Era uma vez um lindo e mágico castelo, erigido na Lourinhã (mais propriamente no lugar de Carqueja ) e um “príncipe encantado”, de nome Francisco Leitão , um sucateiro que se intitulava de Rei Ghob e que convivia com vários jovens entre os 14 e os 17 anos. Fazia-se amigo deles, um género de protetor, pagava-lhes contas de telemóvel, jantares e bebidas, entre outras coisas. Dizia que tinha poderes sobrenaturais e, através de um punhado de focos de luz e alguns malabarismos, manipulava-os, levando a que o vissem como uma qualquer entidade espiritual, com uma força do além – força essa que usava na realidade para amedrontar jovens indefesos, levando as vítimas a acreditar que existiam “cópias negativas” dos humanos que pretendiam a sua destruição. Para as salvar e eliminar, as vítimas eram sujeitas a supostas injecções de energia, que mais não eram que abusos sexuais para prazer do dito, que as obrigava a um calendário de práticas libidinosas, drogando-os e alcoolizando-os, para depois os filmar. Esta história é bem real e não aconteceu há tanto tempo assim: foi nos idos de 2009 e 2010. O famoso “rei do gnomos” foi posteriormente acusado e condenado a 25 anos de prisão por mais de 500 crimes, entre eles homicídio qualificado e ocultação de cadáver de três jovens.
Esta semana, veio a público a fábula da Team Strada. Hugo Strada, um youtuber de 36 anos que se autointitula de gestor de artistas e produtor de eventos, criou um canal na plataforma Youtube que pretendia juntar diversos jovens numa espécie de “task force” para conteúdos colaborativos. O projeto inclui uma casa partilhada, onde os diversos membros se juntam para criar e produzir. A polémica estalou quando a 22 de julho, no programa Curto Circuito da SIC Radical, um dos elementos da equipa, Douglas Costa, de 17 anos, denominado de Dumbo ou Dumbástico, entra em estúdio com a emissão em direto a decorrer e dá um beijo na boca de Hugo Strada antes de se sentar. Logo de seguida, diversas vozes manifestaram-se contra tamanha desfaçatez e falta de decoro, o que fez com que diversos ex elementos da propalada equipa viessem a terreiro, também eles, denunciar práticas duvidosas e gestos de aproximação sexual alegadamente excessiva, alertando os mais jovens para as ilusões que Hugo criava nos mesmos, as falsas promessas e os receios. Houve quem fosse inclusivamente mais longe e falasse em extorsão infantil, descrevendo ainda cenas desconfortáveis e de caráter duvidoso. Num dos vídeos, podia ver-se Strada e outros que o acompanhavam a entrar na casa de banho de uma jovem do grupo sem autorização, ou ainda outros beijos ao mesmo menor.
Não estou a querer criar algum paralelismo entre as duas histórias. Aquilo que pretendo é que estejamos atentos e denunciemos em tempo útil todo o tipo de atitudes que consideramos excessivas, sobretudo para com menores de idade, antes que passem os limites do razoável. O mundo da internet e, sobretudo, o das redes sociais, tornou-se num apetecível mercado humano, em que tudo se faz e tudo se permite em troca de fama, de aparecer por cinco minutos que seja e em que se privilegia a palhaçada e a burrice ao invés de se estimular outro tipo de sentimentos ou ações mais respeitáveis. Os pais dos jovens desta pretensa equipa, provavelmente pressionados pelos filho, já vieram a terreiro defender o chefe da Team, apelidando de falsas e caluniosas as acusações que por aí circulam. O jovem Dumbo de 17 anos, que beijou na boca o tal de Hugo, veio inclusivamente considerá-lo o pai que nunca teve. É fundamental estarmos atentos aos gostos e preferências dos mais jovens ao invés de nos afastarmos delas por não vermos aí qualquer interesse. Percebermos o que veem e que tipo de atitudes seguem. Só entrando dentro desse meio conseguimos perceber se os nossos estão a entrar por caminhos estranhos e reprováveis. Nem tudo o que circula neste tipo de plataformas é mau, logicamente. Também há conteúdos extremamente educativos e pedagógicos, mas devemos estar alerta e não permitir tudo por ser considerado moderno. Não se preocupem em ser apelidados de ultrapassados, quando em causa estão valores e princípios essenciais à condição humana.