Devemos agora ter a clara noção de que dois grupos, à escala global, saíram vitoriosos, entre 1988 e 2008 – tendências que se terão acelerado entretanto – com o processo de integração e convergência dos mercados: por um lado, as classes médias dos países emergentes asiáticos (predominantemente da China, mas também da Índia, Tailândia, Vietname e Indonésia. Não são as pessoas mais ricas desses países, mas da classe média destes e também o que poderíamos chamar de classe média mundial). Em segundo lugar, os mais ricos que, em termos absolutos, avançaram mesmo mais que as classes médias asiáticas. Esta camada populacional mundial, os 1% mais ricos do mundo, são, predominantemente, cidadãos norte-americanos. As restantes são quase inteiramente da Europa Ocidental, do Japão e da Oceânia. Dos que restam, Brasil, África do Sul e Rússia contribuem 1 por cento cada com as suas populações.
E do lado dos derrotados da globalização? Aí, situaremos, sobretudo, aquelas classe média-baixa e pobre dos países mais desenvolvidos – que, em termos mundiais, porém, pertenciam a uma classe favorecida ao nível dos rendimentos -, que viram a sua riqueza – em particular, os rendimentos do trabalho – estagnar no período em análise. Muitos dos abalos políticos que estamos a assistir, em vários países a Ocidente, dificilmente poderão ser dissociados deste processo. Neste momento, e “pela primeira vez desde a Revolução Industrial há dois séculos, a desigualdade no mundo não está a ser impulsionada por disparidades crescentes entre países. Com os aumentos dos rendimentos médios em países asiáticos, as disparidades entre países têm, na verdade, vindo a diminuir. Se esta tendência de convergência económica prosseguir, não só irá conduzir a uma redução da desigualdade no mundo, como também atribuirá, indiretamente, uma relevância relativamente maior às desigualdades dentro dos países. Dentro de sensivelmente 50 anos, poderemos regressar à situação que existia no início do séc.XIX, quando a maior parte da desigualdade no mundo se devia a diferenças nos rendimentos dos britânicos ricos e pobres, russos ricos e pobres ou chineses ricos e pobres e não tanto ao facto de os rendimentos médios no Ocidente serem superiores aos rendimentos médios na Ásia”, assinala Branko Milanović, em A desigualdade no mundo. Uma nova abordagem para a era da globalização, publicada pela Actual.
De entre as questões políticas colocadas pelo autor, desde logo duas adquirem especial premência: com estes dados, estaremos condenados a ser governados por populistas ou por plutocratas? Por vezes, diria mesmo, a realidade ainda se torna mais complexa, quando multimilionários, como máximos dirigentes nos EUA, ou, agora, na República Checa se assumem como os grandes guardiães dos mais frágeis, prometendo falsas soluções e mantendo as piores das políticas (veja-se a abordagem ao tema da Saúde, ou ao clima do Presidente norte-americano). Estaríamos, mesmo, perante plutocratas populistas. Como irão os países ricos gerir várias possíveis décadas de nenhum crescimento da sua classe média? É que estes resultados teriam sido certamente surpreendente para muitos, se a análise tivesse sido feita no final da década de 1980. Como observa Milanovic, “os políticos do Ocidente lutaram por uma maior confiança nos mercados nas suas economias e no mundo depois da revolução Reagan-Thatcher e não esperariam que uma muita exultada globalização falhasse em trazer benefícios palpáveis para a maioria dos seus cidadãos – ou seja, precisamente aqueles a quem estavam a tentar convencer das vantagens políticas neoliberais, comparadas com regimes de assistência social mais proteccionistas”.
O cidadão que procure uma posição equilibrada para a sua deliberação a este respeito, constatará com agrado como milhões saíram da pobreza noutras partes do mundo que não o Ocidente. E, porventura, tomará como justo um certo reequilíbrio à escala planetária. Sopesar na lógica de um consumismo que partiu da premissa do ilimitado e de recursos que se manteriam sempre, independentemente das lógicas de vida que levamos. Mas isso não pode coincidir com um argumento para calar os que, de entre os pobres, perderam com este processo, nem, tão pouco, ignorar que se devam procurar soluções políticas para que a redistribuição aconteça e que não haja um centésimo de um centésimo da população (1426 indivíduos para ser mais preciso) que têm o dobro de toda a riqueza de África. Menos de mil e quinhentas pessoas com o dobro da riqueza de um continente inteiro. Nem para impedir que os que lutam por regras de respeito pela dignidade das pessoas, contra os vários dumpings sociais, se ouçam: é que uma das grandes questões para o futuro será, como Milanović não deixa de sublinhar, como irá a China lidar com as crescentes expectativas de participação e de democracia da sua população.