Feita a primeira volta aos contratos feitos pelo Estado na resposta à pandemia, o Tribunal de Contas apresenta esta terça-feira uma primeira ideia geral da despesa feita pelo Estado na aquisição de bens e serviços para responder à pandemia e aponta falhas na publicitação e comunicação dos contratos, que acima dos 350 mil euros estão isentos de fiscalização prévia do TdC. Ao todo, entre 12 de março e 31 de maio, os auditores concluem que, entre contratos relacionados com a covid-19 e contratos acima de 350 mil euros que neste período dispensaram visto prévio, foram gastos 375 milhões de euros. O Ministério da Saúde e entidades por si tuteladas são responsáveis pela maioria dos contratos, com a Direção Geral da Saúde e os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde a representarem os maiores montantes contratuais. Ao todo, os contratos fechados pela DGS totalizaram 121 milhões de euros, mais de um terço da despesa feita no âmbito da resposta à covid-19.
Sete empresas faturaram mais de 10 milhões A base da auditoria é a informação publicada no portal da transparência na contratação pública, Base.gov, onde as entidades públicas têm de publicar os contratos com terceiros no prazo de 30 dias. Além dos principais adjudicantes, o TdC apresenta uma lista dos principais adjudicatários. Neste período de análise, sete empresas faturaram mais de 10 milhões de euros ao Estado. A lista é liderada pela GLSMED TRADE S.A., que fechou 13 contratos com o Estado, no valor de 36,9 milhões de euros. Em segundo lugar surge a FHC Farmacêutica (33,8 milhões). O TdC conclui que a DGS fechou 10 contratos com estas duas empresas, no valor de 66 milhões de euros, representando assim quase metade da despesa feita pela Direção Geral da Saúde e quase a totalidade das encomendas feitas a ambas. Se em termos de montante estas são as empresa que se destacam, a empresa que fechou mais contratos com o Estado (58) ao todo foi a Quilaban, sociedade detida pelo antigo presidente da Associação Nacional das Farmácias, João Cordeiro, que em abril retificou o certificado de máscaras vendidas ao Estado. Ao todo, os contratos feitos com esta empresa somaram 14 milhões de euros. O TdC conclui ainda que o Município de Vila Nova de Foz Coa foi a entidade que adjudicou o maior número de contratos à mesma empresa (33), num valor de 6019 euros, considerando no entanto que se trata de uma despesa não significativa tendo em conta o montante global gasto na resposta à pandemia.
Abuso nos ajustes? A análise conclui que os ajustes diretos representam a maior fatia da despesa (270 milhões). O ajuste direto fundamentado com razões de urgência imperiosa corresponde a contratos no valor de 130,8 milhões de euros. O TdC chama no entanto a atenção que como o decreto-lei que em março introduziu alterações às regras da contratação pública para agilizar a resposta à pandemia, desde logo a isenção da fiscalização prévia, permitiu que qualquer entidade adjudicante recorresse ao ajuste direto por razões de urgência imperiosa, “pode não ter havido um efetivo rigor na indicação do fundamento de direito”. O TdC conclui assim que os ajustes diretos por urgência imperiosa terão já totalizado 243 milhões de euros.
SPMS não publicou metade dos contratos dos ventiladores O TdC assinala que foram detetadas falhas na informação e formulários incompletos no Portal Base, nomeadamente no que diz respeito ao tipo contratual, procedimento e local de execução do contrato. A auditoria revela também que há contratos publicados no portal da transparência que não foram comunicados ao TdC, como está previsto acontecer mesmo sem obrigação de fiscalização prévia, e vice-versa.
Como exemplo, o TdC publica uma lista de contratos feitos pela SPMS – Serviços Partilhados pelo Ministério da Saúde, que recebeu um mandato da Administração Central do Sistema de Saúde para aquisição de ventiladores e outros equipamentos para unidades de cuidados intensivos até um teto de 42 milhões de euros. Até ao final de maio, revela a auditoria, a SPMS fechou 17 contratos neste âmbito, mas nove adjudicações, metade do total, não foram publicadas. Estes contratos que não foram publicados no Portal Base, no valor de 26 milhões de euros, diziam todos respeito a ventiladores e consumíveis para estes equipamentos, aliás como os que foram publicados. Ao todo, os 17 contratos, que incluíram a compra de 1291 ventiladores e consumíveis como bombas de seringa, representaram uma despesa de 40,4 milhões de euros. A empresa Beijing Sino Roneo Corporation é a que tem o maior número de adjudicações (5), sendo que o maior contrato foi feito com a Guangdong H&P Import and Export, para compra de 243 ventiladores, com um custo de 10,8 milhões de euros.
Nas recomendações, dirigidas apenas às entidades adjudicantes, o TdC salienta que os contratos devem ser comunicados ao tribunal e publicitados no Portal Base, instando as entidades a terem mais rigor no preenchimento dos campos disponíveis no formulário do portal da transparência.