Direitos na Era Digital: só no papel


Congratulo o Parlamento por, finalmente, terem estudado, refletido e apresentado uma lei que trata a questão do ciberespaço, com gravidade e com a importância devida.


Em julho, entrará em vigor a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, aprovada no dia 8 de abril, onde em 21 artigos estão previstos os direitos, as liberdades e as garantias que determinam a utilização das tecnologias de informação e de comunicação (TIC’s) e a presença do cidadão e de outras entidades no ciberespaço.

Uma lei que se apresenta como ausente na definição e na orientação daquela que deve ser a conduta e os deveres dos utilizadores da rede digital e que, em contraste, atribui responsabilidades de fiscalização dos conteúdos digitais aos órgãos de comunicação social, através da criação de estruturas específicas para o efeito. As tais estruturas que vão emitir o selo de “verdade certificada” e que serão os detetores de desinformação… E mais não digo, mas está lá, no tão citado artigo 6º.

Uma ambiguidade de compreensão difícil e que, a não ser para o legislador, não favorece o entendimento no alcance desta proposta e quanto aos fundamentos que poderão ter estado na sua origem.

Uma lei como esta vem tarde, já que se tornou mais do que evidente a assunção indubitável dos efeitos perversos que a rede digital pode ter para muitas instituições ou cidadãos. Se por um lado temos um acesso à informação sem limites, por outro incorremos no perigo de sermos vítimas da infodemia, sem qualquer consciência dessa exposição.

Congratulo o Parlamento por, finalmente, terem estudado, refletido e apresentado uma lei que trata a questão do ciberespaço, com gravidade e com a importância devida. Seria irresponsável continuarmos a olhar para o lado, numa tentativa de ignorar a realidade que tomou conta das nossas vidas, dos nossos dias, do nosso trabalho e das relações sociais, somente porque é uma matéria complexa de abordar e que facilmente pode cair no engodo de se estar a ser contra a liberdade de expressão. Ainda assim, há que ter a obrigação política e legislativa de determinar quais os deveres e as responsabilidades dos “prosumers”, os ditos consumidores e produtores de conteúdos, e estabelecer baias para o que é aceitável e o que deve ser punido.

Os códigos éticos, estes sim, deveriam ser claros e reproduzirem no espaço digital a mesma conduta que se exige no espaço não virtual. Senão, porque razão é aceitável eu ofender alguém numa rede social virtual e expô-la à calúnia, mas o mesmo é condenável se for na via pública?

Reconheço a boa-vontade de alguns artigos da Lei 27/2021, de 17 de maio, contudo não considero que sejam suficientes para erradicar o cyberbullying e os discursos de ódio que por ali andam, de partilha em partilha, tal e qual uma pessoa que é atirada de um lado para o outro, no centro de uma roda de pessoas e do qual não consegue sair. Todos já assistimos a esta “rodinha” nos tempos de escola e, hoje, todos assistimos à sua reedição, sentados no conforto do nosso lar, como se não fosse nada connosco.

Curiosa, a necessidade que o legislador proponente sentiu em colocar no artigo que define o Direito de acesso ao ambiente digital, que ao Estado compete promover “a definição e execução de programas de promoção da igualdade de género e das competências digitais nas diversas faixas etárias”… E que considere que as “assimetrias regionais e locais em matéria de conectividade” são de importância menor quando se tratam de programas de acesso à rede. Talvez se tenham esquecido que neste último confinamento, os nossos alunos, de norte a sul, já deveriam ter na sua posse um computador que lhes permitisse aceder às aulas online, prometido para setembro de 2020, aquando da abertura do ano letivo. E, provavelmente, também não se recordam da quantidade de alunos que, tendo computadores, viviam em locais que não tinham cobertura de rede, obrigando-os a sair de casa em busca de rede para assistir às aulas.

Uma última referência ao artigo 20º que define o “Direito das crianças”, referindo-se ao gozo de uma proteção especial e à segurança no ciberespaço. Em Portugal, durante a pandemia, 60% dos estudantes foram vítimas de bullying online, de acordo com um estudo realizado pelo ISCTE. Apesar do que alguns partidos querem fazer crer, para agradar aos seus reduzidos nichos eleitorais, a maioria das crianças agredidas é escolhida por se encontrar em situação social desfavorecida e, por isso mesmo, mais vulnerável aos ataques e com menor capacidade de defesa. Estes direitos inalienáveis a qualquer criança deveriam ser uma prioridade neste documento, sendo que é urgente adotar medidas concretas e de monitorização para evitar estas situações com consequências psicológicas irreversíveis e que contribuem para o insucesso escolar das vítimas.

Aguarda-se a revisão desta lei e a priorização dos factos relevantes, que merecem ser tratados com seriedade e com sentido de urgência, sem condicionalismos que mais não são do que propósitos de agradar a corporações mediáticas.

Escreve quinzenalmente

Direitos na Era Digital: só no papel


Congratulo o Parlamento por, finalmente, terem estudado, refletido e apresentado uma lei que trata a questão do ciberespaço, com gravidade e com a importância devida.


Em julho, entrará em vigor a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, aprovada no dia 8 de abril, onde em 21 artigos estão previstos os direitos, as liberdades e as garantias que determinam a utilização das tecnologias de informação e de comunicação (TIC’s) e a presença do cidadão e de outras entidades no ciberespaço.

Uma lei que se apresenta como ausente na definição e na orientação daquela que deve ser a conduta e os deveres dos utilizadores da rede digital e que, em contraste, atribui responsabilidades de fiscalização dos conteúdos digitais aos órgãos de comunicação social, através da criação de estruturas específicas para o efeito. As tais estruturas que vão emitir o selo de “verdade certificada” e que serão os detetores de desinformação… E mais não digo, mas está lá, no tão citado artigo 6º.

Uma ambiguidade de compreensão difícil e que, a não ser para o legislador, não favorece o entendimento no alcance desta proposta e quanto aos fundamentos que poderão ter estado na sua origem.

Uma lei como esta vem tarde, já que se tornou mais do que evidente a assunção indubitável dos efeitos perversos que a rede digital pode ter para muitas instituições ou cidadãos. Se por um lado temos um acesso à informação sem limites, por outro incorremos no perigo de sermos vítimas da infodemia, sem qualquer consciência dessa exposição.

Congratulo o Parlamento por, finalmente, terem estudado, refletido e apresentado uma lei que trata a questão do ciberespaço, com gravidade e com a importância devida. Seria irresponsável continuarmos a olhar para o lado, numa tentativa de ignorar a realidade que tomou conta das nossas vidas, dos nossos dias, do nosso trabalho e das relações sociais, somente porque é uma matéria complexa de abordar e que facilmente pode cair no engodo de se estar a ser contra a liberdade de expressão. Ainda assim, há que ter a obrigação política e legislativa de determinar quais os deveres e as responsabilidades dos “prosumers”, os ditos consumidores e produtores de conteúdos, e estabelecer baias para o que é aceitável e o que deve ser punido.

Os códigos éticos, estes sim, deveriam ser claros e reproduzirem no espaço digital a mesma conduta que se exige no espaço não virtual. Senão, porque razão é aceitável eu ofender alguém numa rede social virtual e expô-la à calúnia, mas o mesmo é condenável se for na via pública?

Reconheço a boa-vontade de alguns artigos da Lei 27/2021, de 17 de maio, contudo não considero que sejam suficientes para erradicar o cyberbullying e os discursos de ódio que por ali andam, de partilha em partilha, tal e qual uma pessoa que é atirada de um lado para o outro, no centro de uma roda de pessoas e do qual não consegue sair. Todos já assistimos a esta “rodinha” nos tempos de escola e, hoje, todos assistimos à sua reedição, sentados no conforto do nosso lar, como se não fosse nada connosco.

Curiosa, a necessidade que o legislador proponente sentiu em colocar no artigo que define o Direito de acesso ao ambiente digital, que ao Estado compete promover “a definição e execução de programas de promoção da igualdade de género e das competências digitais nas diversas faixas etárias”… E que considere que as “assimetrias regionais e locais em matéria de conectividade” são de importância menor quando se tratam de programas de acesso à rede. Talvez se tenham esquecido que neste último confinamento, os nossos alunos, de norte a sul, já deveriam ter na sua posse um computador que lhes permitisse aceder às aulas online, prometido para setembro de 2020, aquando da abertura do ano letivo. E, provavelmente, também não se recordam da quantidade de alunos que, tendo computadores, viviam em locais que não tinham cobertura de rede, obrigando-os a sair de casa em busca de rede para assistir às aulas.

Uma última referência ao artigo 20º que define o “Direito das crianças”, referindo-se ao gozo de uma proteção especial e à segurança no ciberespaço. Em Portugal, durante a pandemia, 60% dos estudantes foram vítimas de bullying online, de acordo com um estudo realizado pelo ISCTE. Apesar do que alguns partidos querem fazer crer, para agradar aos seus reduzidos nichos eleitorais, a maioria das crianças agredidas é escolhida por se encontrar em situação social desfavorecida e, por isso mesmo, mais vulnerável aos ataques e com menor capacidade de defesa. Estes direitos inalienáveis a qualquer criança deveriam ser uma prioridade neste documento, sendo que é urgente adotar medidas concretas e de monitorização para evitar estas situações com consequências psicológicas irreversíveis e que contribuem para o insucesso escolar das vítimas.

Aguarda-se a revisão desta lei e a priorização dos factos relevantes, que merecem ser tratados com seriedade e com sentido de urgência, sem condicionalismos que mais não são do que propósitos de agradar a corporações mediáticas.

Escreve quinzenalmente