carvão, durante o inverno e na próxima primavera”.

Contornar subidas Enquanto Portugal depara-se com estes aumentos dos preços dos combustíveis, França pondera oferecer vales de desconto para combater a subida de preços. A medida foi anunciada pelo ministro das Finanças francês, no entanto, deverá aplicar-se às famílias com baixos rendimentos, descartando assim a descida de impostos. De acordo com o governante, uma redução de impostos teria um elevado custo para as finanças públicas e iria contra a estratégia do Governo de não incentivar o uso de combustíveis fósseis. Além disso, defendeu que baixar as taxas seria “injusto”, uma vez que beneficiaria quer aqueles que têm “um todo o terreno 4×4”, quer quem apenas tem um “[Renault] Clio”, revelou Bruno Le Maire.

Uma solução que, segundo Henrique Tomé, analista da XTB, “a curto prazo poderá atenuar as subidas, mas se os preços continuarem a subir – como se espera que aconteça – essas medidas poderão ter um impacto limitado e será necessária uma intervenção mais agressiva por parte do Governo para fazer face ao aumento dos preços”, diz ao i.

No entanto, não descarta a possibilidade de movimentos como os coletes amarelos voltarem a ganhar terreno. “Os preços dos combustíveis em França também têm aumentado significativamente e, apesar do Governo francês já ter demonstrado querer atenuar parte das recentes subidas dos preços dos combustíveis, não se deve descartar essa possibilidade de os coletes amarelos poderem sair à rua para novas manifestações”.

O responsável afasta, no entanto, a hipótese de o Governo português avançar com medidas, como a atribuição de vouchers. “Não vejo o Governo português a tomar esse caminho. Apesar de os preços dos combustíveis em Portugal serem semelhantes aos preços de França, os consumidores portugueses têm um poder de compra muito inferior aos consumidores franceses”, lembrando que “a elevada carga fiscal e a falta de regulamentação em Portugal continuam a prejudicar os consumidores e estes sim são pontos que o Governo se deveria preocupar mais”.

O analista aposta mais numa solução em que o Governo poderá baixar mais os impostos, indo ao ao encontro do que tem sido avançado pelo Executivo.

Receitas poderão ditar decisão É certo que qualquer decisão que seja tomada pelo Governo irá ter peso nas receitas fiscais. De acordo com as contas do analista da XTB, desde 2015, o Estado já arrecadou mais de 212 656 milhões de euros em impostos.

E de acordo com proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano, a carga fiscal sobre os combustíveis deverá manter-se em alta, com o Governo a não propor qualquer alteração ao Impostos sobre os Produtos Petrolíferos (ISP). E graças a esse imposto prevê aumentar a receita em 3%, arrecadando mais 98 milhões de euros em 2022.

Feitas as contas, está prevista a manutenção do “adicional às taxas do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, no montante de 0,007 euros por litro para a gasolina e no montante de 0,0035 euros por litro para o gasóleo rodoviário e para o gasóleo colorido e marcado”. Quanto ao “destino” da receita gerada pelo adicional ao ISP, parte desta (até 30 milhões de euros) será consignada ao Fundo Florestal Permanente.