Todos os dias, Filipa Santos liga a webcam e satisfaz os desejos de quem procura os seus serviços. A cam girl produz fotografias a pedido e a título de fetiche – por exemplo, com o nome do cliente escrito numa parte específica do corpo –, vídeos (sozinha ou que contam com a participação do marido) e conteúdos para os pacotes de subscrição mensal via WhatsApp e Snapchat, através dos quais o cliente recebe, nas palavras da modelo de 34 anos, “um miminho”. Conjugando esta ocupação com as funções de dona de casa e mãe, numa primeira fase tinha um emprego na área financeira e colocava o camming (denominação anglo-saxónica para a performance das cam girls e dos cam boys captada por meio de uma webcam) em segundo plano. Em 2015 consolidou a sua carreira. Trabalhou em várias plataformas, mas começou pelas internacionais.
A cam girl define três modelos de subscrição distintos: mensal, com direito a conteúdo diário exceto aos fins de semana e feriados, e com o valor de 25 euros; anual, com o valor de 75 euros, contemplando o conteúdo diário e descontos nos livestreams; e vitalício – por 150 euros são disponibilizados os produtos mencionados anteriormente, bem como o acesso exclusivo a vídeos “acabados de fazer”. Segue esta linha de pensamento e estruturação de transações por acreditar que “sites como o OnlyFans [com o slogan “Ganha dinheiro com a tua influência”, é uma plataforma onde é possível comprar fotografias e vídeos eróticos por meio de subscrições] são meramente publicitários”, pois valores de cinco, dez, 15 dólares [equivalentes a 4,24, 8,48 e 12,72 euros] “são muito baixos e não compensam”, dado que o número de clientes que compram ocasionalmente é superior ao número dos que optam pelas subscrições.
“Esta profissão é encarada um pouco como um tabu em Portugal”, mas não a esconde dos amigos nem do marido. Não revela a identidade por razões familiares, na medida em que há uma pessoa que pretende proteger. Em relação à dinâmica existente no casamento, tem uma relação “muito aberta”, tendo já frequentado clubes de swing com o companheiro. Porém, o mesmo sentiu “uma picada de ciúmes” nos primeiros shows a que assistiu e só posteriormente começou a auxiliá-la.
Na caixa de comentários do site da modelo é possível ler centenas de reviews que lhe dão vontade de continuar e evoluir. Defende que em qualquer profissão – mas principalmente na sua –, estagnar é a pior coisa que pode acontecer. Os clientes querem uma novidade, se não for diária, semanal. “Ler ou ouvir alguém dizer que o nosso trabalho está bem feito é sinal que, a cada dia, reinventamo-nos” disse, pois, apesar de ter horários flexíveis, muitas vezes não desfruta dos períodos de lazer: “Mesmo quando passeio ou viajo com o meu marido, acabo por ficar agarrada ao computador a falar com alguém ou a fazer a manutenção do site”.
Em plena pandemia, considera que existiram dois momentos distintos: um primeiro, de confinamento, em que os clientes estavam fechados em casa, aborrecidos, “pagavam shows de cinco em cinco minutos e não havia tempo para respirar”; um segundo, em que a situação se agravou e não tinha shows nenhuns. Habitualmente ganha entre 100 e 150 euros por dia, por vezes 300. No entanto, durante o confinamento houve dias em que ficou “a zeros”. Depois, os clientes começaram a renegociar os serviços: “Isso é algo que detesto. Quando vamos a um café, não recusamos pagar 50 cêntimos. Aquilo que faço dá trabalho. Tenho uma webcam de gaming para que os clientes consigam ver a definição esperada e o meu computador e o meu telemóvel são dos melhores”.
Muitas vendedoras recorrem ao PayPal para realizar as transações com os clientes, mas Filipa opta por cartões pré-pagos e pelo MB Way por questões de segurança: em primeiro lugar, há clientes que, depois de receberem os produtos, afirmam que tal não aconteceu e são reembolsados pelo PayPal; em segundo lugar, a plataforma começa a proibir trocas comerciais relativas à comercialização de cibersexo.
“Zoofilia, sexo com animais” foi o pior pedido que lhe fizeram. No entanto, consegue ter uma vida normal. Já foi reconhecida uma vez por um cliente e este apenas quis dar-lhe um beijinho e pedir-lhe um autógrafo. A filha de Filipa, uma adolescente de 16 anos, pensa que o trabalho da mãe se baseia em ser modelo nu, não sabendo que a atividade engloba atos sexuais. “Tem conhecimento da verdade como se fosse uma ‘história de princesas’. Nesta época, esse é um ponto muito difícil para mim porque estamos todos em casa. Já falei com ela acerca desta situação, de uma forma mais soft, e respondeu-me o seguinte: ‘A vida é tua. Tens é de ser feliz com aquilo que fazes. Tens o meu apoio a cem por cento’”.
Filipa autodenomina-se como modelo, mas sex worker (categoria mais abrangente), cam girls e cam boys, vendedores de conteúdos sugestivos ou de conteúdos explícitos são algumas das designações apontadas por vendedores em Portugal. Em território nacional não existe uma designação oficial e, no quadro legal, parece não haver distinção nestes termos. Aquilo que podemos distinguir é o grau: em função do conteúdo, que pode estar mais ou menos próximo da prostituição e, deste modo, estar mais ou menos apto a desencadear a incriminação do lenocínio.
A lei portuguesa contém incriminações que abrangem condutas como o stalking, a pornografia de vingança (referente à partilha de imagens, vídeos ou áudios que contêm nudez de forma não consensual) ou a humilhação. Se estes crimes ocorrerem no seio do cibernegócio do sexo, as cam girls e os cam boys nem sempre se encontram protegidos pela lei portuguesa. Para David Silva Ramalho, advogado e associado principal na equipa de contencioso criminal, risco e compliance da Morais Leitão, especializado em cibercrime e prova digital, tal acontece porque, muitas vezes, a “efetivação prática, por escassez de meios ou frugalidade na sua aplicação, pode deixar a vítima desprotegida”.
“Não há leis que nos protejam”, disse Filipa Santos, para quem a desproteção mencionada pelo especialista poderá ter um fim com a legalização da atividade que leva a cabo. “Se já há uma grande discussão sobre a prostituição e, na minha cabeça, não nos prostituímos – não fazemos convívio, não somos acompanhantes, não estamos numa casa onde há dez ou 20 pessoas –, e se há a hipótese de tal ser legal, porque é que a minha profissão não há de ser?” questionou a modelo, que sonha com a criação de uma escola onde possa dar formação a aspirantes a cam girls.
“Portugal é quase um país de terceiro mundo mesmo estando inserido na Europa. Estamos sempre atrasados em tudo”, comentou Filipa Santos. Estará a realidade jurídica internacional mais evoluída do que a portuguesa? Stuart Green é docente de Direito na Rutgers Law School, situada em New Jersey, nos EUA. “What Counts As Prostitution?” é um dos artigos científicos publicados pelo advogado. Neste texto, escreveu: “Na lei atual, a prostituição é entendida como envolvendo a prestação de serviços sexuais em troca de dinheiro ou outros benefícios. Mas o que é exatamente um ‘serviço sexual?’ E qual é a natureza da ‘troca’ necessária? A chave para responder a essas perguntas é reconhecer que a forma como escolhemos definir a prostituição dependerá inevitavelmente do motivo pelo qual acreditamos que um ou mais aspetos da prostituição são errados”. Segundo Green, há pessoas que se envolvem em atos sexuais, filmam-nos e vendem-nos como pornografia a terceiros. Na lei norte-americana, exemplificada pelo caso Povo v. Freeman [processo criminal em que estava implicado Harold Freeman, produtor e diretor de filmes pornográficos que foi acusado de lenocínio e chantagem para a contratação de atores adultos], isto não é prostituição. Por outro lado, uma modelo pode envolver-se em cibersexo com clientes sem que exista contacto físico. Para o autor de obras como Criminalizing Sex: A Unified Liberal Theory, a caracterização da venda de sexo online como prostituição depende do propósito das leis criadas sobre a prostituição em si. “Se fizermos uma análise geral e estivermos preocupados com quem pode ser sexualmente explorado nesta indústria, não há necessidade de distinguir o sexo presencial do cibersexo. Se estivermos mais preocupados com algo como as doenças sexualmente transmissíveis ou os maus-tratos que os sex workers podem sofrer, há uma boa razão para clarificar se as partes se encontram (ou não) fisicamente juntas”.
O profissional não deixou de realçar que, a respeito da proteção dos vendedores, “a lei deve focar-se neles e não os perseguir”, nunca tendo refletido acerca da questão do anonimato dos compradores – muito abordada em termos legislativos em relação a temáticas como a emissão de faturas com o nome e número de contribuinte dos mesmos –, mas acredita que expô-los publicamente acabaria por impedi-los, de certo modo, de usar estes serviços: “As atividades de cariz sexual devem ser privadas a não ser que as partes se envolvam em comportamentos violentos e/ou coercivos”.
Na eventualidade de o conteúdo ser distribuído sem autorização – por exemplo, quando um comprador decide partilhá-lo com amigos –, estamos perante a violação da privacidade até mesmo quando o material não é privado, mas é utilizado sem ter em conta a defesa dos direitos do criador ou a sua recompensação. Mas não podemos esquecer que a tecnologia evolui a cada minuto e as interações humanas registadas em ambiente virtual acontecem e modificam-se constantemente: ou seja, o ciberespaço desenvolve-se muito mais rapidamente do que o meio jurídico. Para Green, a venda de cibersexo constitui um puzzle para os legisladores, que estão sempre a tentar atualizar-se: “A questão que se impõe é sempre a mesma: devemos adaptar as velhas leis aos problemas apresentados pelas novas tecnologias ou começar do zero?”
Mas há quem usufrua das potencialidades do ciberespaço para criar uma marca pessoal. “Vendo nudes” era um dos anúncios disponíveis no Twitter, em agosto de 2019, da autoria de Sara (nome fictício). Começou a vender fotografias de cariz erótico aos 19 anos. A jovem explicou que se iniciou nesta profissão por ver várias raparigas a fazê-lo e por nunca ter considerado a atividade errada. O/a cliente envia-lhe uma mensagem a expressar o interesse na compra do conteúdo que produz, falam sobre os preços e as nudes são enviadas após a receção do pagamento: era esta a estratégia comercial da portuense, que contava com nove meses de experiência.
O preço das fotografias “mais simples é igual” mas, quando as mesmas envolvem a exposição da zona genital ou lhe são pedidos vídeos, a conversa é outra: “Aproveito-me e peço mais dinheiro. Muitos homens sentem-se desesperados por contacto com o sexo feminino. Já recebi 90 euros por um vídeo de cinco minutos”. Vivendo com os pais e a irmã, que não têm conhecimento daquilo que faz, considera que estudar e trabalhar ao mesmo tempo é complicado e, desse modo, esta é uma “solução a nível monetário sem ter de chegar a casa cansada e ainda ter de estudar”.
A aspirante a maquilhadora está convicta de que vender conteúdos não é sinónimo de inferioridade perante as pessoas que não desenvolvem essa atividade: “Julgam-me oferecida. Cada pessoa é livre de fazer aquilo que quiser com o seu corpo desde que o faça de maneira segura e não prejudique ninguém” declarou, não esquecendo a necessidade da existência de respeito: “O nosso corpo não é um convite para qualquer tipo de assédio, seja físico ou verbal”.
Todavia, realçou que o mundo da venda de nudez online não é somente feito de contornos positivos: “Um homem pediu-me para enviar cuecas, tampões e pensos higiénicos usados por correio. Enviei porque, no total, pagou-me 115 euros. Mas estava sempre com conversas sexuais e a dizer que queria chupar o meu período diretamente dos meus genitais. Foi bastante incómodo. Em contrapartida, ele pagava bastante e eu fazia um esforço”, disse a vendedora, que consegue ganhar o equivalente ao ordenado mínimo facilmente.
Tal como Sara, muitas produtoras de conteúdo online são adolescentes e jovens adultas. Algumas têm problemas familiares e precisam de dinheiro para se sustentar. Uma parcela deixa de estudar ou abandona outras ocupações porque espera que o rendimento obtido nesta atividade seja superior ao de um trabalho “regular”. “Acredito que muitas destas pessoas tenham traços de narcisismo – apesar de algumas o serem por uma questão de autodefesa – e gostem de se sentir desejadas por terceiros” disse Fernando Mesquita, psicólogo clínico e sexólogo. Na ótica do especialista, que colabora frequentemente em diversas rubricas de programas televisivos – como em Casados à Primeira Vista, da SIC –, “quando somos adolescentes, sentimos que somos donos do mundo. Mas à medida que vamos crescendo vemos que alguns dos nossos comportamentos não foram os mais adequados”. Na sua opinião, faltam referências – no mundo da pornografia – de pessoas, em fase adulta, que tiveram este tipo de comportamentos enquanto jovens. Embora importe referir que “quem se destacar mais neste universo pode ser reconhecido e ficar progressivamente dependente desta atividade e dos ganhos que a mesma acarreta. Pode haver culpabilização, mas nem sempre é assim”.
“You gotta let go, come with me/ Looking for a stranger to love” – Há seis anos, a banda de indie rock inglesa The Kooks cantava sobre um dilema: será ou não razoável tentarmos um envolvimento sexual com uma cam girl emocionalmente vulnerável cuja dança corresponde a um grito de ajuda? Isto é, tendo em conta que a sua performance via webcam destinada a desconhecidos é um “mau hábito”. João (nome fictício) está na casa dos 30 anos, reside na zona Centro e descobriu o sex work online através das redes sociais. Nunca deparou com uma indecisão igual àquela que é hipoteticamente ilustrada em Bad Habit, mas reconhece que esta atividade é parte integrante da sua rotina, um good habit, “uma espécie de lado B da vida em que se colocam de parte as vicissitudes”.
Este “lado B da vida” pode ganhar contornos aditivos. De acordo com Fernando Mesquita, a adição ao cibernegócio do sexo é um assunto que surge cada vez mais em consulta. Existem três fatores primários que facilitam a sexualidade online: acesso fácil aos conteúdos, acessibilidade financeira e anonimato. “Sem dúvida que estes três fatores são importantes. Mas há outros, porque quando interagimos com outra pessoa e nos sentimos desejados – mesmo que virtual ou financeiramente –, ficamos ludibriados e viciados por/nessa interação”. João não se considera viciado, mas admitiu que sempre teve “uma ânsia virada para a luxúria, para a estimulação que ultrapassa a vertente física” e, além de comprador de sexo, também o vende, dedicando-se ao sexting: “A maior parte daquilo que faço assenta mais na troca de mensagens, porque é criada uma efabulação à volta do que se diz e da troca de fotos, GIFs e vídeos. É isto que separa o nosso trabalho da indústria da pornografia”, comentou, determinando a última como “demasiado explícita e fria”. João justificou que muita gente recorre à compra de nudes, o que a olho nu parece menos estimulante do que navegar por um qualquer site pornográfico, “porque há a sensação reconfortante de proximidade – proximidade que, na pornografia, simplesmente não existe”.
Pierre Brasseur e Jean Finez – doutorados em Sociologia pela Universidade de Lille, em França, e autores do estudo “Performing Amateurism: A Study of Camgirls’ Work” –, vão ao encontro da perspetiva de João, defendendo que, no mundo do cibernegócio do sexo, “tudo parece possível, acima de tudo se tivermos em conta critérios como a aparência e a idade para justificar alguns casos de sucesso nesta indústria”. Para os investigadores, “visualizar conteúdo pornográfico não conduz a um comportamento problemático”, mas não deixam de afirmar que o consumo destes conteúdos corresponde a uma fatia cada vez maior do tráfego online. “Seria errado isolar o pagamento dos mesmos de outras trocas económico-sexuais”, salientaram, complementando o raciocínio: “Pagar pela sexualidade pode assumir formatos diferentes, desde uma subscrição no Tinder, passando pela oferta de uma bebida a uma conquista e até à compra de conteúdo adulto online”.
No caso de João, o formato predileto é a subscrição no OnlyFans, plataforma que, habitualmente, lhe custa no máximo de 15 euros por cada vendedora que segue. Todavia, já deu gorjetas de 50 euros. Por uma sex tape que gravou e cujo objetivo era dividir o lucro, antes de a parceira ter recuado, ponderou cobrar 30 euros. Não precisa do sexting para viver desafogadamente, mas cobra-o independentemente da duração: “Tanto faz durar cinco como dez minutos”. Sobre os estereótipos criados, esclarece que os vendedores não arranjaram esta forma “fácil” de ganhar a vida: “Somos pessoas cultas, inteligentes, que veem a vida de outro modo e vivem experiências únicas secretamente”.
Estas experiências são proporcionadas pelo advento do desenvolvimento tecnológico. No final da década de 90 do séc. XX, o cibersexo cresceu em território nacional, nomeadamente graças às salas de chat IRC [internet relay chat, sites que facilitam a manutenção de conversas em formato de texto] como o mIRC, a PTnet, a freenode ou o Omegle. Anos mais tarde surgiram as aplicações de encontros – como o Tinder, o Grindr ou o happn –, que facilitam a criação de ligações interpessoais baseadas no sexting (receção, envio e/ou reencaminhamento de conteúdo sexual explícito que pode incluir fotografias, imagens, áudios ou vídeos). Porém, o binómio sexualidade-internet é mais vasto e complexo do que possamos pensar numa primeira abordagem: há quem venda cibersexo e esta realidade já não é tão explorada no nosso país, até porque são muitos os termos e até eufemismos utilizados para definir a troca consciente de favores sexuais, por dinheiro, em ambiente virtual.
A 31 de julho de 2020, 399 mulheres, 59 homens, 63 casais, 16 transexuais e travestis e três duplas portuguesas assumiam-se como vendedores em diversas redes sociais. O Twitter contava com 174 utilizadores, o CAM 4 com cinco, o Camera Lux com dois, o Convívio X com 47, o Classificados.net (na categoria de sexo virtual) com 131, o OnlyFans com quatro, o Atrevidas.eu com seis, o Viva Local com um, o adultosclassificados.com com 143 e o AnunciosGratis.pt com 12, e existiam 20 cam girls e cam boys (desenvolviam a sua atividade em sites com domínio próprio ou em redes sociais como o Skype, o Snapchat ou o Instagram).
Kelly Sex Dream (pseudónimo), de 23 anos, integra o grupo de vendedores anteriormente mencionado. Licenciada em Economia e a trabalhar numa multinacional, está prestes a ingressar num mestrado. Enquanto essa nova fase não tem início dedica-se à venda de vídeos, fotografias e online strip shows (uma vertente do livestreaming, neste caso ligada à prática de striptease). “Não tenho de servir um padrão específico, faço aquilo que quero”, explicou a jovem, que no primeiro mês de trabalho arrecadou 600 euros. Autodenominando-se stripper e cam girl, não esconde a paixão que nutre por estilos de dança como o kizomba, o hip hop e a salsa. Aliás, unir as potencialidades deste hobby às do camming é aquilo que a fascina: “Junto ambos e, assim, posso atingir fortes objetivos de vida, como a compra de casa própria”.
Teme ser descoberta pelos amigos e pela família – não reagiriam bem – mas, antes de estar num relacionamento amoroso, gravou sex tapes com o melhor amigo. “Não existem constrangimentos, é tudo muito natural porque já nos conhecemos há muitos anos”. Em relação ao atual companheiro, já teceu cenários hipotéticos e percebeu que o mesmo não aceitaria o facto de ela ser cam girl. Contudo, está a pensar modificar os conteúdos e recorrer a brinquedos sexuais para gravar a masturbação.
Se pagarem pouco, Kelly não mostra o corpo inteiro. “Recebo os pagamentos por MB Way, PayPal ou transferência bancária”. Vende um vídeo a três euros, um vídeo e duas fotos a cinco euros, quatro vídeos e cinco fotos a dez euros e cada online strip show a 20 euros. Já a questionaram acerca da identidade e da vida amorosa. “Dizem indecências e propõem encontros. As pessoas estão muito mal informadas, pensam que nos prostituímos”, disse a rapariga para quem “vender a imagem não é vender o corpo”. Além de ter construído duas amizades que se mantêm, recorda um cliente de 59 anos que desabafa com ela, mas é respeitador: “Os casamentos ficam desgastados e as pessoas têm necessidade de recorrer a estes conteúdos”.
Kelly refere-se aos consumidores normalmente descritos como solitários, na faixa etária dos 30 aos 40 anos, donos de problemas relativos à sua sexualidade tanto online como offline, com tendência para terem distúrbios obsessivo-compulsivos e tendências autodestrutivas, assim como uma reduzida autoestima. No que diz respeito ao comportamento-padrão, a quantidade e a variedade de conteúdos consumidos aumenta e varia, atitudes novas tornam-se obsessivas e escalam, perdem progressiva ou rapidamente o interesse sexual pelos parceiros “presenciais” e existe uma aceleração da adição. “Ficam presos a estes conteúdos e esta adição acarreta consequências como a frustração e implicações em termos familiares e sociais, na medida em que elementos de certos casais podem considerar este consumo como uma traição”, esclareceu Fernando Mesquita.
Fotografias, vídeos, áudios, livestreaming, sexting: são estas as modalidades do cibernegócio do sexo. Esta atividade não é punida pela legislação portuguesa, pois a mesma pune quem profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição (art.o 169.o do Código Penal). Silva Ramalho, que exerce igualmente a função de assistente convidado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, explicou que, em casos de compra e venda de conteúdo “meramente erótico de caráter essencialmente exibicionista”, não é possível aplicar o conceito de prostituição. Independentemente disso, “nos demais casos em que existe conteúdo sexual explícito, a fronteira torna-se menos clara, embora se trate de uma prática que socialmente não é percecionada como constituindo prostituição”. Importa igualmente mencionar que, se os materiais eróticos criados e vendidos online não forem protagonizados por menores de 18 anos, não estamos perante um crime. Mas Raquel (nome fictício) tem apenas 17 anos. Num só dia, as suas nudes circularam entre cerca de 800 pessoas. “Os rapazes pedem-me que tire as fotografias e depois partilham nas redes sociais”. Enquanto o maior medo da adolescente é ser encarada como “ordinária” pelos amigos e familiares, o maior objetivo passa por ver a imagem disponível nas pesquisas de pornografia do Google. Com a ingenuidade própria da idade, admitiu que quer aparecer em sites de entretenimento adulto, mas sem ser reconhecida pelos pais. “Já não vale a pena ter tanto cuidado porque quase todo o mundo tem as minhas nudes”, foi a resposta que deu quando confrontada com a possibilidade de exposição exagerada online. “Só quero ser famosa, não é pelo dinheiro”, confessou a rapariga, que estuda Design de Interiores no Porto.
Já Beatriz (nome fictício) estava a pesquisar sobre BDSM e as suas vertentes. Quando decidiu aprender mais sobre cada uma delas deparou com perfis de dominatrixes [mulheres que assumem o papel de dominação em atividades sexuais sadomasoquistas] e, eventualmente, de cam girls. Aos 20 anos, vende nudes e vídeos – normalmente a solo, de masturbação. Optando pela utilização do OnlyFans para disseminar a sua marca pessoal, não esconde que não tem controlo acerca de quem subscreve o seu conteúdo, mas está certa de que o seu público é “quase todo, se não todo, do género masculino”.
Beatriz fotografa e mostra todas as partes do corpo, dentro da zona de conforto e possibilidades, mas já recebeu um pedido que considerou peculiar: “Pediram-me um vídeo a urinar. Talvez até o faça porque é algo diferente do comum”. Pretende prosseguir estudos mas, atualmente, o seu rendimento provém somente desta atividade. “Ganho muito mais do que o ordenado mínimo, o que me permite ajudar a minha família com qualquer necessidade financeira”, contou a rapariga que, como estratégia adotada – espécie de mecanismo de coping, para gravar as atuações –, tenta imaginar que não está a fazê-lo para “um público”, mas sim para alguém com quem esteja a envolver-se romanticamente: “Isso ajuda-me a trabalhar no à-vontade e na excitação”.
Assim como Beatriz, Pedro Rodrigues também descobriu o mundo do sex work online por mero acaso. Em 2005 ficou desempregado e não encontrou nenhuma alternativa a não ser ingressar num call center. Entre as apresentações quinzenais no centro de emprego e a procura ativa por uma nova ocupação, enveredou pela criação de logótipos para telemóvel. Pouco tempo depois estava a investir no alojamento de sites de entretenimento adulto. Se antes desconhecia a localização geográfica do Paraguai, hoje, a realidade é diferente: para além de viver no país, é a partir de lá que gere o site Webcam Talents [WT], cuja missão é pautada por três bandeiras principais de acordo com a descrição disponível online: o trabalho a partir de casa, a versatilidade do mesmo e a facilidade em ganhar dinheiro caso as modelos se empenhem.
Pedro Rodrigues lidera uma equipa colombiana que trata de receber as inscrições de modelos e regista-as nos vários sites parceiros do WT. Estes membros garantem a validade da identificação da pessoa e que a mesma é maior de idade. O WT retira 20% dos seus ganhos, suportando todos os custos de transferência através do envio do montante por Western Union, pode ler-se online. Como foi fixada esta percentagem? É baseada em alguma lei ou naquilo que as outras plataformas similares aplicam? Optou por ganhar 20% na medida em que as modelos trabalham todas a partir de casa: 90% são de nacionalidade brasileira. O quase formado em Informática de Gestão calcula a percentagem tendo em conta o apoio em português que fornece e aquilo que a modelo poupa em taxas de transferência e câmbio por possuir conta bancária em território português. “Não existe nenhuma lei que obrigue a aplicar o que quer que seja”.
Ao visitar a página oficial do WT no Facebook, deparamos com a descrição “Um novo conceito para as cam girls, uma agência de modelos colombiana à procura de mulheres talentosas”.
“De momento não possuo nenhum estúdio físico porque não se justifica”, diz Pedro Rodrigues. Talvez faça parceria com algum estúdio físico na Colômbia e indique modelos para o mesmo. “Traduzir o WT para espanhol e entrar nesse mercado, que é o segundo com maior percentagem de modelos, é um objetivo a curto-prazo”, disse acerca do modelo de negócio que adota.
“Já tive candidaturas de jovens de 17 anos a implorarem-me para as inscrever. Chegaram inclusive a enviar fotos sem roupa”. O português identificou a modelo mais velha com a qual colaborou como uma colombiana de 42 anos que, em 2015, chegava a fazer 1200 dólares mensais [aproximadamente 1017 euros]. As candidaturas são realizadas via WhatsApp, plataforma através da qual Pedro Rodrigues responde às dúvidas das aspirantes a modelos, confirma as suas inscrições e esclarece o processo de entrada nos sites parceiros, e “tudo se torna mais simples” – simplicidade essa que não existe em Portugal: “Os tabus existirão enquanto existir uma sociedade. Vivemos num mundo em que ligamos muito ao que os outros pensam de nós e queremos ser aceites. Não tenho nem meia dúzia de modelos portuguesas. Ainda há muito receio”.
O fundador do WT está convicto de que produzir e vender entretenimento adulto não é “vender o corpo, mas sim vender arte. A nudez é algo muito pessoal e não é fácil expormo-nos dessa forma”. Existem muitas interpretações para o crime de lenocínio, mas Silva Ramalho crê que, relativamente à venda de conteúdos eróticos online através de diversas plataformas como o OnlyFans, o Webcam Mania, o FanCentro, o Flirtymania ou, em específico, o WT, os gestores destas – como Pedro Rodrigues – não incorrem num crime por “fomentarem” esta prática. “Considerando que o crime de lenocínio visa proteger a liberdade sexual de quem pratica atos sexuais de relevo a troco de uma contrapartida, quando não há indícios de uma restrição ilegítima dessa liberdade, a prática desses atos representa justamente o exercício da liberdade sexual por parte dos seus protagonistas. A incriminação acabaria por prejudicar aquilo que visa proteger”, disse.
Apesar de não existirem dados ou estudos concretos referentes a todas as subcategorias do sex work desenvolvido virtualmente, tanto nacional como internacionalmente, há informações disponíveis que podem ajudar a compreender a dimensão deste fenómeno. Conforme um relatório disponibilizado pelo Tribunal Federal da Califórnia em 2013, e veiculado em fóruns online como o Tap A Talk, existiam pelo menos 2257 estúdios legais e ilegais de cam girls e cam boys no mundo. Ainda que esta informação se encontre desatualizada e, no período de sete anos, este número tenha crescido certamente, à data era possível identificar quatro estúdios em território português: um no Algarve, um na Amadora, um no Funchal e um em Lisboa. Importa referir que já existia um foco na Roménia, país excluído da contagem inicial por ter 2000 estúdios essencialmente localizados na capital, Bucareste. À época, estes empregavam maioritariamente estudantes universitárias, que constituíam 10% das modelos em atividade. Ainda que seja referido no fórum Tap A Talk que os EUA têm muito território por explorar relativamente ao cibersexo, foram identificados 80 estúdios no país, porquanto 39 destes estavam integrados no estado da Califórnia – com uma maior expressão no Vale de São Francisco, também conhecido por Porn Valley, a 30 km do centro de Los Angeles.
Em maio de 2014, a Agence France-Presse noticiou que uma rede chinesa de ciberprostituição que atuava em cerca de 20 cidades em França havia sido desmantelada. Foram detidas 11 pessoas – entre elas, um homem de 40 anos suspeito de liderar este empreendimento criminal muito bem organizado – responsáveis pela gestão do trabalho de pelo menos dez vendedoras. Numa reportagem publicada no Insider, um site focado nas transformações que ocorrem em meio digital, em junho deste ano, a jornalista Canela López apontou que plataformas como o OnlyFans e o IsMyGirl estão a remodelar a indústria do entretenimento adulto, com alguns criadores a lucrar mais de 100 mil dólares [equivalente a 84 mil euros] por ano. No início de abril, o OnlyFans relatou um aumento de 75% na criação de perfis de modelos, apontando muitas destas pessoas o desemprego provocado pela pandemia, assim como os regimes de layoff, como a razão pela qual começaram a criar conteúdo adulto. No mesmo artigo é possível ler que o tráfego no OnlyFans tem escalado e, quando a cantora Beyoncé mencionou o site no seu remix Savage, as visualizações de perfis de modelos aumentaram 15% em menos de 24 horas. Mas há quem não se preocupe com a lucratividade do sexo, mas sim com a satisfação que este acarreta: é o caso de Gabriel (nome fictício), de 23 anos, proprietário da conta Divulga_tugas_lindas00, no Instagram, e modelo no CAM 4 e no Chaturbate desde 2015. “Nestes sites é possível ganhar dinheiro através de pequenos objetivos. Por exemplo, tirar a roupa vale 50 tokens [criptomoeda], masturbação, 150 tokens, ejaculação, 300 tokens. Contudo, não procuro dinheiro nesses sites, mas sim o prazer da masturbação e travar conhecimento com mais pessoas”.
O rapaz, que aposta nos online live shows sem mostrar o rosto, divulga, desde agosto do ano passado, “um pouco de tudo”: casais que pretendem investir na experiência de ménage à trois, mulheres que vendem cibersexo e jovens que ambicionam criar uma rede de seguidores fiel e mais alargada. A maior dificuldade que enfrenta prende-se com a publicação de imagens com nudez explícita: “O Instagram apaga a foto em questão e notifica-me, explicitando que a conta pode ser bloqueada. Agora verifico sempre as imagens que me enviam antes de as difundir”. “Não obrigo ninguém a fazer divulgação. Enviam-me fotografias e vídeos. Não ganho dinheiro mas, por vezes, costumo pensar, ‘se vendesse a minha conta por um euro por cada seguidor, seria muito bom”. Seriam 1904 euros à data do fecho desta reportagem, o que aconteceria por “todos saírem a ganhar com a divulgação”.