Turismo. Viajar nos destinos mais improváveis do planeta

Turismo. Viajar nos destinos mais improváveis do planeta


Mesmo numa pandemia, o que não falta são destinos turísticos para quem gosta de emoções fortes, das florestas maravilhosas do Ruanda aos mistérios e perigos do Mali, passando pelos budas destruídos do Afeganistão e o mar de mármore do Turquemenistão.


Atravessar o deserto, com uma escolta armada atrás

Pode parecer improvável, mas o Mali, um país fragmentado entre mercenários tuaregues, grupos tribais rivais e jiadistas leais Al Qaeda ou ao Daesh, cenário da mais mortífera missão de manutenção da paz das Nações Unidas, tenta apostar forte no turismo internacional para ressuscitar a sua devastada economia. E apontam para um mercado muito particular, com cada vez mais parcerias com a China, de onde começavam a chegar alguns turistas – até que esse fluxo foi cortado pela pandemia.

Não é de estranhar que o Mali, que costumava ser um destino turístico de eleição, há uma década, sonhe em voltar a sê-lo. Antiga sede sede impérios sofisticados e riquíssimos, que controlavam o fluxo de ouro pelo deserto do Sahara, até ao norte de África, o país tem dentro das suas fronteiras quatro monumentos declarados Património da Humanidade pela UNESCO. O seu ex-libris, Timbuctu, durante séculos mitificada como um El Dorado pelos europeus – foi devastada em 2012, quando uma insurgência tuareg tomou o norte do país, batendo em retirada graças a um contra-ataque francês. Ao desastre somou-se a perde de mais de 40 mil empregos no setor da hospitalidade, segundo as estatísticas oficiais.

Contudo, é complicado apelar ao turismo quando se sabe que “é frequente a ocorrência de ataques terroristas”, que o norte do Mali está fora do controlo do Governo, nas mãos de insurgentes, enquanto “a ameaça terrorista permanece elevada também na capital, Bamako, sobretudo em lugares públicos frequentados por ocidentais”, sendo “muito presente o risco de rapto de estrangeiros”. As deslocações não essenciais são desaconselhadas pelo Governo português, no seu Portal das Comunidades.

Esse risco não foi impeditivo para o crescente número de jornalistas e viajantes chineses que visitaram o Mali nos últimos anos, a convite das autoridades. Grupos como o encontrado pela Time nas Falésias de Bandiagara, tirando fotos uma falésia com uns 500 metros de altura, onde se empoleiram aldeias da comunidade dogon, outra atração maliana declarada Património da Humanidade

Atrás do grupo de visitantes chineses, que tiravam fotos sem parar, entusiasmados,“estavam uma mão cheia de soldados malianos à espera, com metralhadoras preparadas”, estranhou o repórter da revista americana, o ano passado. “Depois voltaram à sua caravana de veículos, rodeados por homens armados enviados pelo Governo, para sua proteção”. Uma necessidade para visitar um país tão conturbado, nada adequado a quem não gosta de emoções fortes, e onde o turismo faz tanta falta.

Procurar gorilas no país que patrocina o Arsenal

Caso tenha assistido a algum jogo do Arsenal nos últimos tempos, talvez tenha estranhado ver braçadeiras onde se lia “visite o Ruanda”, com a mesma mensagem a repetir-se em publicidades pelo estádio fora. Não se trata de um espaço publicitário mesmo nada barato – só as braçadeiras custaram o equivalente a uns 34 milhões de euros ao Governo do autoritário Paul Kagame, adepto ferrenho dos gunners, num acordo assinado em 2017, com duração de três anos. Parece um gasto bizarro para um país que continua muito dependente de ajuda humanitária, que não deixou de levantar sobrolhos no Reino Unido, um dos maiores contribuidores para essa ajuda, e entre a oposição ruandesa – como costume, as críticas foram duramente reprimidas pelo Governo de Kagame.

A justificação do Governo foi de que o turismo poderia tornar-se o motor económico do país, e que importava fazer potenciais visitantes internacionais ter outra imagem do Ruanda que não o genocídio de 1994 – talvez essa tragédia, onde pereceram umas 800 mil pessoas, seja o que mais rapidamente vem à cabeça quando pensamos neste país.

Contudo, o facto é que o Ruanda, conhecido como o “país das mil colinas”, tem um imenso potencial turístico, com beleza natural e património cultural deslumbrante. Um enorme chamariz é a grande população de gorilas-da-montanha, uma espécie em vias de extinção, mais de 880 dos quais vivem no Parque Nacional de Virunga, cruzado pela fronteira entre o Ruanda, Uganda e a República Democrática do Congo.

A estes animais juntam-se mais de oito mil espécies de flora e fauna, incluindo trezentas espécies exclusivas da região, como o gorila-do-oriente e o macado dourado, num parque pontilhado por dois vulcões ativos, o monte Nyiragongo and Nyamuragira, com os seus picos sempre escondidos pelas nuvens que apenas acrescentam exotismo à experiência.

Cada vez mais, multiplicam-se as agências de viagens que promovem safaris e trilhos para avistar gorilas em Virunga, umas férias que não deixam de ter um certo risco. A região é populada por inúmeras milícias e grupos rebeldes armados, financiados em boa parte pelo tráfico de animais selvagens. Ainda na semana passada massacraram seis guardas florestais de Virunga, na parte congolesa do parque nacional.

Após o Ruanda fechar portas a todos os visitantes devido à pandemia, tendo sido um dos primeiros países a impor duras restrições, voltaram a abrir fronteiras este verão, mediante um teste negativo à covid-19. Na altura, face à quebra do turismo, até oferecem descontos nos passes para os trilhos de gorilas, que passaram a custar 500 dólares para turistas estrangeiros, quando dantes custavam 1500, segundo a Bloomberg.

As avenidas de mármore e ouro de um bizarro ditador

Se visitar Ashgabat, a seca e tórrida capital do Turquemenistão, verá um mar de edifícios monstruosamente colossais, cobertos de cima a baixo com mármores preciosos e ouro. É um mar de branco e dourado a perder de vista, onde até os carros são pintados de branco por lei, e as autoridades proibiram todos os ares condicionados por desfigurarem a cidade. Contudo, se conseguir desviar o olhar de todo o luxo e ostentação, reparará que as ruas estão praticamente vazias, a população pobre e miserável. Afinal, este trata-se do bizarro reino de Gurbanguly Berdimuhammedow, que disputa com o Supremo Líder norte-coreano Kim Jong-Un o título de ditador mais egomaniáco, autoritário e extravagante.

No entanto, Berdimuhammedow parte com a vantagem de ter nas suas mãos as quartas maiores reservas de gás no planeta. O ditador – louco por cães Alabay e cavalos Akhal-Teke, raças exclusivas do Turquemenistão – usa esse dinheiro para coisas tão estrambólicas como construir uma estátua de seis metros de um cão Alabay, coberta de ouro, bem no coração de Ashgabat, revelada o ano passado, somando-se ao infindável número de estátuas de cavalos Akhal-Teke por todo o país.

Por algum motivo, estes monumentos não têm funcionado como grande chamariz de turistas, por mais que as autoridades turcomenas se desdobrem em anúncios. Aliás, o país até está no topo da lista de países menos visitados do planeta, segundo a Organização Mundial do Turismo – é ultrapassado apenas pelas minúsculas ilhas de Kiribati e Tuvalu. No entanto, se os destinos turísticos se medissem por quão únicas são as experiências proporcionadas, o Turquemenistão estaria sem dúvida no topo de qualquer tabela.

Berdimuhammedow também é obcecado por recordes do Guinness. Ashgabat pode gabar-se de ter o maior salão de casamentos do mundo, com um teto em forma de esfera dourada, dentro de uma armação em estrela, em mármore branco, a mais de 32 metros de altura. A capital turcomena também conta com a maior roda de diversões interior do mundo – obviamente em mármore e ouro, obviamente sempre vazia – e um banco que tem no telhado a maior estátua de uma moeda do mundo.

Infelizmente, não poderá visitar este país nos próximos tempos, estando as fronteiras fechadas devido à covid-19. Mas, para quem gosta de destinos sossegados e incomuns, e não se importa com alguma repressão aqui e ali, o Turquemenistão é a escolha certa para umas férias depois da pandemia.

Arrastar cabras no Afeganistão, entre budas arrasados

Raramente vemos o Afeganistão nas notícias por bons motivos. Os temas andam sempre à volta de uma nova ofensiva talibã, negociações falhadas, civis mortos por drones americanos ou atentados do Estado Islâmico. Mesmo assim, acredite ou não, a província afegã de Bamiã, mesmo no centro do país, estava a caminho de se tornar um hotspot de turismo, registando mais de 400 mil visitantes em 2019, incluindo uns 500 estrangeiros, um número elevado para um país em guerra como o Afeganistão – até que a pandemia veio deitar por terra esses avanços, como acontece em boa parte do resto do mundo.

Bamiã, uma província de montanhas coloridas e lagos cristalinos, lar de uma população maioritariamente hazara, uma minoria xiita, é um sonho para apaixonados por história. Mesmo a após os talibãs rebentarem os famosos budas de Bamiã, em 2001, danificando as centenas de murais, frisos e cavernas em redor.

A UNESCO ainda se debate sobre como reconstruir estas estátuas monumentais, vestígio da Rota da Seda, mas a população não desiste do seu património cultural. Durante as festas de inverno, em fevereiro, as planícies aos pés dos budas continuam a ser palco de buzkashi, ou “puxar cabra” em persa, um peculiar desporto da Ásia Central, em que atletas a cavalo tentam literalmente enfiar uma cabra na baliza – à revelia dos talibãs, que proibiram este desporto, considerando-o imoral.

Naturalmente, o turismo de Bamiã não é o que era nos seus tempos de glória, nos anos 60 e 70 – costumava ser paragem obrigatória no chamado “trilho dos hippies”, que invadiam alegremente os mercados locais, de mochila às costas, cabelo comprido e haxixe nos bolsos.

Mesmo assim, o festival de inverno continua a ser uma popular atração turística. Poderá não o perder este ano, mesmo em tempo de pandemia – o Afeganistão não impõe restrições a viajantes, mas terá de fazer quarentena obrigatória no regresso a Portugal. O mais chato é as mulheres terem de usar hijab ou burca, sob risco de ser um alvo, mas nem sequer precisa de atravessar as perigosas estradas afegãs para chegar a Bamiã, que dispõe do seu próprio aeroporto.

O mais assustador pode ser a escala em Cabul, onde são cada vez mais frequentes os ataques do Daesh. Mas nem a cidade de Bamiã, a capital da província, isolada no meio das montanhas, escapa tragédias do género – ainda em novembro morreram 14 pessoas devido a um atentado à bomba, que devastou os animados mercados da cidade.