No novo filme de Mário Barroso que acaba de chegar às salas Maria de Medeiros é, numa história que remonta à segunda década do século XX, Maria Adelaide Coelho da Cunha. A mulher que herdou do seu pai o Diário de Notícias, que o próprio fundou em 1864, e que o perdeu para Alfredo da Cunha, poeta e diretor do jornal, marido que, despeitado pela fuga de Maria Adelaide com o seu ex-motorista, a internou num hospital psiquiátrico.
Uma fortuna e um jornal: o DN
Nascida a 3 de outubro de 1869 filha de Eduardo Coelho, cofundador do Diário de Notícias, e sua herdeira, Maria Adelaide, interpretada por Maria de Medeiros, casou-se com Alfredo da Cunha (Marcello Urgeghe), que sucedeu o sogro na liderança do jornal. Seria Alfredo da Cunha, além de jornalista, poeta, que acabaria por vender o jornal, que deixou aí de estar nas mãos da família. Se essa venda entrou ou não para as contas do internamento de Maria Adelaide não se sabe – mas Mário Barroso quis deixá-la em aberto.
Maria Adelaide
A história de Maria Adelaide ouviu-a pela primeira vez Mário Barroso ainda em criança. “Através de um tio coronel, o coronel Pereira Coelho que era na altura, no final dos anos 50, subdiretor do Diário de Notícias. Era um tio muito improvável porque na nossa família não havia muita gente próxima do regime”. Contou-lhe a história da proprietária do DN, que na altura “não teve grande significado”, conta ao i. Em 2014, quando o produtor Paulo Branco o desafiou a pensar num novo filme, Mário Barroso, que se tinha voltado a cruzar com a história, decidiu escreveu uma sinopse em que a ficcionava.
A família, o palácio e as festas
Para contar a história de Maria Adelaide, Mário Barroso não seguiu os cânones do que seria um biopic tradicional. E admite tê-la ficcionado livremente, a partir dos factos amplamente conhecidos. Foi direto ao ano de 1918, com a crise social e política que atravessava o país e a pandemia da gripe espanhola como pano de fundo. A este retrato da alta sociedade lisboeta da época não faltam as emblemáticas festas que a família dava no Palácio de São Vicente, na Graça, onde vivia.
A fuga com Manuel, o motorista
Na ficção de Mário Barroso, terá sido uma questão de vingança a mover Maria Adelaide na decisão de fuga com Manuel (João Pedro Mamede), o ex-motorista do marido, 26 anos mais novo – Alfredo da Cunha tem também ele uma amante ficcionada, Sophia (Júlia Palha). Já a história que ficou no imaginário popular é outra: a de um grande amor.
Um anúncio
Perante o desaparecimento de Maria Adelaide, Alfredo da Cunha colocou um anúncio na primeira página do DN, em que nunca identificava a mulher, que ao ver o anúncio lhe respondeu com uma carta, citada em Ordem Moral:“Estou viva mas em condições que me considero morta para todos os efeitos e como tal preferível é que me considerem assim”.
“Doida Não!”
Depois de com a ajuda de um advogado contratado por Manuel ter sido libertada do hospital, Maria Adelaide publicou um livro a partir do diário que escreveu durante o internamento: “Doida Não!”, editado em 1920, em que expunha a violência e perseguição a que tinha sido sujeita “pelo simples crime de amar”.
O internamento forçado
Maria Adelaide dava pelo nome de Maria Romana quando, levando uma vida simples, foi descoberta pela família, acompanhada da polícia, numa hospedaria de Santa Comba Dão, ao fim de dez dias. Dali, Maria Adelaide seguiria para o hospital psiquiátrico Conde Ferreira, no Porto, onde foi internada. Manuel ajudou-a a fugir, mas voltaram a ser capturados. Ela regressou ao hospital, ele foi preso, acusado de rapto e violação.
Um conluio?
É de julho de 1919 o relatório em que Júlio de Matos, Egas Moniz e Sobral Cid lhe diagnosticam a “loucura lúcida” que justificará o seu internamento e interdição. Mário Barroso lembra que a atuação dos conceituados médicos corresponderia à visão que a medicina tinha da mulher à época. Na biografia “Doida Não e Não” (2018), Manuela Gonzaga aponta para documentos que provam que o diagnóstico foi comprado por Alfredo da Cunha.