Experiências Académicas.  Já não é preciso  dar um tiro  no escuro na hora de escolher o curso

Experiências Académicas. Já não é preciso dar um tiro no escuro na hora de escolher o curso


Com o intuito de contribuir para uma geração mais consciente das suas escolhas académicas e combater as desistências no ensino superior, a associação Gap Year Portugal criou um programa que permite aos jovens experimentar até três cursos universitários, durante duas semanas cada. Mais de cem cursos já aderiram ao projeto.


”O que queres ser quando fores grande?” A pergunta começa em criança. Médica, princesa, cavaleiro, empresário e rico são algumas das certezas dos mais novos, mas quando chega o fim do secundário, e é preciso decidir num caminho, nem sempre há uma resposta na ponta na língua. Que curso seguir afinal? Foi a pensar nos indecisos, mas não só, que a associação Gap Year Portugal lançou há quatro anos um programa que permite aos jovens experimentar diferentes cursos antes de concorrerem ao ensino superior. Quarenta jovens já passaram pela experiência. Este ano os interessados ainda se podem inscrever. Quem já passou pelo projeto acredita que a experiência é útil e pode mudar tudo: há quem tenha percebido que o curso para que estava inclinado não tinha nada a ver com o que imaginava e outros confirmaram as suas expectativas.

Mudar o paradigma Para associação, um dos objetivos do programa é contribuir para escolhas mais conscientes e contrariar as desistências no ensino superior. Os números confirmam que um número significativo de estudantes não conclui a licenciatura e um em cada dez opta por mudar de curso a meio do percurso.

Segundo um estudo da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), realizado em 2018, 29% dos alunos abandonam o ensino superior, o que corresponde a cerca de 15 mil desistências por cada ano letivo. O estudo averiguou ainda que 11% dos estudantes, apesar de continuarem inscritos nas universidades e politécnicos, optam por mudar de curso.

No programa criado pela associação Gap Year, os jovens podem experimentar até três cursos, cada um durante duas semanas, entre mais de 100 disponíveis – espalhados por universidades de todo o país – e assim perceberem, por si próprios, e não por terceiros, qual é, na realidade, o caminho certo. A associação tem acordo com diversas instituições como a Universidade do Porto, o Instituto Politécnico de Leiria, a Universidade Nova de Lisboa, a Universidade do Algarve e a Universidade de Évora, entre outras. A partir de setembro, os inscritos podem assistir às aulas dos três anos do curso escolhido, durante o tempo de realização do programa, para não terem apenas acesso às bases mas também a toda a realidade vivida ao longo dos anos académicos.

“Escolher o curso já não tem de ser dar um tiro no escuro, que é o que acontece muitas vezes” Maria Pignatelli foi uma das jovens que decidiu parar com medo de fazer uma escolha precipitada. Participou no Experiências Académicas no ano passado e escolheu experimentar dois cursos: Ciência Política e Relações Internacionais na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e o curso de Gestão na Nova School of Business and Economics. A indecisão era fácil de explicar: sempre sentira que era no mundo da política que iria conseguir “chamar a atenção para as causas e os problemas sociais”, nos quais, na sua opinião, é necessário “intervir através da elaboração de políticas públicas”. Ao mesmo tempo, o facto de já ter trabalhado numa start-up tecnológica de impacto social, na área da participação e cidadania, onde ocupou o cargo de Business Developer, colocaram a Gestão em cima da mesa como uma das opções de futuro.

Com o programa, percebeu que o “céu era o limite”, partilha. Além de ter experimentado os dois cursos , pode esclarecer as suas dúvidas junto do corpo docente e dos colegas, o que acredita ser uma das vantagens do programa. O acolhimento foi uma das melhores partes. “Ia na expectativa de os meus colegas me verem como um extraterrestre que tinha ido visitar o planeta deles sem lhes ter pedido um visto diretamente”, conta Maria, sublinhando que o apoio dos colegas foi uma parte fulcral do programa. “Partilharam comigo as suas opiniões sobre a faculdade e os respetivos professores, contextualizaram-me nas aulas, passaram-me apontamentos e enquadraram-me nos seus momentos de convívio”, acrescenta. Surpresa das surpresas? Percebeu que, por mais que idolatre o mundo político e considere Gestão bastante interessante, nenhuma das áreas era “a tal”. Hoje em dia, está inscrita em Marketing e Publicidade no IADE.

“O período de cada experiência ajudou-me a imaginar como seria a minha rotina ali e se seria feliz a fazê-lo a longo prazo”, continua Maria. “Pude experimentar qualquer curso que me fizesse sentido na altura, sem qualquer julgamento. Assim acabei por excluir alguns dos cursos que ponderava”, explica. Maria diz sentir-se uma sortuda por ter parado um ano, pensado e repensado e agora estar no caminho certo. “Sortudos são aqueles que já sabem o que querem fazer na vida desde pequenos, mas sortudos são também aqueles que graças à Gap Year Portugal e ao Experiências Académicas podem ter esta experiência sem qualquer custo, apenas valor acrescentado”.

Aproveitar o ano sabático Não estar matriculado no ensino superior é uma das condições para participar no programa. A associação Gap Year surgiu em 2013 para promover a realização de anos sabáticos e este programa surgiu como complemento ao apoio que dão aos jovens, já que a opção de ficar um ano parado resulta muitas vezes de não se saber qual o passo seguinte. A inscrição é gratuita, havendo apenas uma caução de 20 euros.

Ana Rita Silva é outra das jovens que participou nos últimos anos no Experiências Académicas. Com muitas ideias soltas e diversas – desde ingressar na PSP a ser enfermeira – a jovem de 19 anos decidiu parar um ano e aproveitou a existência do programa para tirar as dúvidas e experimentar o curso de Enfermagem, na Universidade do Porto. Não se arrepende: a experiência vai ao encontro das expectativas e hoje é aluna de Enfermagem na Universidade de Coimbra.

Ao i, a jovem natural do Carregal do Sal, em Viseu, defende que o programa não deveria ser feito apenas pelos mais indecisos mas sim por todos os jovens que terminam o ensino secundário. “Se todos os alunos tivessem a possibilidade de realizar o Experiências Académicas ganhariam uma noção muito maior da realidade, do curso que pretendem seguir e de tudo o que essa escolha envolve”, diz. Na sua opinião, este programa ajuda a mudar a perspetiva. “Escolher o curso já não tem de ser dar um tiro no escuro, que é o que acontece muitas vezes”, sublinha.

Mais realista Na realidade, o programa não é mesmo exclusivo para indecisos. Pode também ser uma resposta para quem está convicto do que pretende fazer e nem sempre o consegue à primeira. Este é o caso de Helena Fonseca. Certa de que o seu futuro vai ser a Medicina, a jovem de 19 anos quis ir mais longe e aproveitar o facto de não ter notas suficientes para ingressar no ensino superior para ganhar mais conhecimentos, explorar outras possibilidades e ter um vislumbre do que é a vida académica.

Durante o seu ano de pausa, Helena tinha todo o tipo de planos, menos um: ficar no sofá parada. Quis estudar Espanhol, para eventualmente se poder candidatar ao curso de medicina em Espanha, e acabar um curso de Música, no qual já estava inscrita. O Experiências Académicas trouxe novos mundos. Durante seis semanas, Helena experimentou Engenharia Biomédica e Biofísica, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Línguas, Literaturas e Culturas, na Faculdade de Letras e Ciência Política e Relações Internacionais, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Desde ter aulas de física aos seminários de literatura italiana, experimentou um pouco de tudo em semanas que apelida de felizes. “A determinação de ir para Medicina foi reforçada, mas também a vontade de fazer algo depois, em vez de me cingir a apenas um curso” conta ao i.

Helena não sente ter perdido tempo e acredita que, mesmo para os seguros das suas escolhas, como é o seu caso, é uma oferta interessante. “Acho que até para quem sabe o que quer seguir pode ser vantajoso experimentar outros cursos, na medida em que nos abre o horizonte, algo cada vez mais necessário nos dias que correm”, defende.

Também Matilde Bettencourt tinha muitos interesses a nível académico e garante que o Experiências Académicas não estava nos planos, no entanto, o facto de ter notas insuficientes impediu-a de entrar logo na universidade… E ainda bem, porque percebeu que afinal não tinha assim tantas certezas.

A jovem de 19 anos foi “obrigada” a parar para fazer melhoria de notas e quando soube da existência do programa decidiu inscrever-se e tirar a prova dos nove. Natural de Sertã, distrito de Castelo Branco, Matilde experimentou o curso de Medicina, na Universidade de Coimbra. Além de se desafiar a viver uma realidade diferente, a jovem optou por sair da casa dos pais e da sua zona de conforto, o que tornou a experiência ainda mais enriquecedor. A experiência e a “receção calorosa”, tanto por parte dos alunos como dos professores, superaram a sua expectativa. E a felicidade notória descansou muito os pais, conta. Experimentar duas semanas do curso de Medicina, contudo, trouxe a Matilde a segurança que precisava: percebeu que o curso afinal não era para si. “Se tudo correr bem, entrarei este ano em Economia na Universidade de Coimbra”, outro dos cursos que sempre a apaixonou, conta ao i. Hoje, sente-se satisfeita por não ter ingressado logo no ensino superior e ter feito o programa, que aconselha a quem esteja na mesma situação. “Mesmo que já saibam o curso que querem seguir, devem fazer o programa porque vão ter uma perspetiva diferente e mais realista do curso”, declara. Matilde lamenta que o programa não seja conhecido pela grande maioria dos jovens e acredita que se, havendo mais participantes, “talvez não fosse tão frequente as mudanças de curso.”

“Haverá melhor forma de saber se gostamos do que experimentar? Tiago Marques, presidente da associação Gap Year Portugal, explica que o programa começou o sonho “de dar a oportunidade aos jovens de experimentar antes de escolher e ajudá-los a não cometerem um erro”. Ao olhar para o número de desistências das universidades, Tiago Marques e os restantes membros da associação consideraram que era preciso fazer alguma coisa. Na opinião do jovem, a maioria dos estudantes escolhe o curso superior baseando-se na opinião de terceiros, quer dos pais, professores ou amigos próximos, o que pode ser perigoso, visto “cada um de nós ter características diferentes e aquilo que pode ser bom para os outros não tem obrigatoriamente que servir para nós”, sublinha. “E haverá melhor forma de saber se gostamos do que experimentar?”, questiona.

Tiago Marques acredita que fazer o programa tem tido um impacto bastante positivo para os inscritos e é uma parte fulcral no caminho dos jovens que acabam o ensino secundário. “Os testemunhos que nos têm chegado das edições passadas mostram-nos que os jovens estão bastante satisfeitos com a escolha que fizeram e se sentem realizados com o curso que estão a estudar. Inevitavelmente, isto contribui para a felicidade das pessoas e para a sua realização pessoal”.

Segundo a associação, entre os mais de 100 acordos com universidades, os participantes têm mostrado especial preferência pela Universidade Nova de Lisboa, nomeadamente a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas e a Nova SBE, e pela Universidade do Porto, onde se destacam as faculdades de Engenharia, Economia e Letras. Entre os cursos mais experimentados surgem Gestão, Economia, Engenharia, Ciências da Comunicação, Ciência Política e Relações Internacionais e Estudos Europeus. No que toca ao impacto profissional da experiência, o presidente da Gap Year Portugal acredita que escolher a área certa e “que nos apaixona” torna tudo mais fácil. Ao fazer aquilo que se gosta, é muito mais fácil tirar resultados mais positivos e consequentemente destacar-se, defende Tiago Marques. “Quando o fazem por gosto estão dispostos a ir mais longe do que aqueles que ali chegaram ’por acaso. Como diz o velho ditado “quem corre por gosto não se cansa” e este é o exemplo perfeito disso mesmo”.

Tal como alguns participantes, o responsável também defende que todos deveriam realizar o programa. “O curso que escolhemos é uma decisão que temos que tomar conscientes das temáticas abordadas no curso, do método de ensino, das condições da faculdade, entre muitos outros fatores porque representa um investimento financeiro e também de tempo considerável na nossa vida”, declara. “Penso que será difícil para um jovem conhecer um curso que nunca experimentou, baseando-se apenas na opinião dos outros. Mesmo que estes conselhos venham com as melhores intenções, acredito que neste caso temos que vivenciar na primeira pessoa para ficar a conhecer a essência do curso”, conclui.

 

Como inscrever-se no Programa Experiências Académicas

• As inscrições para a primeira fase do programa terminam dia 1 de setembro.

• As inscrições para a segunda fase, para quem tem interesse em realizar o programa durante o segundo semestre universitário, começam dia 9 de setembro e podem ser feitas até dia 1 de dezembro.

• Para participar no programa é apenas obrigatório ser maior de idade e ter o ensino secundário concluído ou estar a fazer melhoria de notas.

• A inscrição é feita através do site oficial da Gap Year Portugal.

• Apesar de o programa ser gratuito, é necessário pagar uma caução de 20 euros, de forma à associação garantir às universidades a presença dos inscritos. No final do programa, o dinheiro é devolvido ao participante.

• Além de licenciaturas, o programa dispõe de acordos com vários mestrados, logo, os jovens que terminaram a licenciatura e estão indecisos sobre a especialização podem também decidir fazer o Experiências Académicas.