Custa até começar a prosa.
Já vi e revi o momento em que Miguel sai de Silverstone e de uma enorme corrida em que estava a batalhar por um lugar nos dez primeiros.
Digamos que repeti a custo as imagens umas dez vezes.
Em todas elas, nessa dezena de repetições, não consegui uma única vez entender por onde quereria Zarco sair dali com a sua mota sem uma carambola na Tech3 de Oliveira.
Faltava mais de metade da corrida, a seleção natural enquadrava cinco pilotos na luta pelas posições entre o nono e o décimo terceiro lugar.
Pol, Iannonne, Aleix, Miguel Oliveira e Zarco tinham mais ou menos definido o tabuleiro do seu xadrez, tentando buscar pontos valiosos na luta da classificação geral.
Agora mesmo fiz uma pausa e mais a frio revi as imagens.
E sabem que mais?
Isso mesmo …. voltei a ver uma geometria precipitada na tentativa de Zarco, não se descortina como pretenderia evitar um “chega para lá” no Falcão.
Custa continuar a prosa.
Mas as corridas são isto mesmo, uma mínima falha aqui ou ali e, muitas vezes, pagam justos pelos pecadores, noutras pagam só os pecadores, havendo ainda dias de serem apenas os justos os injustiçados.
É assim, são assim as corridas.
Que enorme dia este em Silverstone.
Volta primeira, ali mesmo depois das luzes vermelhas apagadas, num início carregado de adrenalina, um pequeno abuso de Quartararo acaba com as ambições dele e de Dovizioso, uma análise descuidada das reações da mota em altura tão prematura da prova, talvez.
Custará a quem apoia Dovi escrever sobre aquele momento, acredito.
Valentino foi até onde conseguiu.
Uma lenda que tem o pesado encargo de ser a esperança e orgulho da mais vasta e linda mancha de cor em todo o universo MotoGP.
Que lindo tornou o amarelo este inigualável Doutor.
Na frente, aliviado das ameaças Quartararo e Dovizioso, poderá ter havido um momento de alívio na cabeça de Marc Marquez.
O alívio, esse, nunca passou de meio segundo, pouco mais.
Se olhava de soslaio para as Ducati e para as Yamaha que lhe ameaçavam a glória em Silverstone, pois seria da Suzuki que surgiria o fantasma Rins, colando-se-lhe teimosamente em seu passeio de vitória.
Valentino foi até onde pôde, repito.
Miguel foi até onde o deixaram, tal como Dovi.
Alex Rins foi até ao infinito e mais além, como o nosso querido Buzz Lightyear.
Passando a papel químico a ratoeira do último GP na Áustria, servindo receita praticamente igual, roubando o pedaço, a fatia e o queijo inteiro a um campeão fortíssimo como é o espanhol Marc Marquez.
Agora, passada um pouco da tristeza de ver Miguel Oliveira abandonar uma prova quase dois anos depois, trinta e quatro corridas após a sua última desistência em San Marino, é hora de olhar em frente, dentro de três semanas chega Misano com mais um fim de semana de emoções.
Em Silverstone Miguel deixou uma vez mais indicações que o seu grupo de combate é agora entre aqueles que buscam o Top10, o que para quem chegou este ano a este nível numa equipa que ela própria tudo teve de criar a partir do zero é … no mínimo encorajador.
Que em Itália possa voltar a oferecer-nos esta sensação inédita de ver um português brilhando numa modalidade onde apenas os predestinados podem sonhar chegar.
Se pensarmos então que mais do que chegar lá, o Falcão tem trilhado um caminho de passos seguros em direção ao objetivo de um dia poder ombrear mano a mano e olhos nos olhos com a ‘ crème de la crème’, isto para terminar fazendo as pazes com o francês, concluiremos que vale a pena continuarmos a voar com ele.
Custa até acabar a prosa, só de imaginar que à volta oito tudo ia tão dentro do que se poderia desejar.
Mas são assim as corridas.