A ausência das mulheres na política


É necessário desconstruir comportamentos e preconceitos e permitir que as mulheres encontrem uma forma de estar na política mais consentânea com as responsabilidades que acumulam. 


Estamos em março, a cerca de seis meses da realização das eleições autárquicas, já com numerosos candidatos aprovados pelas estruturas partidárias e apresentados, oficialmente, pelos líderes dos partidos políticos. Nesta corrida, o PSD destaca-se sobremaneira dos restantes partidos, com a apresentação de mais de cem candidatos às presidências das câmaras municipais e o compromisso de apresentar os restantes até ao final deste mês. A todos estes, somam-se os candidatos avulso do PS, da CDU, do BE, do CDS e do Chega, que vão sendo anunciados a conta-gotas, a cada dia que passa. A IL também já o fez, para depois desfazer e agora revelar o seu “plano B”. Talvez não fosse mal pensado indicarem de antemão o “plano C”, só para o caso do “plano B” falhar, e voltarem a inundar a cidade de Lisboa com cartazes, em jeito de anúncio: “Precisa-se de senhor com aspeto apresentável, entre os 30 e os 55 anos, que tenha uma boa conversa e seja afável, para relação séria e compromisso por 4 anos, no mínimo.” A pouca seriedade que é atribuída à política e aos políticos advém, em muito, mas não só, deste tipo de comunicação que certos partidos escolhem para as suas campanhas eleitorais, em jeito trocista e displicente.

Análise dos candidatos à parte, mas importa relevar um facto que não deixa de ser interessante pela sua reincidência; ou melhor, pela constatação de que, em quatro anos, pouco ou nada se alterou no panorama dos candidatos às autarquias, no que se refere à presença de mulheres como cabeças de lista às câmaras municipais dos 308 concelhos. Esta primeira amostragem, revela que, mais uma vez, e apesar da Lei da Paridade e da sua revisão em 2019, a política continua a ser exercida por homens, ainda que a composição das listas aos órgãos autárquicos obedeça, quando verificadas, aos 40% instituídos pelas tão controversas quotas de género.

A discussão é muito antiga e já tem barbas. Os argumentos são conhecidos, tanto por parte dos que advogam as quotas, como dos que não encontram qualquer benefício neste instrumento jurídico, com o objetivo de promover a igualdade de representação nos órgãos políticos, entre homens e mulheres.

É óbvio que as quotas não resolveram o problema que muitos identificaram como uma desigualdade de oportunidades e exclusão das mulheres da cena política. Hoje, as mulheres continuam a representar menos de um terço dos eleitos nos parlamentos nacionais da União Europeia, apesar de todos os esforços e debates que incentivaram e delinearam estratégias para abrir espaço, leia-se lugares, para as mulheres. Em Portugal, o cenário não é muito diferente: a participação feminina na Assembleia da República ronda os 38%, o que corresponde a 86 mulheres eleitas em 2019, contrastando com os 144 homens. Para que haja massa crítica, é necessário um mínimo de 30% do grupo sub-representado, sendo que o equilíbrio é reconhecido perante uma ordem de 40/60 e a paridade é alcançada numa proporção de 50/50.

Rui Rio admitiu que sentiu dificuldade em recrutar mulheres para a sua lista de candidatos, lamentando a falta de disponibilidade das que foram abordadas. Este ponto é de uma relevância maior, sendo que, nos dias de hoje e contextualizando com a crescente emancipação profissional das mulheres, todo o terreno está preparado para receber as mulheres na política, além de que foram sendo eliminadas muitas das barreiras que impediam a participação feminina na cena política.

Não tarda que se façam ouvir as críticas às listas em que escasseiam as mulheres, invocando as quotas e disparando acusações de discriminação, num discurso que já não faz sentido depois de todas diligências que foram tomadas.

A questão a colocar é por que razão as mulheres não se animam a ter uma intervenção mais significativa na vida política, e identificar quais os obstáculos e impedimentos que poderão estar na origem da desmotivação na participação na atividade partidária e, consequentemente, nos órgãos políticos.

Registámos aumentos significativos, outros esmagadores, na participação das mulheres em vários quadrantes, ao longo das últimas décadas. Alguns números que ilustram estes progressos: as redações dos órgãos de comunicação social são compostas por 41% de mulheres; em 2019, contavam-se entre os magistrados, 1.071 mulheres e 663 homens; dos cerca de 50 mil médicos, 30 mil são mulheres; em 2020, no ensino superior estavam matriculados 214 mil alunas e 182 mil alunos; na forças armadas, as mulheres representam 13% do total, das quais duas são generais.

No que diz respeito às universidades e à magistratura, as mulheres não beneficiaram da imposição de quotas de género para alcançarem a maioria entre os seus pares. O benefício decorreu da abolição de regras discriminatórias no processo de admissão.

Na atividade partidária, mais do que passar a pente fino os nomes que constam nas listas de candidatos, é mais revelador do atual estado da participação das mulheres a sua presença, leia-se ausência, nos plenários de militantes ou nas assembleias de associações de natureza política. Nestes fóruns, os participantes são predominantemente homens, com presença residual de mulheres, ainda que o acesso seja aberto a ambos. O que significa que, numa primeira fase, os homens se sentem mais motivados para integrarem um partido político e fazerem parte do funcionamento da estrutura partidária.

Esta apreciação não invalida os esforços que têm sido prosseguidos para a inclusão das mulheres na política, mas, acima de tudo, é necessário desconstruir comportamentos e preconceitos, e permitir que as próprias mulheres encontrem uma forma de estar na política e no associativismo que seja mais consentânea com as responsabilidades que acumulam.

Num estudo realizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, as mulheres dedicam 5 horas e 48 minutos por dia a trabalho não remunerado, entre tarefas domésticas e cuidados com os filhos ou pais. Uma outra conclusão é que 72% das tarefas domésticas inerentes à vida do casal é executado pelas mulheres, associado aos 62% de mulheres que gostariam de trabalhar menos horas e aos 51% que se sentem insatisfeitas com o seu trabalho/profissão.

A vontade que sobra para exercer na plenitude a sua cidadania e envolver-se num compromisso político-partidário pode bem resultar de um estado anímico espremido, o que torna as mulheres ausentes das rotinas partidárias fora de horas e dos espaços que estão ocupados pelos homens desde sempre, e de onde estes não querem sair.

Já dizia Alexandre Herculano que querer é poder, se bem que o raro é o querer.

 

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